sexta-feira, dezembro 29, 2006
Da cultura individual
Sentado num apertado banco de autocarro, tento escrever uma ideia, mas, por vergonha, não consigo.Demasiada gente a observar. Começo a fazer-me perguntas mentais. E se alguém repara que, por debaixo do casaco à Vila-Matas, se esconde um autêntico Zé Bento? E se alguém descobre que a minha relação com a caneta é a mesma que o menino de oiro mantinha com Paulinho Santos? E se alguém descobre que não sou nenhum Paulo Futre, nenhum feiticeiro da técnica? E se notarem que, de facto, não passo de um Jaime Magalhães com jeitos de bode de campo?
[Paulo Ferreira]
Dormir ao sol
Nos últimos meses de 2006 desconfio ter sofrido um primeiro indício, quase imperceptível, de esgotamento intelectual. Talvez por isso não me lembre, se o quiser lembrar, da totalidade dos (bons) livros que li durante este ano. Mas numa semana em que gostamos de fazer balanços, veio-me à memória um pequeno grande livro que poderia dizer que me marcou. Quando surpreende, marca sempre. Numa edição meio esquecida, meio perdida pelos cantos escusos de livrarias, um alfarrábio da Estampa surgiu-me nas mãos: Dormir ao Sol, de Bioy Casares. Por recomendação de um amigo, parti à descoberta. Não tem a unânime «genialidade» de outros «bioy casares», mas é sem dúvida um excelente livro. Sobretudo inteligente. Deste ano, ficou-me marcado na carne este discreto vislumbre da profundidade da narrativa de Casares. Para quem gosta ou não do homem.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
quinta-feira, dezembro 28, 2006
Do simpático ferro
O comboio passou-lhe por cima, mas não não conseguiu apagar-lhe o sorriso dos lábios.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Pureza de alma no livro de Voltaire
Depois de ter sido enforcado, depois de ter sido feito escravo, o bom Pangloss continuava a dizer a Cândido: Todos os acontecimentos se encaminham no melhor dos mundos possíveis.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Uma morte brilhante
Escritor erudito
Um homem lia tanto, tanto, mas tanto, que, um dia, acabou de ler o último livro de todos. Claro que ficou preocupado, mas logo arranjou a solução: começar a escrever.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
OVNI
Tenho curiosidade em ler Estórias Domésticas, de Henrique Manuel Bento Fialho. Porém, como ainda não ganhei coragem para comprar seja o que for pela net (atrasado, pois sou), vou tentando vasculhar essas livrarias da cidade, a ver se alguém viu algum OVNI. Também queria ler o livro de Fernando Sorrentino porque gosto muito de Bioy Casares e essas coisas. Mas, até ao momento, ainda não houve OVNIS para ninguém. Entretanto, apercebo-me de que não tenho rigorosamente piada nenhuma e vou-me deitar.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Joyce
Dubliners, de Joyce, é o melhor livro que li em Dezembro. Provavelmente, não afirmo que é o melhor livro que li este ano por ser um indivíduo extremamente pretensioso. Além disso, a verdade é que só me fascinei realmente pelo último conto do livro, intitulado The Dead.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, dezembro 27, 2006
Prenda no sapatinho
Rasgou o papel de embrulho e encontrou D. Quixote de la Mancha. No meio da emoção, só se lembrou de perguntar pelo tempo que, obviamente, não tinha para ler aquelas merdas.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
How?
I did not know wether I would ever speak to her or not, if I spoke to her, how I could tell her of my confused adoration. But my body was like a harp and her words and gestures were like fingers running upon the wires.
- James Joyce, Dubliners
[Paulo Ferreira]
- James Joyce, Dubliners
[Paulo Ferreira]
segunda-feira, dezembro 25, 2006
Subscrever uma moção
«Eu sou um indeciso e gostava humildemente, publicamente, de reconhecer que tenho um problema. Nós, os indecisos, temos problemas. Somos doentes. Somos guterristas. Precisamos de cura, de tratamento, mas também de tolerância e de compaixão. Queremos ser compreendidos. Merecemos ser compreendidos. Ao contrário do que dizem os simplistas, o nosso suplício não está em não saber o que queremos. Não somos fracos. Sabemos o que queremos. Só que queremos tudo. Somos de um perfeccionismo, de um imperialismo, de uma arrogância sem limites. Alguém, por favor, que nos ensine o sentido das proporções.»
- Pedro Lomba, Diário de Notícias, 23/12/2006
[João Carlos Silva]
- Pedro Lomba, Diário de Notícias, 23/12/2006
[João Carlos Silva]
domingo, dezembro 24, 2006
Micro-leituras
Muchas Veces me Sucede Olvidar Quien Soy é um livro que, por diversas razões, me renova o gosto pela narrativa de passo curto. O seu autor é Luís Ene.
Um homem foi ao fundo uma vez, outra, e outra ainda, mas não morreu. A questão que lhes quero colocar, caros leitores, não é quantas vezes mais pode ele ir ao fundo e ficar vivo, mas sim quanto tempo poderá ele ainda estar vivo sem ir de novo ao fundo.
Mi mujer es excepcionalmente caliente, y a mi me gusta encender los cigarros en su cuerpo, declaró ayer un hombre detenido por malos tratos conyugales.
[Paulo Ferreira]
Um homem foi ao fundo uma vez, outra, e outra ainda, mas não morreu. A questão que lhes quero colocar, caros leitores, não é quantas vezes mais pode ele ir ao fundo e ficar vivo, mas sim quanto tempo poderá ele ainda estar vivo sem ir de novo ao fundo.
Mi mujer es excepcionalmente caliente, y a mi me gusta encender los cigarros en su cuerpo, declaró ayer un hombre detenido por malos tratos conyugales.
[Paulo Ferreira]
Deslumbre
Acordo e a primeira reportagem que vejo é sobre o Natal dos futebolistas «estrangeiros» em Portugal. Culturas dos antípodas? Ora... Um angolano e um colombiano.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
sábado, dezembro 23, 2006
Questão de tempo
No outro dia, comecei a pensar que, se Joyce acabou o seu Dubliners aos 25 anos, a minha pessoa ainda iria a tempo de fazer uma obra-prima - talvez uma espécie de Serões na Província (Júlio Dinis) - ainda antes do fecho da precocidade. No entanto, estava eu nesse dia a imaginar-me com 20 anos. A realidade, no entanto, diz-me 22. O que só pode querer dizer que, nunca como hoje, fez tanto sentido a aplicação da expressão «apre que se faz tarde!».
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Problemas no existir
«O que entende o meu amigo por saúde?», perguntou o médico ao paciente, que se queixava da sua falta de phatos.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
sexta-feira, dezembro 22, 2006
Condições (supostamente) indispensáveis
Em A Cultura Integral do Indivíduo, um erudito do século XX português, Bento de Jesus Caraça, pergunta-nos o que é o homem culto. Dá três respostas excepcionais:
1º- Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence;
2º- Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;
3º- Faz do aperfeiçoamento do seu interior a preocupação máxima e fim último da vida.
Não teria qualquer tipo de problema em substituir tudo o que aqui já escrevi para colocar estas três ideias de Jesus Caraça. Simplesmente, quando se tem a arte de nada de relevante se dizer, de nada vale usar a borracha ou apelar ao esquecimento. Isto porque tudo o que aqui se passa não é relevante, não tem pretensões de ensinar ou de se elevar a grupo em hipotética ascensão «política». O grémio passa sempre ao lado deste espaço simples e, admito, bacoco. Sigamos, no entanto, as excelsas palavras de Caraça:
Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica, é um certo grau de saber, aquele precisamente que fornece uma base mínima para a satisfação das três condições enunciadas.
A aquisição de cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a «conquista da liberdade.»
[Paulo Ferreira]
2º- Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;
3º- Faz do aperfeiçoamento do seu interior a preocupação máxima e fim último da vida.
Não teria qualquer tipo de problema em substituir tudo o que aqui já escrevi para colocar estas três ideias de Jesus Caraça. Simplesmente, quando se tem a arte de nada de relevante se dizer, de nada vale usar a borracha ou apelar ao esquecimento. Isto porque tudo o que aqui se passa não é relevante, não tem pretensões de ensinar ou de se elevar a grupo em hipotética ascensão «política». O grémio passa sempre ao lado deste espaço simples e, admito, bacoco. Sigamos, no entanto, as excelsas palavras de Caraça:
Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica, é um certo grau de saber, aquele precisamente que fornece uma base mínima para a satisfação das três condições enunciadas.
A aquisição de cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a «conquista da liberdade.»
[Paulo Ferreira]
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Melhor homem no melhor dos mundos
Ler?
Não me dá muito para isso, dizia ele, enquanto mirava a pernoca da mais velha da Alcinda.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Rotina
A ideia de atribuir conceitos àquilo que vou fazendo, já me fascinou bastante. Gostava de me apelidar de conservador. Ainda hoje penso que esse termo me fica bem na pele. Gosto de ir à mesma livraria todos os dias. Gosto de beber o café todas as noites no mesmo estabelecimento. Provavelmente, o conservadorismo funciona um pouco de acordo com esse tipo de comportamentos. Mas já não me fascino. Sou um pé rapado que não tem onde cair morto.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
domingo, dezembro 17, 2006
Rédea solta
Deram o «Apito Dourado» a Maria José Morgado, uma espécie de diabinho com princípios éticos. Sinceramente, era mesmo o que nós precisávamos para renovar (nunca eliminar, aceite-se isto) as redes de corrupção e promiscuidade entre futebol e «política». É uma boa notícia. Mesmo que seja pela possibilidade de ainda em 2007 já começarmos a ter alguns autos de fé em público - isto porque, pessoalmente, até prefiro os de Maria José Morgado aos da stripper vestida Carolina Salgado.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Love, love
Através dos Joy Division, Love will tear us apart (again). E a rua tão escura.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
terça-feira, dezembro 12, 2006
O quarto escuro
Ele brincava quando os amigos iam ter com as namoradas. Lá vai ele ter com o amor, gritava sempre. Por detrás destas máscaras, no entanto, se escondia um freelancer não menos aplicado do que os apaixonados casais que se beijam demoradamente. No seu caso, a aplicação era ditada pela mão e os trabalhos, sempre flexíveis e deslocalizados, garantiam-lhe uma estabilidade emocional extrema.
[Paulo Ferreira]
Fina morte
Enquanto a criançada jogava ao berlinde, o avô abriu a janela do quarto e, como quem não quer a coisa, atirou-se. Escusado será dizer que morreu de uma morte sossegada.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Carolina Salgado
Pouco me interesso por Carolina Salgado e pelo seu Jorge Nuno. Mulheres feias, homens feios, editoras feias, tudo coisas que pouco ou nada me interessam. Poderia dizer que a senhora Carolina deveria ter o pudor de não falar dos lupanares onde trabalhou. As flatulências do Jorge Nuno também seriam escusadas. De uma coisa, porém, me lembro: à semelhança de Esopo,o escravo grego, esta mulher, esta cortesã dos tempos do multibanco, a Carolina, a feia da Carolina, faz livros de cabeça. Quem sabe se também perderá a sua liberdade.
[Paulo Ferreira]
A morte do ditador
Não condenes a barbárie de um homem que só com a morte se livrará dos tormentos da dor física constante, disse o velho. E pôs-se a esperar, a esperar, a esperar.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Filho macaco
O filho só descansou quando espreitou para o que se escondia debaixo da saia da mãe. Antes disso, um castigo. Depois, sossego, acalmia, destroços o resto da vida.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Calle Principe, 25
Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar
mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou
- José Tolentino Mendonça, Baldios
[Paulo Ferreira]
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar
mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou
- José Tolentino Mendonça, Baldios
[Paulo Ferreira]
domingo, dezembro 10, 2006
Vigor antigo
Sobre a força da corrente dos rios, João de Barros (1496-1570) escreve «o tesão da água».
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
sexta-feira, dezembro 08, 2006
Nassar
Para além de ter o tipo de paixão pela escrita que se alimenta da própria vontade, e não só do trabalho, e da sua escrita equivaler a uma respiração por longos movimentos ininterruptos, Raduan Nassar tem um pormenor particular, mas não inédito, de ter decidido «parar de escrever» depois de deixar um espólio de enorme qualidade. Lavoura Arcaica é parte desse espólio. O tema da obra: «assim que entrei, fui me pôr atrás dela, passando eu mesmo, num murmúrio denso, a engrolar meu terço, era a corda do meu poço que eu puxava, caroço por caroço, "te amo, Ana" "te amo, Ana" "te amo, Ana" eu fui dizendo num incêndio alucinado, como quem ora, cheio de sentimentos dúbios, e que gozo intenso açular-lhe a espinha, riscar suas vértebras, espicaçar-lhe a nuca com a mornidão da minha língua». O tema mesmo? Ana é irmã de André, personagem tentada e narrador.
[João Carlos Silva]
Tempo para ler
Entre outros fragmentos de «Condomínio Fechado» (que merecem ser lidos), escreve Henrique Fialho sobre Herman José: «Ao contrário de Karl Marx, não descobriu o elixir da eterna juventude. Comprou rolexes, jaguares, iates, roupas pirosas. Pintou o cabelo de várias cores. Queria desesperadamente rir de si próprio, mas as rugas não deixavam. Quem muito ri dos outros nem sempre acaba conseguindo rir de si próprio».
A acrescentar a isso, indicaria o facto de Herman ter dito a Fernando Assis Pacheco, numa entrevista de cerca de 1986, que já não tinha muito tempo para ler. Algo me diz que ele, de facto, já não tem tempo para ler há vinte anos. Mas é só um palpite. Ainfal de contas, há não muito tempo li em determinada revista a confissão do treinador de futebol José Peseiro, que punha a mulher a fazer-lhe resumos de romances. É sempre bom ver interesse pelos livros. E, neste último caso, provavelmente foi o Código da Vinci que o acordou para a literatura. Quando li isso, pensei para mim: Peseiro merece um abraço. Ainda merece.
[João Carlos Silva]
A acrescentar a isso, indicaria o facto de Herman ter dito a Fernando Assis Pacheco, numa entrevista de cerca de 1986, que já não tinha muito tempo para ler. Algo me diz que ele, de facto, já não tem tempo para ler há vinte anos. Mas é só um palpite. Ainfal de contas, há não muito tempo li em determinada revista a confissão do treinador de futebol José Peseiro, que punha a mulher a fazer-lhe resumos de romances. É sempre bom ver interesse pelos livros. E, neste último caso, provavelmente foi o Código da Vinci que o acordou para a literatura. Quando li isso, pensei para mim: Peseiro merece um abraço. Ainda merece.
[João Carlos Silva]
quinta-feira, dezembro 07, 2006
Daysleeper #3
Um político, de gravata, apanhou um molho de folhetos na sua secretária e veio para a rua gritar, em cima de um caixote: «A vida não é só livros! Não é, prometo!»
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Daysleeper #2
Noite. Poderia jurar que uma prostituta me piscou o olho. E no entanto não me atrevo a rever o momento na memória.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Daysleeper #1
Duas mulheres num transporte público. Uma propõe à outra: «nas próximas férias vamos fazer o roteiro turístico do Código da Vinci!». Tivesse eu mais tomates e tinha-lhe proposto o roteiro Henry Miller. Mas estava demasiado sonolento para isso.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
quarta-feira, dezembro 06, 2006
Do futebol com uma certa mágoa
Um dia houve em que a poesia quebrou: um tal de Paulo Jorge, que tanto poderia ser Carlos de Soure como Manel de Palhavã, entrou num estádio a que se dá o nome de Old Trafford.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Plano de leitura
Gostei de ler Pedro Salinas (1891-1951). Nem só de Murphys e de Watts vive um homem. E é preciso romantismo. Aqui fica um belo poema madrileno.
Se te está viendo la otra
Se te está viendo la otra.
Se parece a ti:
los pasos, el mismo ceño,
los mismos tacones altos
todos manchados de estrellas.
Cuando vayáis por la calle
juntas, las dos,
qué difícil el saber
quién eres, quién no eres tú!
Tan iguales ya, que sea
imposible vivir más
así, siendo tan iguales.
Y como tú eres la frágil,
la apenas siendo, tiernísima,
tú tienes que ser la muerta.
Tú dejaras que te mate,
que siga viviendo ella,
embustera, falsa tú,
pero tan igual a ti
que nadie se acordará
sino yo de lo que eras.
Y vendrá un día
- porque vendrá, sí, vendrá-
en que al mirarme a los ojos
tú veas
que pienso en ella y la quiero:
tú veas que no eres tú.
- Pedro Salinas, La Voz a Ti Debida
[Paulo Ferreira]
Se te está viendo la otra
Se te está viendo la otra.
Se parece a ti:
los pasos, el mismo ceño,
los mismos tacones altos
todos manchados de estrellas.
Cuando vayáis por la calle
juntas, las dos,
qué difícil el saber
quién eres, quién no eres tú!
Tan iguales ya, que sea
imposible vivir más
así, siendo tan iguales.
Y como tú eres la frágil,
la apenas siendo, tiernísima,
tú tienes que ser la muerta.
Tú dejaras que te mate,
que siga viviendo ella,
embustera, falsa tú,
pero tan igual a ti
que nadie se acordará
sino yo de lo que eras.
Y vendrá un día
- porque vendrá, sí, vendrá-
en que al mirarme a los ojos
tú veas
que pienso en ella y la quiero:
tú veas que no eres tú.
- Pedro Salinas, La Voz a Ti Debida
[Paulo Ferreira]
terça-feira, dezembro 05, 2006
Casamento
Naquela tarde, vestiu a saia da mulher e partiu para as ruas, dizendo que era corno, que era corno. Até metia dó.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Virar a página
Preciso de um Código da Vinci na minha vida, disse a mulher ao marido, que gostava de ler.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Do mercado
Cansado de tudo, disse: a partir de hoje, não mais apelarei ao direito de usar estilo nas frases que escrevo. Assim foi. «Gosto de fiambre, gosto de queijo, gosto de mulheres, as mulheres não gostam de mim.» Foi best-seller.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
De um homem só
É agora, é agora, pensou. Mas logo se calou, porque nada aconteceu naquele momento, nem nos momentos seguintes. O agora nunca chegou e ele ficou caladinho a ouvir a chuva que caía.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Medidas que curam #3
Com o TLEBS, até os que não sabem ler vão fazer pinotes com a língua portuguesa.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Medidas que curam #2
Os portugueses sempre sonharam ler o Código da Vinci mais depressa ainda, de forma indolor. Trazemos-lhes, portanto, o Plano Nacional de Leitura, levando Dan Brown ao Portugal profundo.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Medidas que curam #1
O choque tecnológico virá. E nós queremos estar preparadinhos para o receber, não queremos? Em coro: queremos!
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
número três
Na Minguante nº3, para além de excelentes textos que por lá tenho lido, surgem também dois dos rapazes deste blogue: um do Paulo e um meu (fruto suado e sangrado de uma desinspiração comovente). Entre outras coisas, destaque para as «microteorias». Veja-se este excerto da de Luís N: E poder-se-á dizer que tem princípio meio e fim? Talvez a micronarrativa seja um qualquer texto de ficção para o qual se levante afinal a questão, mas isto ainda é um conto? E talvez não seja. Vale a pena visitar. Digo eu.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
segunda-feira, dezembro 04, 2006
Sempre ON
Não lhes chegava a manhã, a tarde, a noite, o telefone. Fizeram um blog cada um, de modo a estarem permanentemente abraçados.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Da genialidade
Genial é o homem que não consegue morrer com apenas uma facada no peito.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
domingo, dezembro 03, 2006
Bottoms up
Ontem relembrei um momento há muito recalcado. A SIC voltou a mostrar imagens dos «protestos estudantis» de 1992 (o muito português não pagamos dirigido, então, às propinas), que vi quando era criança mas me ficou na memória. Mas, mais importante, a SIC lembrou esse momento focando os célebres estudantes que mostraram o rabo ao ministro Couto dos Santos. Se bem me lembro, esse gesto de baixar as calças pondo o dito traseiro mano a mano com um político teve algumas repugnantes e reprováveis tentativas de reprodução - fracassadas, é claro, pela sua infantilidade. Mas nesse dia de 1992, durante uma reunião entre associações estudantis e governo executivo, o gesto foi cronológica e esteticamente perfeito. Por mim, até podiam tê-la desnudado em nome do Sendero Luminoso, mas mostrar a peidola a um ministro da educação - perturbando uma mão-cheia de imberbes de associações de estudantes que pacificamente tentavam subir na carreira política - não deixa de merecer o meu mais sincero aplauso.
Nota - referi no post que a reportagem tinha passado na RTP quando realmente foi na SIC. Já corrigi. Obrigado pelo reparo.
[João Carlos Silva]
Nota - referi no post que a reportagem tinha passado na RTP quando realmente foi na SIC. Já corrigi. Obrigado pelo reparo.
[João Carlos Silva]
sábado, dezembro 02, 2006
Witch hunt
Sobre impostos e caça popularucha ao devedor-não-pagador: (...) a caça "aos que não pagam" faz aumentar a popularidade do governo. A liberdade individual, por sua vez, vai ficando cada vez mais diminuta. E os que têm mais a temer são precisamente os que não devem. (Bruno Alves, Desesperada Esperança)
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Lucky
Na música, gosto, entre outras coisas, de cantorias simples. Gosto de pegar no OK Computer e ouvir a voz de Thom Yorke a sussurrar isto:
Kill me Sarah,
kill me again with love
[Paulo Ferreira]
Kill me Sarah,
kill me again with love
[Paulo Ferreira]
Da beleza conquistada
O homem que tem noção da cara que o divino lhe deu, tem a grande vantagem de retirar benefícios da beleza que, manifestamente, não possui.
[Paulo Ferreira]
domingo, novembro 26, 2006
Mário Cesariny 1923-2006
Não sou um adepto confesso do surrealismo. Mas uma parte do que leio ou procuro escrever hoje é, sem dúvida, influenciada pela irreverência que Cesariny deixou como seu legado. Essa irreverência, digna de muito respeito, ficou cá.
*
poema
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a contura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
[João Carlos Silva]
sábado, novembro 25, 2006
Letras lapidares
Tom Waits:
One thing you can say about mankind:
There's nothing kind about man.
[João Carlos Silva]
quinta-feira, novembro 23, 2006
X
No local onde ela o deixou, desenhou o desgraçado um X. E todos os dias lá foi rezar para que ela para os seus braços voltasse.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, novembro 22, 2006
Silêncio
Vale a pena (mesmo a esta preguiçosa distância de três dias do fim-de-semana anterior) ler o ensaio de Alda Rocha, na revista Actual, sobre o silêncio. Numa referência mais literal aos sons e sua ausência, destaque-se a referência a John Cage e à sua célebre composição musical: «Em termos conceptuais não é possível falar-se de música sem silêncio, mas John Cage deu-lhe outra dimensão ao compor 4'33", uma peça em três movimentos, sem nenhuma nota. A primeira vez que foi apresentada, em 1952, inserida num recital de piano contemporâneo, David Tudor sentou-se, para se levantar quatro silenciosos minutos e meio depois».
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Homens santos
Um novo artigo de um sujeito desconhecido, intitulado «A infalibilidade humana na política». O assunto é inequívoco: como o próprio nome indica, o tema é José Sócrates.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Memória
Na adolescência, houve uma repetição prolongada do mesmo acontecimento que me tornou num devorador de livros. Passo a relatar: o mais forte, o latagão, sempre que me via, digamos, entornando um pouco de conversa a alguém do sexo feminino, apertava-me os testículos, gritando: «agora, assobia jogador!»
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Da perfeição nos cafés da cidade
Ele, de penteado perfeito, com o dente recentemente branqueado, disse, entre charmes e deslumbres, a quem quisesse ouvir que, dali, só saía com uma «toira» na palma da mão. A partir daí, basta ler o que Gibbon escreveu sobre o Império Romano.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Thom Yorke e eu IV
Pensei que, em vez de estar aqui a ressumar palavras por baixo do título «Thom Yorke e eu», deveria ter escrito poesia com florete e apelar ao nome de Cavafis. No entanto, o que aqui importa é a fealdade, nada mais.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Thom Yorke e eu III
Ele não sabia por que razão ela o ignorava, não sabia por que razão ela o fazia corar. Desconfiava ele que a culpa fosse das variações metereológicas ou de qualquer outra coisa menos relevante. De uma coisa, porém, ele não se esquecia, não se privava. De cantar.
I don’t know why
I feel so tongue-tied
Faltando a guitarra, ele colocava assobio.
[Paulo Ferreira]
I don’t know why
I feel so tongue-tied
Faltando a guitarra, ele colocava assobio.
[Paulo Ferreira]
terça-feira, novembro 21, 2006
Thom Yorke e eu II
Abstinência, castidade. Palavras proibidas para quem se julgue esbelto. Dá-me, no entanto, a parecer que o significado contrário dessas palavras tem apenas que ver com carne, não com sentimento. É, aliás, por isso que um determinado bonitão, no momento em que encontrou o amor, começou a cantar «And for a minute there, I lost myself, I lost myself».
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
segunda-feira, novembro 20, 2006
Thom Yorke e eu
Com o passar dos anos, fui-me esquecendo do essencial, do que realmente importa. Nos tempos de rapazola, não era assim. Gostava, por exemplo, de olhar para o rosto feio de Thom Yorke. Gostava de pensar que existe sempre alguém pior do que o espelho. Mas, como digo, com o passar dos anos, perdi a capacidade de reter o que interessa. Deixei de achar Thom Yorke feio. Deixei de ouvir Radiohead. E, a partir daí, o massacre fui eu. Até hoje, que voltei a dizer que o gajo que canta Karma police é feio.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
quinta-feira, novembro 16, 2006
fanny
fanny, a grande
amiga de minha mãe,
ossuda, esgalgada,
de cabelo escuro e curto, e
filha de uma inglesa,
tinha um sentido prático
extraordinário e era
muito emancipada, para
os costumes da foz
daquele tempo.
uma vez, estando
sozinha no cinema, sentiu
a mão do homem a
seu lado deslizar-lhe
pela coxa. prestou-se a isso e
deixou-a estar assim,
com toda a placidez. mas abriu
discretamente a carteira de pelica,
tirou a tesourinha das unhas
e quando a mão no escuro
se imobilizou mais tépida,
apunhalou-a num gesto
seco, enérgico, cirúrgico.
o homem deu um salto
por sobre os assentos e
fugiu num súbito
relincho da
mão furada.
fanny foi sempre
de um grande despacho,
na sua solidão muito
ocupada num escritório. um dia
atirou-se da janela
do quinto andar
e pronto.
Vasco Graça Moura, Antologia dos Sessenta Anos
[João Carlos Silva]
quarta-feira, novembro 15, 2006
Subsídios (mais EPC)
Diz-se que há crianças que têm um «mau comer». Na verdade, penso que a maioria das mães se queixa disso, numa altura ou noutra do crescimento do filho. Mas também há as excepções. Por exemplo, veja-se o modelo EPC: sessenta e dois anos, mas ainda mama muito bem.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Humor, mas do bom
Martinho Lutero foi o primeiro homem a chegar à idade da reforma.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Alma de pedinte
No soluço que antecede a lágrima, ele só se lembrou de lhe pedir «por favor, não vás!»
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
terça-feira, novembro 14, 2006
Por amor de Deus!
Eduardo Prado Coelho, que ontem gastou a sua habitual crónica no «Público» a falar sobre os mistérios da noite, sobre a procura do Outro no Plateau, no Kremlin, no Lux, etc., faz hoje uma «peça» sobre Marques Mendes. Ora, parece que Eduardo Prado Coelho, à semelhança de Miguel Sousa Tavares, acha o líder do PSD «muito correcto naquilo que faz, mas apenas certinho, nunca brilhante», que é como quem diz, nada que se compare ao brilho do magnânimo primeiro-ministro. Mais à frente no texto, Prado Coelho, como se temesse que o leitor não fosse perceber que Marques Mendes foi apanhado pelo Demo,acrescenta que lhe «parece que um vento de loucura lhe varreu o cérebro.» Digo eu, que muito ignorante sou, que talvez umas mezinhas fizessem bem à alma do pobre Marques Mendes, uma vez que, para além da sua óbvia loucura recente, o homem foi feito «gato-sapato» por José Sócrates na Assembleia da República. É, portanto, de se considerar que Eduardo Prado Coelho, no seu artigo de opinião de hoje, consegue descortinar, na maior das perfeições, toda a acção e todos os problemas que têm envolvido o PSD e o seu líder nos últimos meses.
Eduardo Prado Coelho, sendo filósofo, crítico literário, colunista, ensaísta, professor universitário, enfim, um dos grandes intelectuais deste país, faz bem em expor a sua revolta sempre que esta seja necessária. Apoio-o quando escreve «Que vergonha, meu caro amigo!» Apoio-o quando associa Rui Rio a um «estalinismo larvar.» Afinal de contas, intelectual, neste país, rima com patetice.
[Paulo Ferreira]
Eduardo Prado Coelho, sendo filósofo, crítico literário, colunista, ensaísta, professor universitário, enfim, um dos grandes intelectuais deste país, faz bem em expor a sua revolta sempre que esta seja necessária. Apoio-o quando escreve «Que vergonha, meu caro amigo!» Apoio-o quando associa Rui Rio a um «estalinismo larvar.» Afinal de contas, intelectual, neste país, rima com patetice.
[Paulo Ferreira]
Estilo político do doutor primeiro-ministro
Fato Armani, o grisalho como a melhor definição para o seu penteado.E, claro, seriedade, muita seriedade. Pelo desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia.
[Paulo Ferreira]
segunda-feira, novembro 13, 2006
Metáforas da bola
Certo rapaz tinha uma escrita tão prolífica que passou directamente da «cantera» para a política.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
sábado, novembro 11, 2006
Conhecimento
Também Eduardo Prado Coelho atingiu o estatuto pretendido. De tanto dizer coisas sem sentido, já rima com corte epistemológico. Correcção, ele próprio é um corte epistemológico.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Amor
De tanto insistir, lá conseguiu o que queria. João Pedro Pais, agora, rima com amor.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Tom Cruise
Do fundo da minha indolente ignorância , afirmo que desconheço aquilo que se chama de Cientologia. Desconheço, de igual modo, o que leva um actor de elevado calibre a sentir-se fascinado pela saga Mission Impossible. Compreenderia melhor a aparição de Katie Holmes, não fosse a existência de Nicole Kidman um facto. Os saltos no Oprah Winfrey Show, esses, não me levam a compreender ou a qualquer outra coisa. Não me interesso demasiadamente pelos assuntos que levam os moralistas ao apupo. Se é aos pulinhos e a fazer macacadas que um homem quer tornar público o seu amor, que seja. Parece-me, no entanto, que Tom Cruise, um dos meus actores preferidos - admito-o sem qualquer tipo de vergonha- anda meio perdido. Anda a faltar-lhe qualquer coisa que aprecio em homens à séria, como George Clooney, George Clooney, ou até mesmo George Clooney. Refiro-me ao estilo, ao saber estar, ao possuir chá. É-me indiferente aquilo que Tom Cruise possa ou não fazer em público. Agora, o penteado mal arranjado ou o fato fora de moda, isso são coisas que me inquietam. Tom Cruise até poderia pertencer à Fenprof que não me incomodaria. Agora, aparições de galã fenecido não vão com nada.
Tom Cruise, como quase todos os grandes actores, já participou em dezenas de péssimos filmes. Porém, também se poderia dizer que, ao contrário de milhares de maus actores que raramente saem da cepa torta, Tom Cruise já se poderia vangloriar por já ter entrado em filmes, diria eu, absolutamente fantásticos. Eyes Wide Shut, de Stanley Kubrick, é um desses filmes que considero irrepreensíveis. Conseguiria um outro actor mostrar a loucura de um homem normal da mesma maneira que Cruise o faz no papel de William Harford? Duvido. Rain Man, Magnolia e Jerry Maguire são outros bons filmes, nos quais Cruise demonstra, de uma forma ou de outra, a sua capacidade para revelar a inquietação provocada pela suposta grandiosidade do sucesso. Numa outra linha, com menor qualidade, Vanilla Sky, adaptação americana de Abre Los Ojos, feita por Cameron Crowe, é a continuação dessa loucura sempre patente na cara bonita do homem que teve a coragem de abandonar a perfeita Kidman. De momento, não me consigo lembrar de um outro actor, digamos, belo, que consiga transformar o que, à partida, não é fácil - a beleza- em tique nervoso, em choro, em pena de quem assiste. Dir-se-ia que alguns filmes de Cruise são feitos para quem gosta de aplaudir a monódia trágica, o canto a solo.
Os thrillers interpretados por este actor já não me dizem muito. Nem Minority Report me consegue seduzir. Fazem lembrar o espírito do sempre aventureiro, mas não menos anedótico, Top Gun. Com efeito, julgo que, das maiores injustiças que se podem cometer, é colocar actores no espírito de Aquiles. Melhor: certos papéis, para chegarem a Aquiles, também deveriam incluir a morte pelo calcanhar. Ora, Tom Cruise, que demonstra, pelo carinho que nutre pelo Hunt de Mission Impossible, não demonstra o actor que é nesse tipo de filmes sem substância. Prefiro vê-lo em filmes em que se sofre e se chora, em que a gravata fica com baba e ranho.
Quanto à vida pessoal, julgo que a vida de Tom Cruise, para mim, será sempre um molde de Far and Away, filme que, segundo se diz, o juntou a Nicole Kidman. É o horizonte longínquo da pradaria que o faz correr pela dama e cometer as maiores infantilidades. É o sonho da terra prometida e da felicidade. Irei sempre associar a australiana a Cruise e Cruise à australiana. E não gosto de telenovelas. Quanto mais se gostasse.
[Paulo Ferreira]
sexta-feira, novembro 10, 2006
Mudar de vida
Em declarações ao elaboradíssimo «Correio da Manhã» (jornal que, devido à minha grande erudição, não leio) Jorge Nuno Pinto da Costa, esse grande declamador de poesia, confessou ser um ex-grande viciado em tabaco. Chegou a fumar três maços e meio por dia. E não se ficou. Chegou a fumar no banho (pessoalmente, prefiro que digam «banhinho»). Mas, como sempre teve um grande querer, há vinte e cinco anos atrás, nos primórdios do futebol, Jorge Nuno largou tudo. Ricardo Quaresma, que estava ao lado do patrão na ocasião (que desconheço qual tenha sido), foi mais expressivo: disse, num tom que me pareceu de enjoo, que nunca lhes tocou. Nos cigarros. No cigano, porém, não acreditei.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Sobre violência
Alguém afirmar sem corar que Maquiavel ensina governantes a governar e, no raciocínio seguinte, escandalizar-se com o cão peludo do Casal Arnolfini (Van Eyck).
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Entrevista
A ler, a pequena entrevista do amigo Bruno Alves no Miniscente. Leia-se também o que o desesperado escriba escreveu a propósito do último filme de Scorcese.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
quinta-feira, novembro 09, 2006
Da sinceridade
Sinceramente, já nem vale a pena surgir em campo e sujar a roupa lavada contra eles.
À moda do outro, mais sinceras só as diarreias do Barroso.
[Paulo Ferreira]
À moda do outro, mais sinceras só as diarreias do Barroso.
[Paulo Ferreira]
Momento
«Ele tem uma grande capacidade criativa, está mesmo a despontar!», disse eu a alguém, no grande momento Jardel da minha vida. Depois calei-me, sem marcar um golo ou sequer receber um aplauso pelo meu calo histórico (a barriga).
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Goodbye, Maria Ivone
Algo me diz que a demissão de Donald Rumsfeld, que já veio com um par de anos de atraso, vai ser mais mencionada do que a guerra no Iraque nos próximos tempos. Pelo menos, já deu aspecto de largar lastro no mar.
[João Carlos Silva]
quarta-feira, novembro 08, 2006
Ao toque do punho
Vergílio Ferreira diz num dos seus livros que toda a educação é uma violência.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Um ser violento IV
Voluntarismo: «the pen is mightier than the sword». Facto: os primeiros homens, antes de tentar escrever, tentaram matar-se uns aos outros.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Gerir o tempo
No seguimento de parábolas literárias sobre o debate do Orçamento do Estado, o meu caro amigo Bruno Alves ensina a gerir o tempo:
Alberto Martins começou a discursar. Melhor momento para ir à casa de banho, só a intervenção daquela senhora d'"Os Verdes".
[João Carlos Silva]
Alberto Martins começou a discursar. Melhor momento para ir à casa de banho, só a intervenção daquela senhora d'"Os Verdes".
[João Carlos Silva]
terça-feira, novembro 07, 2006
Um ser violento II
Procurava causas para justificar um temperamento violento, até que Primo Levi me abriu as portas de Auschwitz-Birkenau e me explicou que nem tudo precisa de razões. Nem a violência. Nem a morte. Nem a sobrevivência:
«Lutámos com todas as nossas forças para que o Inverno não chegasse. Agarrámo-nos a todas as horas tépidas, a cada fim de dia procurámos reter o Sol no céu mais um pouco, mas tudo foi inútil. (...)
Em Birkenau a chaminé do Forno Crematório fumega há dez dias. Estão a arranjar lugar para um enorme transporte que está prestes a chegar do gueto de Posen. Os jovens dizem aos jovens que serão todos os velhos a ser escolhidos. Os sãos dizem aos sãos que serão só os doentes a ser escolhidos. Os especialistas serão excluídos. Os judeus alemães serão excluídos. Os Números Baixos serão excluídos. Tu serás escolhido. Eu serei excluído.» (Se isto é um homem, 1958)
[João Carlos Silva]
«Lutámos com todas as nossas forças para que o Inverno não chegasse. Agarrámo-nos a todas as horas tépidas, a cada fim de dia procurámos reter o Sol no céu mais um pouco, mas tudo foi inútil. (...)
Em Birkenau a chaminé do Forno Crematório fumega há dez dias. Estão a arranjar lugar para um enorme transporte que está prestes a chegar do gueto de Posen. Os jovens dizem aos jovens que serão todos os velhos a ser escolhidos. Os sãos dizem aos sãos que serão só os doentes a ser escolhidos. Os especialistas serão excluídos. Os judeus alemães serão excluídos. Os Números Baixos serão excluídos. Tu serás escolhido. Eu serei excluído.» (Se isto é um homem, 1958)
[João Carlos Silva]
Um ser violento I
O aço. Sempre o medo do aço. Uma vida inteira a aprender a lidar com ele, na mesma medida em que, desde cedo, aprendi a evitá-lo. As crianças brincavam com pedras, paus, bolos de madeira ou de areia, a gravilha na palma da mão. Para arremessar a um adversário tudo servia.
Mas curiosamente, ninguém se atrevia a empunhar qualquer objecto feito em aço. Estava reservado aos mais crescidos, versados na arte da guerra. No fundo, no fundo, o aço não era mais que o formato da morte - conceito estranho e algo temível a uma criança que apenas queria conhecer a violência.
[João Carlos Silva]
Mas curiosamente, ninguém se atrevia a empunhar qualquer objecto feito em aço. Estava reservado aos mais crescidos, versados na arte da guerra. No fundo, no fundo, o aço não era mais que o formato da morte - conceito estranho e algo temível a uma criança que apenas queria conhecer a violência.
[João Carlos Silva]
segunda-feira, novembro 06, 2006
Travesti
Hoje, afirmei que o Manifesto do Partido Comunista é um panfleto interessante.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Ler mal
Ernst Jünger conhecia as batidas do coração. Viu a trincheira. Cheirou a mistura de sangue com pólvora. Falou de guerra como experiência interior. A multidão, por seu lado, assustada com a fotografia da realidade, colocou o nome de Hitler nos livros do pensador, confundindo, desse modo, as leituras.
[Paulo Ferreira]
Literatura em Maquiavel II
E os homens em geral julgam mais pelos olhos que pelas mãos, porque ver é coisa que toca a todos, e sentir a poucos.
- Maquiavel, O Príncipe
[Paulo Ferreira]
- Maquiavel, O Príncipe
[Paulo Ferreira]
Literatura em Maquiavel I
Oferecendo-se David a Saul para ir combater com Golias, provocador filisteu, Saul, para lhe dar ânimo, armou-o com as suas armas, as quais, depois de as ter vestido, David recusou, dizendo que com elas, se não poderia bem valer de si mesmo, e que queria defrontar o inimigo com a sua funda e o seu punhal.
- Maquiavel, O Príncipe
[Paulo Ferreira]
- Maquiavel, O Príncipe
[Paulo Ferreira]
domingo, novembro 05, 2006
Vida trágica
Um homem nunca ter sido grande espingarda e não ter perspectivas de um dia vir a ser.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Arriscar a guilhotina é isto:
Ary dos Santos, nome de poeta (um bom brasileiro chama sempre o castiço de poeta), poesia zero.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
A noite
O homem medieval acreditava em mitos e lendas que, para o homem de hoje, são susceptíveis de alimentar boas anedotas de café. No entanto, na Idade Média, espaços como a floresta estavam relacionados com o desconhecido, com o misterioso, com o funesto. A noite era a altura do dia em que os medos invadiam os espíritos amedrontados . Ou seja, naquela altura, o atraso empírico era grande e as fronteiras por ultrapassar eram muitas. Só no século XIV é que se começam, por exemplo, a refutar as concepções cristãs da Terra plana.
Pois bem, eu que não sou um homem medieval, no sentido cronológico do termo, sinto-me, por vezes, ligado àquela época. Principalmente, quando a noite chega. Para mim, a noite é a vivência de vários mitos ao mesmo tempo. Em criança, o fim da tarde significava o aparecimento da mula de sete cabeças, o demónio que se escondia atrás dos postes de electridade. Mais tarde, outros monstros apareceram com a noite. Refira-se, no entanto, que, à medida que o corpo foi crescendo, os monstros metamorfosearam-se. Comecei a temer discotecas, homens de pouca temperança, mulheres despudoradas, enfim, ambientes sociais que implicassem certa ciência. Como não sou muito ligado a mezinhas, cheguei à conclusão de que, para indivíduos como eu, a única solução eficaz para combater a noite seria ficar em casa. E assim tem sido. Tranca-se a porta de casa e começa-se a ler, a escrever, a namorar. Os caros caderninhos pretos que ficam sempre bem ao homem pretensioso, têm-me dado jeito. Os livros que não se podem ler na rua também. Porém, de certa maneira, a reclusão caseira não consegue ser total, uma vez que os medos e as memórias persistem.
Há quem diga que é no escurinho do quarto que o sentido de humilhação mais se dá a mostrar. De certo modo, concordo. Todavia, é bom não esquecer que a noite, para além de ser violenta para os que não convivem, humilha. Embora se possa afirmar que, se o escurinho do quarto é o espaço de eleição para a memória e a lembrança do que fracassa, a noite e a rua são os espaços onde essas memórias acontecem.
As definições de noite, na maior parte dos dicionários, devem ser, mais coisa menos coisa, estas: f. Espaço de tempo que vai desde o crepúsculo da tarde até o crepúsculo da manhã. Escuridão. Noitada. Fig. Trevas do espírito. Ignorância. Noite velha, alta noite. Gosto de pensar em noite como metáfora para uma certa realidade. Treva de espírito e ignorância, escuridão e cegueira. Insónia, desvelo. Tudo isto é noite. E eu sou o pássaro fissirrostro, uma pessoa que só aparece de noite, mas onde? Não na rua, não na paisagem social. No fundo, sou o pássaro de bico fendido que se encontra com os lençóis, com a caneta. E nem sempre.
[Paulo Ferreira]
Pois bem, eu que não sou um homem medieval, no sentido cronológico do termo, sinto-me, por vezes, ligado àquela época. Principalmente, quando a noite chega. Para mim, a noite é a vivência de vários mitos ao mesmo tempo. Em criança, o fim da tarde significava o aparecimento da mula de sete cabeças, o demónio que se escondia atrás dos postes de electridade. Mais tarde, outros monstros apareceram com a noite. Refira-se, no entanto, que, à medida que o corpo foi crescendo, os monstros metamorfosearam-se. Comecei a temer discotecas, homens de pouca temperança, mulheres despudoradas, enfim, ambientes sociais que implicassem certa ciência. Como não sou muito ligado a mezinhas, cheguei à conclusão de que, para indivíduos como eu, a única solução eficaz para combater a noite seria ficar em casa. E assim tem sido. Tranca-se a porta de casa e começa-se a ler, a escrever, a namorar. Os caros caderninhos pretos que ficam sempre bem ao homem pretensioso, têm-me dado jeito. Os livros que não se podem ler na rua também. Porém, de certa maneira, a reclusão caseira não consegue ser total, uma vez que os medos e as memórias persistem.
Há quem diga que é no escurinho do quarto que o sentido de humilhação mais se dá a mostrar. De certo modo, concordo. Todavia, é bom não esquecer que a noite, para além de ser violenta para os que não convivem, humilha. Embora se possa afirmar que, se o escurinho do quarto é o espaço de eleição para a memória e a lembrança do que fracassa, a noite e a rua são os espaços onde essas memórias acontecem.
As definições de noite, na maior parte dos dicionários, devem ser, mais coisa menos coisa, estas: f. Espaço de tempo que vai desde o crepúsculo da tarde até o crepúsculo da manhã. Escuridão. Noitada. Fig. Trevas do espírito. Ignorância. Noite velha, alta noite. Gosto de pensar em noite como metáfora para uma certa realidade. Treva de espírito e ignorância, escuridão e cegueira. Insónia, desvelo. Tudo isto é noite. E eu sou o pássaro fissirrostro, uma pessoa que só aparece de noite, mas onde? Não na rua, não na paisagem social. No fundo, sou o pássaro de bico fendido que se encontra com os lençóis, com a caneta. E nem sempre.
[Paulo Ferreira]
quinta-feira, novembro 02, 2006
Obra poética VIII
Poesia transatlântica: uma brasileira chamada Maria-você-me-mata.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Obra poética VII
Uma brincadeira a duas mãos sobre poesia: dois homens, nenhum destino.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Sobre poesia VIII
Em 1938, na cidade de Paris, um «estranho» passa pelo génio e desfere-lhe uma facada no peito. Pouco tempo depois, aparece Suzanne Deschevaux-Dusmenoil e «é» para toda a vida.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, novembro 01, 2006
Obra poética IV
A primeira coisa que se deve ver na obra de um poeta é a seguinte: porque sofre. A segunda coisa: como sofre. Ninguém procura uma cura na poesia.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Obra poética III
Sou um homem do contra. Aprendi a preferir:
- uma poesia prosaica;
- uma prosa poética.
[João Carlos Silva]
- uma poesia prosaica;
- uma prosa poética.
[João Carlos Silva]
Obra poética II
Qualquer poeta que se preze deveria conseguir, ou saber, escrever «estou aqui».
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
terça-feira, outubro 31, 2006
O senhor Arnolfini
O doutor Eduardo Prado Coelho, para muitos conhecido como Inquisidor-Mor do reino, decidiu soltar a sua férrea lança sobre a populaça. No Público de ontem, o homem que me ensinou o significado de «orgasmo horizontal», criticou Luís Aguiar-Conraria, autor do A destreza das dúvidas por razões que não se percebem muito bem. Por esse motivo, e sendo também eu um apreciador do estilo “tu cá tu lá”, permito-me a tecer algumas considerações.
Eduardo Prado Coelho, um amante das artes e dos céus arroxeados, no seu artigo, comete a disparate de afirmar que «puxa da pistola» sempre que ouve alguém criticar aqueles que gastam o dinheiro dos contribuintes em coisas que o doutor Prado Coelho aprecia, como aquilo a que em Portugal se costuma chamar de artes, etc. A revolta fica mal em alguém que passou grande parte da sua vida a sugar dinheiro do Estado, sem nada de relevante fazer. Quer dizer, no meu anónimo entendimento, quando se passa uma vida a falar de temáticas como o amor e a realizar estudos abstractamente definidos como filosófico-literários, não se faz muito que seja digno de pensão estatal.
Outra questão levantada pelo artigo do doutor Prado Coelho é a do meu próprio devir. Não me refiro propriamente ao aparecimento do lexema «aparvalhado» no meio do belo texto. Refiro-me à parte em que o doutor Prado Coelho confunde o blogger Luís Pedro Coelho com um mero funcionário do Continente. Essa questão do devir do Eu torna-se importante, e de inadiável discussão, uma vez que tenho perdido algumas horas de sono por causa do assunto. Simplificando: será que o Estado me vai deixar entrar? Patrocínios? Verbas loucas escondidas debaixo do espesso manto da Cultura? Dinheiro para mim? Estado? Ou terei eu que pendurar as botas e vestir a camisola do Modelo ou do Pingo-Doce, se me disserem que a investigação em História ou a publicação de literatura não me dá comida? Bem, o doutor Prado Coelho, do alto da sua toga inquisitorial, tocou num ponto bastante importante, que é o da arrogância do funcionalismo público quando comparado com quem não está ou não pode estar «lá dentro».
Existem certas situações na vida do ser humano que fazem duvidar da integridade mental dos que nos rodeiam. Saramago, por exemplo, parece um céptico (exilado em Lanzarote). Manuel Maria Carrilho dá a sensação de ser um basbaque com um doutoramento (logo, superior ao meu anonimato e com capacidades para, se quiser, me desfazer). Enfim, o cérebro não acompanha os tempos que mudam. Não sei se a isso se chama paralisia. Não sei. Mas sei que o doutor Prado Coelho vai a conferências que um cidadão que não receba bolsas governamentais vitalícias não pode ir. Ele é tertúlias no Brasil, ele é romances imaginários em Paris. Ele é livros escritos às três pancadas. Muita razão tinha Miguel Sousa Tavares quando dizia que não se punha num avião com o doutor Prado Coelho para as jornadas literárias que, para alguns, são quase semanais.
[Paulo Ferreira]
Eduardo Prado Coelho, um amante das artes e dos céus arroxeados, no seu artigo, comete a disparate de afirmar que «puxa da pistola» sempre que ouve alguém criticar aqueles que gastam o dinheiro dos contribuintes em coisas que o doutor Prado Coelho aprecia, como aquilo a que em Portugal se costuma chamar de artes, etc. A revolta fica mal em alguém que passou grande parte da sua vida a sugar dinheiro do Estado, sem nada de relevante fazer. Quer dizer, no meu anónimo entendimento, quando se passa uma vida a falar de temáticas como o amor e a realizar estudos abstractamente definidos como filosófico-literários, não se faz muito que seja digno de pensão estatal.
Outra questão levantada pelo artigo do doutor Prado Coelho é a do meu próprio devir. Não me refiro propriamente ao aparecimento do lexema «aparvalhado» no meio do belo texto. Refiro-me à parte em que o doutor Prado Coelho confunde o blogger Luís Pedro Coelho com um mero funcionário do Continente. Essa questão do devir do Eu torna-se importante, e de inadiável discussão, uma vez que tenho perdido algumas horas de sono por causa do assunto. Simplificando: será que o Estado me vai deixar entrar? Patrocínios? Verbas loucas escondidas debaixo do espesso manto da Cultura? Dinheiro para mim? Estado? Ou terei eu que pendurar as botas e vestir a camisola do Modelo ou do Pingo-Doce, se me disserem que a investigação em História ou a publicação de literatura não me dá comida? Bem, o doutor Prado Coelho, do alto da sua toga inquisitorial, tocou num ponto bastante importante, que é o da arrogância do funcionalismo público quando comparado com quem não está ou não pode estar «lá dentro».
Existem certas situações na vida do ser humano que fazem duvidar da integridade mental dos que nos rodeiam. Saramago, por exemplo, parece um céptico (exilado em Lanzarote). Manuel Maria Carrilho dá a sensação de ser um basbaque com um doutoramento (logo, superior ao meu anonimato e com capacidades para, se quiser, me desfazer). Enfim, o cérebro não acompanha os tempos que mudam. Não sei se a isso se chama paralisia. Não sei. Mas sei que o doutor Prado Coelho vai a conferências que um cidadão que não receba bolsas governamentais vitalícias não pode ir. Ele é tertúlias no Brasil, ele é romances imaginários em Paris. Ele é livros escritos às três pancadas. Muita razão tinha Miguel Sousa Tavares quando dizia que não se punha num avião com o doutor Prado Coelho para as jornadas literárias que, para alguns, são quase semanais.
[Paulo Ferreira]
segunda-feira, outubro 30, 2006
Sobre poesia VI
A fotografia é o objecto de trabalho do poeta, no entanto, só a caneta se move no chão branco de papel.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Sobre poesia V
O Belo é a mulher, não a estrofe. Só por si, um verso bonito não ganha valor. O Belo é a memória.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Sobre poesia III
Nomes existem que superam estantes carregadas de antologias poéticas. Paul Valéry e o Senhor Teste, por exemplo, abalam as estruturas do verso.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
domingo, outubro 29, 2006
Propaganda
«Numa evocação dos 150 anos dos Caminhos de Ferro em Portugal, a RTP incluíu uma referência ao TGV. Se há 150 anos se tinha aberto o caminho para o desenvolvimento do país, hoje, os portugueses "aguardam" o TGV. Tudo dito pela boca da servil jornalista. Melhor propaganda que esta é difícil. Pena é que não tenha sido num tempo de antena do PS, mas sim numa televisão paga pelos impostos de todos nós.»
- Bruno Alves, Desesperada Esperança, 28/10/2006
[João Carlos Silva]
- Bruno Alves, Desesperada Esperança, 28/10/2006
[João Carlos Silva]
Pragmatismo
Um homem, certo dia, cansado de cuidar do filho, ofereceu-o a Madonna.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
quinta-feira, outubro 26, 2006
Percurso empresarial
O Paulo deu o passo definitivo para se tornar presidente do Benfica. Depois só falta deixar crescer e acarinhar um bigode, receber um dossier em casa e demitir-se.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Sobre Nélson Pereira
No Record , jornal essencial na vida de um homem culto, Gomes Ferreira, membro da destacada família de um amigo, faz referência a um post que aqui escrevi há dias num artigo intitulado Chamem-lhe Nélson Pereira. Pelos vistos, parece que isto do Pereira deve mesmo ir para a frente. Quem sabe se não surgirão movimentos a defender a qualidade nas balizas portuguesas.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, outubro 25, 2006
Biografia
Em tão pouco cabe a extensão de uma vida
os olhos perdemos no vasto norte
afinal em nós sempre estiveram fixos
recolheram o volume das ilhas
presos a nós que nada sabemos
eu só dizia:
foge comigo
desce também o rio
escuro salgueiro
- José Tolentino Mendonça, A Noite Abre Meus Olhos
[Paulo Ferreira]
os olhos perdemos no vasto norte
afinal em nós sempre estiveram fixos
recolheram o volume das ilhas
presos a nós que nada sabemos
eu só dizia:
foge comigo
desce também o rio
escuro salgueiro
- José Tolentino Mendonça, A Noite Abre Meus Olhos
[Paulo Ferreira]
terça-feira, outubro 24, 2006
Da genialidade
Querem que eu seja sábio, sabendo que tenho dores na nuca, que as moscas me devoram e que o céu não pode alterar seja o que for.
- Samuel Beckett, O Inominável
[Paulo Ferreira]
- Samuel Beckett, O Inominável
[Paulo Ferreira]
segunda-feira, outubro 23, 2006
domingo, outubro 22, 2006
Descer as sombras
vens
caindo
pela dor
acomodando
nuas palavras
à ferida de ter
perdido. a face é
pequena para sentir
o que em nós sobrevive
no instante em que a voz
desce as sombras desse dia
onde voltar já não se escreve
com medo das marés. podes agora
subir: é como estar (de novo) na luz
- João Luís Barreto Guimarães, 3
[João Carlos Silva]
caindo
pela dor
acomodando
nuas palavras
à ferida de ter
perdido. a face é
pequena para sentir
o que em nós sobrevive
no instante em que a voz
desce as sombras desse dia
onde voltar já não se escreve
com medo das marés. podes agora
subir: é como estar (de novo) na luz
- João Luís Barreto Guimarães, 3
[João Carlos Silva]
F1
Não aprecio carros. Não percebo nada de velocidades. Para dizer a verdade, nem gosto de corridas em geral. Mas sempre tive um certo apego aos fins-de-semana de Fórmula 1 na RTP. Ora, Michael Schumacher acaba hoje, em princípio, a sua actividade. Ou melhor, hoje reforma-se um mito vivo. Para muita gente, Schumacher é (ou foi) o Diabo em pessoa. Lúcifer em carne e osso, dentro de um carro de Fórmula 1. Provavelmente, têm razão: Schumacher raramente se preocupou, na sua carreira, em reservar um lugar no céu. Aliás, ao contrário dos homens santos, nunca se lembrou que poderia ser amado pelos fãs. Só se preocupava com uma coisa: a vitória. Vencer vencer vencer. E isso teve os seus contras: alguns acidentes, muitos ódios.
Mas o que o fez odiado também dele fez um dos melhores automobilistas de sempre. Desde que comecei a ver Fórmula 1, à parte Damon Hill, apenas Schumacher mostrava claramente aquilo que todos tinham: a vontade de vencer. E, também ao contrário de quase todos, não se fazia rogado em «abrir» o seu próprio espaço na pista. Se hoje (na sua última corrida) não ganhar, azar. Mas amanhã a Fórmula 1 já estará mais pobre. Uma espécie de desmoronar do império de Alexandre, em que todos lutarão pelo ceptro mas sem nunca um só merecê-lo como o antecessor. Na melhor das condições, nenhum deles conseguirá, tão cedo, igualar a carreira de um dos únicos «boches» decentes do século XX.
[João Carlos Silva]
Mas o que o fez odiado também dele fez um dos melhores automobilistas de sempre. Desde que comecei a ver Fórmula 1, à parte Damon Hill, apenas Schumacher mostrava claramente aquilo que todos tinham: a vontade de vencer. E, também ao contrário de quase todos, não se fazia rogado em «abrir» o seu próprio espaço na pista. Se hoje (na sua última corrida) não ganhar, azar. Mas amanhã a Fórmula 1 já estará mais pobre. Uma espécie de desmoronar do império de Alexandre, em que todos lutarão pelo ceptro mas sem nunca um só merecê-lo como o antecessor. Na melhor das condições, nenhum deles conseguirá, tão cedo, igualar a carreira de um dos únicos «boches» decentes do século XX.
[João Carlos Silva]
sábado, outubro 21, 2006
Minguante
A Minguante, revista de micronarrativas que conheci através de Henrique Fialho, já lançou o seu segundo número, no qual eu também participo com um texto muito à minha linha, isto é, pobrezinho. É ainda de salientar que o João aqui do blogue também participa neste número da revista.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Gostei
Do artigo de Inês Pedrosa na Única. Aqui fica um curto, mas esclarecedor, excerto:
Sim, ela é péssima: inteligente, frontal, trabalhadora, alegre. E, mesmo assim, não desiste de Portugal.
[Paulo Ferreira]
Sim, ela é péssima: inteligente, frontal, trabalhadora, alegre. E, mesmo assim, não desiste de Portugal.
[Paulo Ferreira]
Virtudes
Em televisão, querer agradar a gregos e a troianos torna os comentadores (ou os analistas) muito insípidos. Medina Carreira tem a virtude de falar o que lhe vai na cabeça, sem calculismos estratégicos. Muito sinceramente e não é só pelo diálogo que transcrevo neste primeiro parágrafo, eu delegava o poder em Medina Carreira. Sem eleições. Toma lá, executa.
- José Costa e Silva, Lóbi do Chá, 21/10/2006
[João Carlos Silva]
- José Costa e Silva, Lóbi do Chá, 21/10/2006
[João Carlos Silva]
sexta-feira, outubro 20, 2006
Posts sobre mulheres aristocráticas
A ler o extenso e dedicado post do Bruno sobre Kirsten Dunst, sobre Kirsten Dunst, sobre Kirsten Dunst. Ah, e sobre Marie Antoinette.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Em sociedades perfeitas
Aquilo que o homem uniu, a Natureza é impotente para separar.
- Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo
[João Carlos Silva]
- Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo
[João Carlos Silva]
Marianne
Voltaram a calar-se. De repente Bruno puxou por uma fotografia da mulher, pô-la em frente dela e queimou-a com o isqueiro. A mulher tentou não sorrir, olhou noutra direcção, mas depois sorriu.
- Peter Handke, A mulher Canhota
[Paulo Ferreira]
- Peter Handke, A mulher Canhota
[Paulo Ferreira]
quinta-feira, outubro 19, 2006
Tenha vergonha
O senhor António Castro Guerra, secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, saiu do seu Porsche para ir à TSF de propósito para nos esclarecer: a culpa dos aumentos no preço da electricidade é inteiramente nossa, dos consumidores. Melhor, disse isto: «são os consumidores que devem este dinheiro».
Ora, não tendo uma carteira recheada nem privilégios de função pública, cá em casa todos pagam o que consomem e o que devem. Por conseguinte, ninguém deve nada a ninguém e, a dever, seria um governo medíocre ou uma empresa de distribuição de electricidade a fazê-lo, sem o meu conhecimento.
Se há ou houve incompetência na negociação de contratos ou na garantia de concorrência, devo lembrar ao senhor Castro Guerra que isso é algo que passa ao lado do «consumidor» quando este liga ou desliga a luz da sala. E nem seria preciso perceber muito de Economia para compreender que esse secretário de Estado Adjunto apenas nos tentou, de uma forma muito pouco habilidosa, atirar areia aos olhos. Eu diria mesmo que ofendeu a inteligência de todos os portugueses. A isto se chamaria, em aldeias mais eruditas, um «alarve». Como diria alguém conhecido: tenha vergonha.
[João Carlos Silva]
Ora, não tendo uma carteira recheada nem privilégios de função pública, cá em casa todos pagam o que consomem e o que devem. Por conseguinte, ninguém deve nada a ninguém e, a dever, seria um governo medíocre ou uma empresa de distribuição de electricidade a fazê-lo, sem o meu conhecimento.
Se há ou houve incompetência na negociação de contratos ou na garantia de concorrência, devo lembrar ao senhor Castro Guerra que isso é algo que passa ao lado do «consumidor» quando este liga ou desliga a luz da sala. E nem seria preciso perceber muito de Economia para compreender que esse secretário de Estado Adjunto apenas nos tentou, de uma forma muito pouco habilidosa, atirar areia aos olhos. Eu diria mesmo que ofendeu a inteligência de todos os portugueses. A isto se chamaria, em aldeias mais eruditas, um «alarve». Como diria alguém conhecido: tenha vergonha.
[João Carlos Silva]
segunda-feira, outubro 16, 2006
O chichi do guarda-redes
Já vi muitas coisas aberrantes durante a minha curta vida. Já vi Rui Correia e Pedro Espinha jogarem no FCP. Já vi Silvino. Já vi John Terry vestir a camisola de Hilário, o gordo que nasceu para o futebol nas Antas. Já vi um jogador aplicar um rotativo em plena pequena área, enquanto a bola redonda descansava perto da bandeirola de canto. Já vi Neno no Benfica. O pobre do Marco, que, pelas suas mãos, só poderia ser Tábuas, também já vi. E sempre me espantei. Ou não. Só se espanta quem se ilude. O tábuas do Bonfim não ilude. Rui Correia, o maior mascador de pastilha a seguir a Rui Costa, também não. O que verdadeiramente me pode espantar é saber que o Postiga marca golos ou saber que João Pinto, esse grande impulsionador do romantismo (como fonte de irracionalismo), é suplente num clube com a mania das grandezas, como o Sporting de Braga.
Moretto é um guarda-redes dotado de todas as faculdades que compõem um grande jogador de futebol: ambição, qualidade técnica, imbecilidade, cara (dizem) bonita, imprevisibilidade, etc. Por isso, não me espantei quando soube que o Vieira da Luz o tinha contratado ao Vitória de Setúbal. O tipo defendia bem. Também não me surpreendeu que o presidente do Benfica tenha sido obrigado a defender a sua contratação à bolachada no aeroporto. O gajo era bom, logo, se houvesse algo ou alguém que não tivesse que ficar na Luz, só poderia ser o soco do segurança do Luís, que não é doutor mas presidente de milhões. Mas Moretto era dotado de uma característica que um idiota intelectual como eu não poderia adivinhar: a fraqueza de coração. O homem começa por defender tudo e, depois, os frangos. Um, dois, três. Isto depois de fazer pirraça com jogadores como Ronaldinho, Deco ou Eto'o (lembram-se da grande penalidade defendida em Camp Nou?). Moretto começou a sofrer e, penso eu, ninguém foi a tempo de reparar porque não se viu a barba do guarda-redes crescer à desgarrada. Acredito que, se fosse o Richie dos Tenenbaums, seria mais fácil de se perceber quando alguém sofre de tristeza.
O frango é algo que também passa pela vida dos melhores. No entanto, não é minha pretensão afirmar que Moretto é dos melhores. No que se refere a guarda-redes brasileiros recentes, só Tafarel teve para mim esse estatuto. De resto, nem Dida. E Helton já não entra nas contas porque ainda não é certeza (precisaria que ele estivesse numa equipa que sofresse golos para tirar dúvidas mais rapidamente). Moretto não é um grande guarda-redes. É bom. Mas não chega. Pode bem ser tecnicamente superior a Quim, mas não é tão seguro no que diz respeito a não fazer chichi nas cuecas. Moretto não cospe no chão, não fuma. Moretto não tem cara de desgraçado, como o pobre do Jorginho. Moretto é brasileiro e não percebe que esse tipo de gente, para chegar à invencibilidade, tem que dançar sambinha na rua ou, nos casos de maior refinação, alugar um quartel de prostitutas. Cá para mim, Moretto contentou-se com os fatos da Armani e deixou-se morrer. É pena. O meu Torreense só lá tem o Humberto.
[Paulo Ferreira]
Moretto é um guarda-redes dotado de todas as faculdades que compõem um grande jogador de futebol: ambição, qualidade técnica, imbecilidade, cara (dizem) bonita, imprevisibilidade, etc. Por isso, não me espantei quando soube que o Vieira da Luz o tinha contratado ao Vitória de Setúbal. O tipo defendia bem. Também não me surpreendeu que o presidente do Benfica tenha sido obrigado a defender a sua contratação à bolachada no aeroporto. O gajo era bom, logo, se houvesse algo ou alguém que não tivesse que ficar na Luz, só poderia ser o soco do segurança do Luís, que não é doutor mas presidente de milhões. Mas Moretto era dotado de uma característica que um idiota intelectual como eu não poderia adivinhar: a fraqueza de coração. O homem começa por defender tudo e, depois, os frangos. Um, dois, três. Isto depois de fazer pirraça com jogadores como Ronaldinho, Deco ou Eto'o (lembram-se da grande penalidade defendida em Camp Nou?). Moretto começou a sofrer e, penso eu, ninguém foi a tempo de reparar porque não se viu a barba do guarda-redes crescer à desgarrada. Acredito que, se fosse o Richie dos Tenenbaums, seria mais fácil de se perceber quando alguém sofre de tristeza.
O frango é algo que também passa pela vida dos melhores. No entanto, não é minha pretensão afirmar que Moretto é dos melhores. No que se refere a guarda-redes brasileiros recentes, só Tafarel teve para mim esse estatuto. De resto, nem Dida. E Helton já não entra nas contas porque ainda não é certeza (precisaria que ele estivesse numa equipa que sofresse golos para tirar dúvidas mais rapidamente). Moretto não é um grande guarda-redes. É bom. Mas não chega. Pode bem ser tecnicamente superior a Quim, mas não é tão seguro no que diz respeito a não fazer chichi nas cuecas. Moretto não cospe no chão, não fuma. Moretto não tem cara de desgraçado, como o pobre do Jorginho. Moretto é brasileiro e não percebe que esse tipo de gente, para chegar à invencibilidade, tem que dançar sambinha na rua ou, nos casos de maior refinação, alugar um quartel de prostitutas. Cá para mim, Moretto contentou-se com os fatos da Armani e deixou-se morrer. É pena. O meu Torreense só lá tem o Humberto.
[Paulo Ferreira]
domingo, outubro 15, 2006
Sobre o destino
Depois de Bismarck, o povo alemão não teve grande sorte com os seus dirigentes.
- Norbert Elias, A Condição Humana
[Paulo Ferreira]
- Norbert Elias, A Condição Humana
[Paulo Ferreira]
Sobre o nacional-socialismo
Brutalidades de toda a espécie são, no nosso mundo, uma coisa trivial. O que ainda hoje assusta é, por um lado, a edificação minuciosa, quase racional ou realista, de uma grande organização e da utilização de tecnologias científicas e, simultaneamente, a neutralização e a anulação radicais da consciência face ao sofrimento e à morte de milhões de homens, mulheres e crianças – de seres humanos que não representavam qualquer perigo para o grupo dominante, que não possuíam quaisquer armas e que foram chacinados pior do que reses num matadouro, de uma maneira abominável.
- Norbert Elias, A Condição Humana
[Paulo Ferreira]
- Norbert Elias, A Condição Humana
[Paulo Ferreira]
quinta-feira, outubro 12, 2006
Nélson Pereira
Numa tarde inspiradora, vários jovens participavam nas captações do Sport Clube União Torreense. Era para ver quem ficava nos iniciados e o mestre orientador era Toinha, o grande papão, o «mister». O campo era sintético e qualquer encosto ao chão queimava. Os pés aqueciam. Vestir o colete vermelho era sinónimo de «ficar». Um desses putos que queriam jogar no grande clube de Torres Vedras era eu e, naquela tarde, recebi o colete vermelho. «Médio-esquerdo», disse-me o treinador. «Só jogo com o pé direito», respondi eu para me desculpar da falta de jeito que, normalmente, demonstrava possuir. Naquela tarde, talvez por vergonha, não cheguei a levantar as chuteiras da linha de meio-campo. Não corri. Mesmo assim, no dia seguinte, lá estava eu, pronto para mais um treino de captação. E a coisa correu melhor. O colete foi-se habituando ao meu suor e parece mesmo que acabou por se fixar à pele.
As primeiras semanas do Outono eram ainda quentes e, por conseguinte, não faltavam as mangueiradas de água nos descansos da bola. O sintético queimava menos. Havia menos pressão para impressionar e, claro, mais tempo para assistir àquilo que realmente interessava: aos treinos da equipa sénior no relvado do Manuel Marques (o estádio, para quem não saiba). Entre jogadores como Cláudio Oeiras, Jaime Baldé, Mauro, Casaleiro, entre outros não menos castiços, estava Nélson Pereira, a estrela da equipa. É de salientar que alguns deste pequenos craques eliminaram, no ano de 1999, o Futebol Clube do Porto nos quartos-de-final da Taça de Portugal. Nélson, esse, era diferente de todos os outros. Tinha carisma e os adeptos acarinhavam-no. Tanto assim era que o maior sonho de um puto das escolas só poderia passar pela imitação dos passos do guarda-redes. Não nos esqueçamos de que o Torreense tem uma certa tradição nesta posição. Refira-se, a título de exemplo, a existência de figuras como Humberto (que regressou há pouco a Torres Vedras) ou Nuno Carrapato.
O maior momento de Nélson no Torreense deverá ter sido, muito provavelmente, a subida à então chamada Segunda Divisão de Honra. Grandes defesas fez o homem durante aquela época. Dava, aliás, vontade de ver o Torreense jogar com aquele guardião do templo à frente das redes. Porém, na época de 97/98, Nélson foi para o Sporting, clube onde nem sempre foi bem compreendido. Se Tiago se caracteriza pela sua inépcia para a profissão que pratica, Nélson é exemplar – e certamente seria este ano o suplente de Ricardo, caso o seu contrato não tivesse caducado. Mas nem só de fracos jogadores vive o Sporting. Lembremo-nos do velhinho Peter Boleslaw Schmeichel, um dos melhores guarda-redes da história do futebol e que, inevitavelmente, viria a tapar o lugar ao craque da zona Oeste. Mais tarde, veio Ricardo e tudo se voltou a complicar para Nélson. É verdade que Nélson, ao serviço dos leões, nunca revelou a consistência que um grande jogador deve demonstrar, todavia, só andam afinadas as cordas das guitarras que muito utilizadas são. Não se podem exigir exibições homéricas a jogadores que não jogam, ou que têm a pressão dos erros do antecessor nas costas. Nélson, certo dia, fez uma assistência para um golo de Jardel (que jogava no Porto). Há um ano, Nélson viu o seu clube sair da Taça UEFA contra um fraco clube da Suécia. Paciência, todos falham. Veja-se Ricardo, o jogador que tanto joga para o frango como joga para ser dos melhores da Europa.
Ao fim de nove anos, Nélson saiu do Sporting e esteve para jogar no Huelva. Não deu. Como o SCUT é um clube que não fecha as portas aos bons, a estrela ficou a treinar-se no Manuel Marques durante uns meses. Até que, agora, o Vitória de Setúbal arranjou cabeça para agarrar no excelente jogador. É pena que Nélson tivesse adiado tanto tempo a sua carreira ao permanecer durante tantos anos num clube onde não jogava. É certo que nem só de palcos vivem os artistas e que o seu clube de menino sempre fora o SCP. Mas dava pena ver um jogador idolatrado em Torres Vedras sentado num banco frio, sem ao menos poder cuspir na borracha das luvas. De qualquer forma, Nélson nunca poderia jogar num grande clube. É que Nélson, para ser herói, tem que ser Nélson Pereira. Só o Pereira dá sentido às suas qualidades. Espero que, no Vitória, se compreenda isso. Afinal, se Acosta era matador, Sérgio Santos era implacável capitão, se João Pinto tinha uma capacidade técnica superior, Rosário compensava nas suas saídas nocturnas. Fua foi lançado em Torres. José António também.Paulo Torres quase lá pendurou as botas. Hiroshi está a despontar. Imprimam-lhe o Pereira na camisola, então.
[Paulo Ferreira]
As primeiras semanas do Outono eram ainda quentes e, por conseguinte, não faltavam as mangueiradas de água nos descansos da bola. O sintético queimava menos. Havia menos pressão para impressionar e, claro, mais tempo para assistir àquilo que realmente interessava: aos treinos da equipa sénior no relvado do Manuel Marques (o estádio, para quem não saiba). Entre jogadores como Cláudio Oeiras, Jaime Baldé, Mauro, Casaleiro, entre outros não menos castiços, estava Nélson Pereira, a estrela da equipa. É de salientar que alguns deste pequenos craques eliminaram, no ano de 1999, o Futebol Clube do Porto nos quartos-de-final da Taça de Portugal. Nélson, esse, era diferente de todos os outros. Tinha carisma e os adeptos acarinhavam-no. Tanto assim era que o maior sonho de um puto das escolas só poderia passar pela imitação dos passos do guarda-redes. Não nos esqueçamos de que o Torreense tem uma certa tradição nesta posição. Refira-se, a título de exemplo, a existência de figuras como Humberto (que regressou há pouco a Torres Vedras) ou Nuno Carrapato.
O maior momento de Nélson no Torreense deverá ter sido, muito provavelmente, a subida à então chamada Segunda Divisão de Honra. Grandes defesas fez o homem durante aquela época. Dava, aliás, vontade de ver o Torreense jogar com aquele guardião do templo à frente das redes. Porém, na época de 97/98, Nélson foi para o Sporting, clube onde nem sempre foi bem compreendido. Se Tiago se caracteriza pela sua inépcia para a profissão que pratica, Nélson é exemplar – e certamente seria este ano o suplente de Ricardo, caso o seu contrato não tivesse caducado. Mas nem só de fracos jogadores vive o Sporting. Lembremo-nos do velhinho Peter Boleslaw Schmeichel, um dos melhores guarda-redes da história do futebol e que, inevitavelmente, viria a tapar o lugar ao craque da zona Oeste. Mais tarde, veio Ricardo e tudo se voltou a complicar para Nélson. É verdade que Nélson, ao serviço dos leões, nunca revelou a consistência que um grande jogador deve demonstrar, todavia, só andam afinadas as cordas das guitarras que muito utilizadas são. Não se podem exigir exibições homéricas a jogadores que não jogam, ou que têm a pressão dos erros do antecessor nas costas. Nélson, certo dia, fez uma assistência para um golo de Jardel (que jogava no Porto). Há um ano, Nélson viu o seu clube sair da Taça UEFA contra um fraco clube da Suécia. Paciência, todos falham. Veja-se Ricardo, o jogador que tanto joga para o frango como joga para ser dos melhores da Europa.
Ao fim de nove anos, Nélson saiu do Sporting e esteve para jogar no Huelva. Não deu. Como o SCUT é um clube que não fecha as portas aos bons, a estrela ficou a treinar-se no Manuel Marques durante uns meses. Até que, agora, o Vitória de Setúbal arranjou cabeça para agarrar no excelente jogador. É pena que Nélson tivesse adiado tanto tempo a sua carreira ao permanecer durante tantos anos num clube onde não jogava. É certo que nem só de palcos vivem os artistas e que o seu clube de menino sempre fora o SCP. Mas dava pena ver um jogador idolatrado em Torres Vedras sentado num banco frio, sem ao menos poder cuspir na borracha das luvas. De qualquer forma, Nélson nunca poderia jogar num grande clube. É que Nélson, para ser herói, tem que ser Nélson Pereira. Só o Pereira dá sentido às suas qualidades. Espero que, no Vitória, se compreenda isso. Afinal, se Acosta era matador, Sérgio Santos era implacável capitão, se João Pinto tinha uma capacidade técnica superior, Rosário compensava nas suas saídas nocturnas. Fua foi lançado em Torres. José António também.Paulo Torres quase lá pendurou as botas. Hiroshi está a despontar. Imprimam-lhe o Pereira na camisola, então.
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, outubro 11, 2006
segunda-feira, outubro 09, 2006
Um indivíduo de 57 anos III
No café, assim que soube o nome do assaltante, alguém desabafa: «Eu sempre disse!».
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Um indivíduo de 57 anos II
Também à entrada do tribunal, o assaltante acaba por sair escoltado. Uma senhora que ia de passagem para a lota aproveita para se libertar. «Ladrãaao!!!», gritou a senhora, sem parar e sem largar os sacos para o peixe.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Um indivíduo de 57 anos I
No dia seguinte ao frustrado assalto a um banco em Setúbal, a advogada de defesa do assaltante estava a «prestar declarações» à entrada do tribunal. Foi só impressão minha ou ao lado da advogada estava uma criatura de rabo-de-cavalo e de óculos escuros a rir e a lambuzar-se com pipocas?
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Coragem em tempo de guerra
As dúvidas que eu pudesse ter sobre a crueza desse país tão sui generis que é a Rússia dissiparam-se ontem, quando soube da morte de uma jornalista. Devo dizer, do assassinato de uma jornalista que criticava abertamente o regime do mais recente czar de Moscovo. Anna Politkóvskaya (1958 - 2006) foi assassinada à porta de casa, num momento em que conseguia consideráveis avanços nas suas investigações sobre a guerra na Tchechénia e, naturalmente, sobre os meandros da política externa/interna de Vladimir Putin. Claro que não parto para as suspeitas mais primárias que qualquer um pode ter, com associações que até parecem demasiado óbvias, mas o direito à suspeita já ninguém pode negar a quem quer que seja. Mas não interessa a política propriamente dita - num país em que nunca foi permitida nem tolerada a opinião aberta e a crítica directa, Politkóvskaya era um mulher de coragem. E isso, seja em que país for e por que opinião for, é sempre insubstituível.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Crítica literária
No Mil Folhas, Eduardo Pitta fez uma recensão a Febre Italiana, de Valerie Martin. Li o artigo, desta vez, com estranha curiosidade pela autora, não sei se levado pela completa ignorância que tenho desta escritora se pelo respeito que tenho pela editora portuguesa que nos traz a edição do livro em português. O problema é que, acabado de ler o artigo, apenas fiquei a saber algo sobre a linha editorial da Cavalo de Ferro, sobre a tradução (aparentemente fraquinha), sobre as notas editoriais na edição e, quando muito, sobre paralelos entre as personagens do livro e de outras obras (como uma de Jane Austen). Ao contrário do que é comum no crítico, sobre o livro em si e sobre a autora, apenas se espremem duas ou três linhas. Acabei a saber, sobre ambos, o mesmo que sabia antes de ler o artigo. É pena. A crítica propriamente dita ficará, creio eu, para um futuro artigo.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
domingo, outubro 08, 2006
Um país de doutores (já o imigrante revoltado...) II
Um gajo que pouco que se confunde com o Marco Borges do Big Brother ou com o seu irmão Aníbal - Durão Barroso não era um mau tipo.
Electricista- O meu amigo nem tente dizer-me uma palavra sobre esse senhor porque eu conheço-o desde os tempos em que ainda mamava leite de vaca.
[Paulo Ferreira]
Electricista- O meu amigo nem tente dizer-me uma palavra sobre esse senhor porque eu conheço-o desde os tempos em que ainda mamava leite de vaca.
[Paulo Ferreira]
Um país de doutores (já o imigrante revoltado o dizia)
Hoje ouvi um electricista de aldeia afirmar a plenos pulmões que o primeiro e-mail enviado por Nuno Severiano Teixeira foi escrito por ele, uma vez que o actual ministro da Defesa não o sabia fazer.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Literatura de chorar até o dia raiar
Nunca li Amar-te depois de amar-te de Fátima Lopes, também nunca li a obra de Cláudio Ramos, de Margarida Rebelo Pinto ou do João Catarré, mas calculo que, em pelo menos um dos trabalhos de um desses pensadores, encontraria um perfeito amastezea, um comestes, ou um tintim na cabeça da prima mais velha. E isto leva-me a pensar que a escrita não faz parte da vida de mentes menos elevadas como a minha.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Vai um mergulho à Bukowski?
Há uns meses, um amigo, que gosta de brincar com os excrementos dos filósofos, contava-me que um intelectual é ele e as suas idas à praia. E eu hoje, cansado como um touro que vai para o matadouro, admito que a razão estava do lado do meu amigo.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
sábado, outubro 07, 2006
O homem com blusão de penas num dia de calor
Se o caso fosse menos triste, e eu não vivesse no meio de tudo isto, diria que aquele assalto ao banco em Setúbal, por ter falhado e por ter sido de uma incompetência tão grande, teve comparticipação do Estado.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
sexta-feira, outubro 06, 2006
The H word
Custou, mas foi. A série House acabou por entrar na minha bem baralhada rotina. Perdi quase tudo, mas comecei a ser fã a tempo. Suportando os finais das telenovelas portuguesas e, a maior parte das vezes, combatendo o sono, lá fui fazendo «esperas» (normalmente, o método mais eficaz de conseguir algo em Portugal) a esta excelente série. Sobretudo pela grande personagem que é o Dr. House (i.e. o grande actor que é Hugh Laurie), vale a pena a noite mal dormida de quinta para sexta para apanhar um pouco desta série. Até porque não sou dos que se costumam vingar na Amazon e na FNAC.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Píncaros do humor
Um homem conta uma piada no café: «Oiçam. Uma jornalista pergunta ao Lance Armstrong se não pondera voltar ao ciclismo. Sabem o que é que ele responde? Não, não há volta a dar».
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Mudanças
Em poucos anos, Nelly Furtado passou de passarinho a devoradora de homens. Desde a Declaração de Independência de 1776 que eu não via um tão excelente exemplo de quando e como se deve revolucionar alguma coisa.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Em verdade vos digo
Vou escrevendo vou escrevendo, mas por volta de Julho já estarei no tijolo e na betoneira, garanto. Apontem aí.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
Poema para o dia cinco deste mês
Negaste a luz e o amor.
Edificaste um lugar de lanças, mansardas que dão para as
traseiras de tudo.
Dos jardins outrora belos nada dirás, do que abandonaste
nada esperes, ó sonhador.
Derrotado,
a teus pés jaz um povo.
Terá sido a desdita, o fado negro?
Deus mal levanta o seu chicote de fogo e eles tombam à
vista das cidades, velozes no entardecer.
- José Agostinho Baptista, O centro do universo
[João Carlos Silva]
Edificaste um lugar de lanças, mansardas que dão para as
traseiras de tudo.
Dos jardins outrora belos nada dirás, do que abandonaste
nada esperes, ó sonhador.
Derrotado,
a teus pés jaz um povo.
Terá sido a desdita, o fado negro?
Deus mal levanta o seu chicote de fogo e eles tombam à
vista das cidades, velozes no entardecer.
- José Agostinho Baptista, O centro do universo
[João Carlos Silva]
quinta-feira, outubro 05, 2006
O minuto que antecede o sono
Um dos meus escritores preferidos jogou à bola, tirou licenciatura, mestrado e doutoramento. Fez um filho e comprou um cão. Tem vinte livros publicados. Tem trinta e poucos anos. E eu penso: puta de vida.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
terça-feira, outubro 03, 2006
Momento Verissimo II
Como eu nunca fumei, não tenho muita paciência com o martírio dos amigos que deixam de fumar. Antes eles eram intragáveis, por assim dizer, com aquele ar de superioridade e falso autodesprezo que todo viciado assume diante de nós, inocentes.
-Você não fuma, é? Faz muito bem. Eu já estou perdido...
Mas estava implícito na sua atitude que cada baforada era um gosto do doce prazer da perdição que eu jamais sentiria e que, por não fumar, eu era ingênuo, trouxa, contraído e provavelmente virgem.
Luis Fernando Verissimo, A Mesa Voadora
[João Carlos Silva]
-Você não fuma, é? Faz muito bem. Eu já estou perdido...
Mas estava implícito na sua atitude que cada baforada era um gosto do doce prazer da perdição que eu jamais sentiria e que, por não fumar, eu era ingênuo, trouxa, contraído e provavelmente virgem.
Luis Fernando Verissimo, A Mesa Voadora
[João Carlos Silva]
Momento Verissimo I
O teste é o chopinho. O chopinho é definitivo. Quem sentaria aqui com a gente pra tomar um chopinho, quem não sentaria. Vale para todas as épocas, todos os povos, todas as categorias.
-Por exemplo?
-Revolução Francesa. Danton sentaria para tomar um chopinho.
-Robespierre, nem pensar.
-Exato.
-Lenin sentaria?
-Nunca. Já o Trotski, sim.
-E o Stalin?
-Sentaria, mas ficaria um clima ruim.
Luis Fernando Verissimo, A Mesa Voadora
[João Carlos Silva]
-Por exemplo?
-Revolução Francesa. Danton sentaria para tomar um chopinho.
-Robespierre, nem pensar.
-Exato.
-Lenin sentaria?
-Nunca. Já o Trotski, sim.
-E o Stalin?
-Sentaria, mas ficaria um clima ruim.
Luis Fernando Verissimo, A Mesa Voadora
[João Carlos Silva]
segunda-feira, outubro 02, 2006
Reconhecer
1. Reconhecer é dizer em silêncio o nome das imagens que não desaparecem da memória.
2. A fotografia que ficou com a marca do dedo num canto superior.
3. A lata de Coca-Cola estampada numa t-shirt que diz 1987.
4. O corpo que não se moveu.
[Paulo Ferreira]
2. A fotografia que ficou com a marca do dedo num canto superior.
3. A lata de Coca-Cola estampada numa t-shirt que diz 1987.
4. O corpo que não se moveu.
[Paulo Ferreira]
sexta-feira, setembro 29, 2006
Rompendo o bloqueio
Confesso que tenho um fascínio enorme por Hugo Chávez. Aliás, muita gente na minha cidade e, especialmente, na minha rua também o tem. Antes do mais, gosto muito da figura física do sr. Hugo Chávez. Faz lembrar o corpo do Karl Rove no final dos faustosos banquetes das campanhas eleitorais do presidente Bush, mas com a cabeça de um defesa central da selecção de futebol colombiana. E atenção que realço a cabeça, e não apenas a expressão facial, pois todos sabemos muito bem o que vai na cabeça do Rove (que «pôs lá o outro não sei como»), e como tal decidimos compará-lo antes a um intelecto digno do melhor regime democrático sul-americano.
Mais a mais, a minha rua gosta imenso do Hugo Chávez porque ele poderia muito bem misturar-se no café do sítio e beber minis seguidas sem ser reconhecido. Sendo ele um líder internacional de grande habilidade retórica, saberia adaptar o discurso a nós, que temos menos estudos, e falar connosco do Diabo e do có-bói do Texas que facilmente arranjava um lugar na lista do plantel da sueca. E por falar em có-bóis, ficámos muito impressionados quando, encontrando uma revista Time no chão do Estádio do Bonfim, lemos com atenção (e estupefacção) uma entrevista ao Presidente Chávez onde ele respondia que gostava mais dos filmes do Danny Glover do que dos do Clint Eastwood, o que é uma coisa louvável nos dias que correm, sendo o Danny Glover de raça negra e tudo o mais.
E como ele gosta tanto de nós, pobres e minoritários, não pode escapar a uma admiração mútua, e a uma homenagem que agora, voluntariamente, quisemos fazer. Acima de tudo, queríamos Hugo Chávez como candidato à Câmara Municipal, agora que mandaram o outro embora. Era mesmo isso que nós queríamos. Ou ele o Diego Maradona, ou mesmo o Professor Neca, que, para além de ter mais estudos que os outros, deve governar mais à esquerda e até já deve ter estado em Lisboa. Mas pronto, «só cá estão os que já contámos»... Como era mesmo aquela expressão?
[João Carlos Silva]*
*em representação de uma ínfima, muito sumida, parcela da cidade de Setúbal
A ler
Merece ser lido, o artigo de Esther Mucznik no Público de hoje. Pelo ponto de vista intelectual (e eventualmente académico), e não apenas pelo religioso, Mucznik escreve um texto muito oportuno, como aliás quase sempre:
«Nos manuais escolares, a religião judaica simplesmente não existe, nem como religião, nem como presença histórica, restam apenas os preconceitos, esses sim amplamente veiculados, e uns vagos textos alusivos ao Holocausto. (...) De uma forma geral, a religião surge como marginal à história da humanidade, a não ser como causa de guerras e atrocidades, e é definitivamente relegada para as aulas de Religião e Moral.»
[João Carlos Silva]
«Nos manuais escolares, a religião judaica simplesmente não existe, nem como religião, nem como presença histórica, restam apenas os preconceitos, esses sim amplamente veiculados, e uns vagos textos alusivos ao Holocausto. (...) De uma forma geral, a religião surge como marginal à história da humanidade, a não ser como causa de guerras e atrocidades, e é definitivamente relegada para as aulas de Religião e Moral.»
[João Carlos Silva]
quarta-feira, setembro 27, 2006
Trivialidade
A quem não tem nada é proibido não amar a merda.
- Samuel Beckett, Molloy
[Paulo Ferreira]
- Samuel Beckett, Molloy
[Paulo Ferreira]
Exemplaridade
A empregada do velho alfarrabista era tão cumpridora das suas funções que só se peidava atrás do balcão, longe dos livros.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Perfume
O velho disse que aquele perfume era fogo. O neto não acreditou e queimou-se. Porém, se alguém perguntasse ao rapaz de onde provinham as cicatrizes, ele responderia que a culpa era da puta.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
domingo, setembro 24, 2006
Sabedoria antiga
Conheci ontem um homem que me demonstrava a sagacidade dos assassinos na hora do crime. Segundo ele, e segundo os gestos que fez, tanto Lee Harvey Oswald como Ali Agca e o assassino de D. Carlos cuspiram na mão (na bala), carregaram a arma e fecharam um olho para apontar. «Adeus meu amor!», cada um deles gritou, antes de puxar o gatilho. «Pum, e ficava tudo resolvido».
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
On top
«A SIC Mulher tem um programa no qual quatro mulheres discutem os homens e outro em que quatro homens discutem as mulheres. Chamam-se, respectivamente, "Elas sobre eles" e "Eles sobre elas". Dada a ubiquidade do tema "sexo", ambos os títulos podem ser lidos no sentido acrobático.»
Paulo Nogueira, Expresso 23/09/2006
[João Carlos Silva]
Paulo Nogueira, Expresso 23/09/2006
[João Carlos Silva]
sábado, setembro 23, 2006
Troféus
As fezes da menina eram tão boas e tão bonitas que a avó, ao vê-las caírem do rabinho da criança, decidiu emoldurá-las.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
United 93
É raro haver filmes que nos prendam ao écrã, física e emocionalmente, durante todo o tempo. United 93, no entanto, pertence a esse restrito lote de películas. O filme de Paul Greengrass sobre o que aconteceu no voo 93 da United Airlines e sobre o que se soube e viu do 11 de Setembro em terra (especialmente, pelos controladores do tráfego aéreo) é um que nos catapulta cinco anos para trás sem nos darmos conta disso, e que nos desperta novamente sentimentos que surgiram à pele, com todo o seu fulgor, nesse dia 11.
A forma como os tripulantes e passageiros do voo 93 são apanhados de surpresa é, de facto, arrepiante. Mas o que realmente nos deixa de rastos (imaginando o que pensariam essas pessoas) não é o desvio do avião em si, mas o desvio do avião no contexto dos ataques terroristas de Nova Iorque. Ao entrarem em contacto com famílias e alguns cidadãos anónimos (civis e autoridades), os passageiros relatam o que se passa lá dentro e ficam a conhecer o que se passou nessa manhã em Nova Iorque e Washington. Ou melhor, ficam a conhecer o que se passou nessa manhã na América: um ataque terrorista de uma magnitude sem precedentes.
A «luta» dessas pessoas (no ar e em terra) para manter o auto-controle e a forma como o conseguem e decidem enfrentar a situação - lutando, verdadeiramente - é, portanto, o principal fio da interpretação do realizador, que tentou, com todos os documentos disponíveis, retratar o que realmente se passou. Como um filme que recorda o 11 de Setembro de 2001 e evoca a memória dos passageiros do voo 93, em toda a sua coragem e recusa de perecer por um plano terrorista de que acabavam de ter conhecimento, United 93 traz-nos algumas das lágrimas que ficaram por cair com as primeiras imagens da tragédia do World Trade Center. Mas é sobretudo enquanto relato da vontade de lutar, pela defesa das suas vidas e dos que o rodeiam, dos passageiros que o filme mais nos comove, e mais nos deixa devastados nas cadeiras de cinema. Sem tiques de filme épico, mas ainda assim digno da galeria dos filmes mais respeitáveis do último ano.
[João Carlos Silva]
quinta-feira, setembro 21, 2006
De uma conversa sobre fé
«Ai Chico Zé...»
«Diz mulher!»
«Não gosto nada deste papa novo que a gente tem. É demasiado religioso.»
[João Carlos Silva]
sábado, setembro 16, 2006
Fazer escola
Conheço um homem que, durante o acto sexual, gera estrondosos hinos à masculinidade, chamando a sua mulher de puta. Seguindo a vida desse homem que conheço, confesso que aprecio aqueles que incluem, entre literaturas menores e enfadonhas, a palavrinha de quatro letras nos seus escritos. Puta. É bonito, prático e barato. «Minha grandessíssima mulher da vida!», não soaria tão bem, nem a coisa sairia como se desejaria. Mas, infelizmente, o Politicamente Correcto (leia-se Portugal Contemporâneo) ainda predomina. E, devido à predominância de uma alma colectiva, repleta de defesas da honra e de fotogenias, estamos todos obrigados, varões da consciência da preservação intelectual, obrigados a dizer mariquices. Chega-se a namorada e o rapagão exclama: «ai, minha marota/macaca/malandra/cabrita/afoita/desnaturada, agora é que me lixastes!» Não dá.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
sexta-feira, setembro 15, 2006
Pause / Break
Engraçado passar uma vida ligado ao computador e nunca ligar a certas teclas em que se costuma carregar. Home, End, Delete, Pause, Break, Control. Enfim, um roteiro sentimental para um dia de chuva. Um indício de tempestade.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
quinta-feira, setembro 14, 2006
Antes pesado que Chefe-de-Estado
A barriga, dilema existencial que me acompanha neste último par de anos. Ora, o meu conselho e contributo para a discussão em causa é este: respeitar a protuberância, dá aquele simpático ar de quem negligencia a imagem pública.
[João Carlos Silva]
The right stuff
José Alberto Carvalho (RTP) fez, há momentos, uma piada sobre o controle anti-armas do Canadá. Não me venham agora dizer que não é um homem com a cabeça no sítio.
[João Carlos Silva]
[João Carlos Silva]
«Segundo um rigoroso estudo»
A Universidade de Bona fez mais um estudo, desta vez sobre as diferenças entre lavar pratos à mão e lavar pratos à máquina. Sei que a coisa não era bem assim, mas decidi aproveitar, também eu, para escrever «Universidade de Bona.» Passei a infância a ouvir dizer da referida instituição (diz que isto, diz que aquilo), cresci com estudos vindos de Bona, engasguei-me hoje ao almoço a ouvir esse nome. Tinha direito e já fazia falta um pouco de espírito académico a esta balbúrdia.
Bona, Bona. Meus ricos carapaus.
[Paulo Ferreira]
Bona, Bona. Meus ricos carapaus.
[Paulo Ferreira]
De assinalar
«(...)é importante não olharem tanto para o vosso umbigo. É que podem perder de vista a tal que não se importa.» Um bom conselho para jovens imberbes, e pouco virados para o essencial, como eu.
[Paulo Ferreira]
[Paulo Ferreira]
Preocupação
O Bruno disse tudo: «método David Hasselhoff de encolhimento prolongado da barriga.» Gostei. Não é todos os dias que um amigo nos associa a grandes fazedores de escola. Espero é que, como em tudo o resto, este método só se torne prática comum em Portugal daqui a muitos anos.
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, setembro 13, 2006
86
Oitenta e seis quilos. Nem queria acreditar. Pesar setenta e nove, oitenta, vá lá que não vá. Agora, oitenta e seis quilos é algo que só está ao alcance de poucos. Pesei-me e pensei: acabei de regressar dos Estados Unidos, logo, é normal que o meu peso não corresponda à minha grande beleza. Mas não. Antes de viajar para a civilização, já gozava de uma considerável protuberância no lugar dos abdominais, no entanto, como todos os grandes sedutores, encolhia-a sempre que não estávamos a sós (eu e ela, minha barriga e possível futura companheira). Sempre que entrava alguém nas nossas conversas, ela, envergonhada,escondia-se. Cobarde, como quem lhe deu comida para a boca.
Realmente, a minha deslocação ao Garden State (ficou-me a alcunha do Estado) pode explicar o facto de este menino que aqui escreve possuir mais seis quilos do que possuía nos tempos em que apenas navegava pela costa africana (Portugal, mais precisamente). Um país rico oferece, para além de inteligência e educação, comida. Ora, eu, que nunca fui enjoado, fartei-me de comer (desde as «bagels» aos deliciosos aperitivos da Dunkin'Donuts, desde as marisqueiras da grande Red Lobster aos petisquinhos dos barzinhos de Nova Iorque). Tudo o que fiz nos Estados Unidos no mês de Agosto teve relação com a comida. Até a ler comia. Ia ao mar nadar e, três a quatro braçadas depois, o ataque cardíaco chamava por mim. Deste modo, e sabendo que quem vai às américas fica logo melhor da constipação intelectual, posso dizer, sem medos de ironias dos senhores doutores pátrios, que fiquei um boi. Há quem diga que até mamas ganhei. E eu observo-me ao espelho e penso: és bonito.
Um desgraçado da aldeia da minha avó costuma avisar que «bonitos são os bois.»Pois bem, admito, sou um boi. Mereço: quem engorda assim ou é boi ou é cavalo. Por via das dúvidas, escolho o título de boi, diferente do cavalo, conhecido por cheirar mal. Já me chamaram também de chibo. Mas não me vejo como cabrito. Nem pensar. Parolo é que não. Já ouviram falar de Miura, o touro? Torga sabia sobre o que escrevia. Prefiro ter farpas e cornos a cheirar mal. Pelo menos, a dignidade permanece dentro de mim.
Hoje corri. Ia morrendo. Transpirei, transpirei, transpirei. No final, oitenta e seis quilos. Levanto pesos. Leio livros, a ver se perder estupidez também dá direito a perder peso. Penso e aborreço-me. E o coração bate. O que vai ser das fãs? Dos milhares e milhares de jovens a delirarem por uma aparição pública? O que vai ser de mim ? Pára lá com isso.
Um amigo meu diz que «elas», as mulheres, pérfidas ladras de sentimentos, gostam de «nós» assim, gordos. Contudo, a minha opinião é a de que ele só me dá esse tipo de revelações por ser magro, muito magro, e, claro, por não ter nada que se aproxime do conceito de namorada. É um bom rapaz, no entanto, o meu amigo.
Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues,Moacyr Scliar, entre outros brasileiros sábios e razoáveis (que contradição, falar-se em brasileiros e sábios), põem a mulher em segundo plano. Ela é a mulher que leva na tromba porque não faz as coisas (dos homens) a tempo e horas, ela é a mulher supérflua que pinta as unhas e pensa imediatamente em orgasmos e em músculos. Ela é a mulher, que por ser mulher, nunca será grande coisa. Pode ser que, no meio de várias verdades, estes autores levem a coisa na brincadeira e que atribuam real e merecido valor à mulher. Fica, no entanto, a mensagem: se perdes a barriga por causa das mulheres, és traído e, por conseguinte, tornas-te num eterno marido, num corno. Esta é uma das mensagens do anjo pornográfico.
Gordo ou magro, não morrerei, para já. Continuarei a seguir os passos dos outros, a tentar sobreviver num país onde a nutrição é feita a sopro de ar e a «sandes» (raio de palavra). O pior são as saudades da América. América.
[Paulo Ferreira]
Realmente, a minha deslocação ao Garden State (ficou-me a alcunha do Estado) pode explicar o facto de este menino que aqui escreve possuir mais seis quilos do que possuía nos tempos em que apenas navegava pela costa africana (Portugal, mais precisamente). Um país rico oferece, para além de inteligência e educação, comida. Ora, eu, que nunca fui enjoado, fartei-me de comer (desde as «bagels» aos deliciosos aperitivos da Dunkin'Donuts, desde as marisqueiras da grande Red Lobster aos petisquinhos dos barzinhos de Nova Iorque). Tudo o que fiz nos Estados Unidos no mês de Agosto teve relação com a comida. Até a ler comia. Ia ao mar nadar e, três a quatro braçadas depois, o ataque cardíaco chamava por mim. Deste modo, e sabendo que quem vai às américas fica logo melhor da constipação intelectual, posso dizer, sem medos de ironias dos senhores doutores pátrios, que fiquei um boi. Há quem diga que até mamas ganhei. E eu observo-me ao espelho e penso: és bonito.
Um desgraçado da aldeia da minha avó costuma avisar que «bonitos são os bois.»Pois bem, admito, sou um boi. Mereço: quem engorda assim ou é boi ou é cavalo. Por via das dúvidas, escolho o título de boi, diferente do cavalo, conhecido por cheirar mal. Já me chamaram também de chibo. Mas não me vejo como cabrito. Nem pensar. Parolo é que não. Já ouviram falar de Miura, o touro? Torga sabia sobre o que escrevia. Prefiro ter farpas e cornos a cheirar mal. Pelo menos, a dignidade permanece dentro de mim.
Hoje corri. Ia morrendo. Transpirei, transpirei, transpirei. No final, oitenta e seis quilos. Levanto pesos. Leio livros, a ver se perder estupidez também dá direito a perder peso. Penso e aborreço-me. E o coração bate. O que vai ser das fãs? Dos milhares e milhares de jovens a delirarem por uma aparição pública? O que vai ser de mim ? Pára lá com isso.
Um amigo meu diz que «elas», as mulheres, pérfidas ladras de sentimentos, gostam de «nós» assim, gordos. Contudo, a minha opinião é a de que ele só me dá esse tipo de revelações por ser magro, muito magro, e, claro, por não ter nada que se aproxime do conceito de namorada. É um bom rapaz, no entanto, o meu amigo.
Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues,Moacyr Scliar, entre outros brasileiros sábios e razoáveis (que contradição, falar-se em brasileiros e sábios), põem a mulher em segundo plano. Ela é a mulher que leva na tromba porque não faz as coisas (dos homens) a tempo e horas, ela é a mulher supérflua que pinta as unhas e pensa imediatamente em orgasmos e em músculos. Ela é a mulher, que por ser mulher, nunca será grande coisa. Pode ser que, no meio de várias verdades, estes autores levem a coisa na brincadeira e que atribuam real e merecido valor à mulher. Fica, no entanto, a mensagem: se perdes a barriga por causa das mulheres, és traído e, por conseguinte, tornas-te num eterno marido, num corno. Esta é uma das mensagens do anjo pornográfico.
Gordo ou magro, não morrerei, para já. Continuarei a seguir os passos dos outros, a tentar sobreviver num país onde a nutrição é feita a sopro de ar e a «sandes» (raio de palavra). O pior são as saudades da América. América.
[Paulo Ferreira]
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