quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Gay Tintin

Matthew Parris, na Times, afirma e explica porque é que Tintim é, não só um ícone gay, mas ele mesmo uma personagem gay. Um artigo genial que só ajuda a minha teoria de que será difícil nascer e crescer na Bélgica com uma identidade sexual straight & standard. Aqui ficam dois pequenos excertos (um deles provando que Snowy/Milu, o cão, é a única personagem masculina verdadeiramente heterossexual, por isso duramente reprimido pelo resto do elenco):

Billions of blue blistering barnacles, isn't it staring us in the face? Sometimes a thing's so obvious it's hard to see where the debate could start. What debate can there be when the evidence is so overwhelmingly one-way? A callow, androgynous blonde-quiffed youth in funny trousers and a scarf moving into the country mansion of his best friend, a middle-aged sailor? A sweet-faced lad devoted to a fluffy white toy terrier, whose other closest pals are an inseparable couple of detectives in bowler hats, and whose only serious female friend is an opera diva... And you're telling me Tintin isn't gay?

(...) Snowy: The only unambiguously heterosexual male mammal in Tintin's entire universe. We know that because of Snowy's tendency to be distracted by lady dogs: a tendency in which he is consistently foiled by his master and by Hergé's plot. Pity this dog, wretchedly straight and trapped in a ghastly web of gay human males. (...)

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Banda sonora



Blondie, Best Of (1981)

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Cinema pimba

Nem quero ver quem ganha o prémio para melhor filme..

Esquerda caviar

Sean Penn rouba o Óscar a Mickey Rourke e aproveita para largar o seu discursozinho polticamente correcto: pró-gay rights, pró-Obama, anti-conservadorismo. Political correctness funciona no cinema, e Rourke já se sabe que não tem essa... «qualidade».

Kate Winslet

A ausência do melhor dos melhores



Aquele que devia ter estado na cerimónia e ganhar os prémios todos com Gran Torino. Faz aqui falta o justiceiro para tirar os G.I. Joes dourados das mãos do Danny Boyle.

Fala-se japonês em Hollywood

Departures (Japão) ganha o prémio de melhor filme estrangeiro. Foi à tangente, com alguma surpresa, e Valsa com Bashir (que me impressionou) não leva nada. Não vi os outros, e por isso fico por aqui a roer-me na ignorância.

Songs of India

Mais um prémio mais específico para Slumdog. Para a música. Que é bem gira, para me descair aqui. Mas é este mesmo o grande problema de Slumdog: não se define como um «fiolme sério» o uum filme mais «exótico». The Constant Gardner conseguia «viajar» para África sem nunca cair na piada. Cidade de Deus equilibrava os dois, nas pobres favelas brasileiras. Trainspotting ficava-se pelo caricato. Slumdog Millionaire é quase uma viagem confusa entre todos estes géneros, e é por isso que falha, mesmo como entretenimento. Mas, uma vez mais, a música é muito gira.

Murphy e Jerry Lewis



É bom ver um actor cómico esquecido (injustamente) a lembrar um dos maiores actores de sempre: Jerry Lewis. Não disse de comédia, disse um dos maiores actores de sempre. Assim mesmo. Num trono e não na montra das graçolas.

Biopics e actores

Nunca repararam no padrão dos prémios de actores nos últimos anos? Em 2002, Nicole Kidman (Virginia Woolf). Em 2003, Charlize Theron (Aileen Wournos). Em 2004, Jamie Foxx (Ray Charles). Em 2005, Seymour Hoffman (Truman Capote) e Reese Witherspoon (June Carter). Em 2006, Forest Whitaker (Idi Amin) e Helen Mirren (Rainha Elizabeth II). Em 2007, Marion Cotillard (Edith Piaf).

Ou seja, os biopics são quase certinhos que acabam em Óscar. Não que as interpretações não sejam boas, mas interpretar uma figura histórica é meio Óscar. Será que este ano se foge ao hábito inócuo de premiar as «imitações» e não as criações?

Curiosamente, se ganhasse Langella era merecido. Mas, nunca é demais repetir, o prémio parece vir aí para «coroar» Mickey Rourke e Kate Winslet. E vai ser uns discursozinhos bonitos, de certezinha absoluta.

Fincher e a vitória da técnica

Benjamin Button tem varrido os prémios técnicos, como eu esperava. Aí tem sido inteiramente justo: o melhor do filme de Fincher foi precisamente a fotografia, a produção, a banda sonora, a caracterização. Muito bem ganhos, mas antecipando, provavelmente, a derrota nas categorias principais.

Segundo

Aqui Seymour Hoffman ou Heath Ledger. Qualquer outro seria uma vergonha. Hoffman porque é um grande actor num excelente papel. Ledger porque era um excelente actor num grande papel - mais do que isso, Ledger esteve assombroso como Joker. Terei de abandonar a admiração sectária por Seymour Hoffman para aceitar uma vitória merecida de Heath Ledger. Ainda hoje me lembro do Joker que ele fez.
P.S.- Cuba Godding Jr. é um pouco irritante.

Arkin

Para o Actor Secundário... É bom rever Alan Arkin.

Sorte milionária

Melhor Argumento Adaptado. O mais renhido... Atiro a minha preferência para Doubt, por todos os outros prémios que não vai poder ganhar.

Mas afinal ganha Slumdog Millionaire. Ai que giro... os indianozinhos que são tão bons a fazer filmes. Se o filme fosse 100% americano ganhava alguma coisa?

Lance Black

Curiosamente, pensei que tivesse sido Van Sant a escrever o argumento de Milk. Afinal não, foi Dustin Lance Black e merece o Óscar, apesar do discurso ter caído que nem ginjas entre o lóbi politicamente correcto.

España

A Penélope? Não vi ainda o Vicky Cristina Barcelona, mas a Penélope Cruz está ainda longe de ser a Audrey Hepburn espanhola. Suponho que seja para não deixar o Woody de mãos a abanar. Por muito cínico que pareça, é mesmo isso que acho.

Tomei

Muita gente gostou de Amy Adams em Doubt. Eu não. Está ingénua e histriónica, prestes a ter uma ataque de nervos. O problema pode até estar na personagem e não na actriz, mas essa relação é sempre noegociável. Continuo a querer que a Marisa Tomei ganhe, mais não seja porque melhorou não só como actriz mas, ainda por cima, como mulher bonita.

Jack Man

Continuo desconfiado acerca disto de porem o Wolverine a apresentar os Óscares...

domingo, fevereiro 22, 2009

Patel

Simpatizo com o Dev Patel, e não sei bem porquê. Mas uma simpatia que não vale Óscares, atenção.

Índia

Entrevistam os miúdos indianos que participaram em Slumdog Millionaire. Sinceramente, são o melhor do filme. Eles, o ambiente muito inspirado em Cidade de Deus e o pomposo Anil Kapoor, que tem a melhor interpretação num filme banal.

À superfície

Agora é o momento dos «tapetes vermelhos» e de ver quem tem o vestido mais caro, o vestido com menos roupa e mais pele, o vestido mais escandaloso, etc, etc. Tempo para os apresentadores que ainda não saíram do armário poderem opinar sobre roupa e sobre celebridades.

Óscares: LIVE from A Causa das Coisas



Hoje à noite, se o autor do blogue não for atacado pela mosca do sono, A Causa das Coisas estará ligada em directo à transmissão dos Óscares, para comentar no momento, e de sangue quente, os resultados, as surpresas e os prémios escandalosos. Já se sabe que os Óscares são, estranha e simultaneamente, os prémios menos justos e menos fiéis da indústria mas também o espectáculo favorito de quem gosta de cinema, pelas razões óbvias de se juntarem os «big movies» do ano na mesma sala. Ainda assim, tenho os meus favoritos, muito longe das circunstâncias e da possibilidade ou não de ganharem. Aqui vai um esboço de quem eu gostava que ganhasse:


MELHOR FILME- The Reader. O texto é bom, o argumento ainda melhor e é um filme que fica na memória. E um filme que deixa um eco que perdura só pode ser brilhante. O melhor do ano. Frost/Nixon, apesar de um certo «cheiro» a telefilme, também tem a minha simpatia, mas fica aquém da perfeição do filme de Stephen Daldry.


MELHOR FILME ESTRANGEIRO- Valsa com Bashir, sem dúvida. Ainda que, aqui, eu peque por dizer isto, já que não vi os outros (A Turma, consta, também poderá merecer, o que não quer dizer que ganhe). Uma nota para isto: até mesmo se Slumdog Millionaire competisse nesta categoria, perderia redondamente se houvesse justiça no mundo. Mas já se sabe que o mundo é injusto, e muito.


MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO- aqui será a luta mais renhida nas minhas preferências. Três excelentes textos: The Reader, um filme brilhante; Frost/Nixon, uma adaptação muito bem conseguida para o grande écrã, sem perder a força das personagens; e Doubt, que gostaria que ganhasse o Óscar aqui para compensar a ausência do lote de nomeados para melhor filme - transpõe uma peça genial para um filme fiel e igualmente ambivalente (só os sermões do Padre Flynn valem o boneco).


MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL- Milk é o favorito, sem pensar muito. Gus Van Sant continua a ser um dos melhores argumentistas do cinema actual. Mas WALL-E pode vir a ser a surpresa da noite e com razão: Andrew Stanton revolucionou a escrita para filmes de animação e deu uma profundidade pouco habitual a esse «lado» do cinema. Qualquer um dos dois merece.


MELHOR ACTOR- Langella ou Rourke. Frank Langella porque dá vida interior a uma figura mítica da história americana, fugindo aos clichés de interpretar personagens históricas (razão pela qual não quero que Penn ganhe mas também razão pela qual Penn provavelmente ganhará). Rourke pelas melhores razões e pelo sentimentalismo de que já falei por aqui. Mas, por favor, não dêem o Óscar ao Pitt.


MELHOR ACTRIZ- Winslet, Winslet, Winslet. Deviam poupá-la ao cansaço de ir à cerimónia e mandar-lho já pelo correio. A mulher é fantástica e mete a um canto gerações inteiras de excelentes actrizes. A concorrência é boa (Jolie na intepretação de uma carreira, que Clint lhe deu e ela não volta a ter; Streep num registo que lhe fica sempre melhor do que a de «mulher chorona») mas não sejamos complicados. O brilhantismo é de premiar ou não?


MELHOR ACTOR SECUNDÁRIO- por mim ganhava sempre Seymour Hoffman (nomeado por Doubt). Mas Heath Ledger está realmente muito bem em Dark Knight (um filme que até poderia estar entre os nomeados em vez de certas banalidades), independentemente da mística que rodeia a coisa. Eu aposto em Ledger, porque merece e porque Seymour Hoffman não pode ganhar sempre.


MELHOR ACTRIZ SECUNDÁRIA- Marisa Tomei. Nunca pensei que fosse tão boa actriz, mas afinal é e emocionou-me imenso no papel dela, rivalizando com a força generosa de Rourke. Um papel humilde, real e muito muito sentido.

Um carnaval muito português

Como todos os anos é tradição, vou ficar escondido em casa durante estes dias. Nem ponho pé fora da porta do lar. Detesto o Carnaval e as pessoas que são invadidas de um inexplicável «pé solto» e de uma alegria serôdia, tal como embirro com o Ano Novo e a «passagem de ano» pelo ambiente de falsa catárse que aterra na vida comum nesses períodos. Ainda assim, tenho tempo para navegar entre canais de televisão e ver duas reportagens: numa delas, o jornalista Pedro Moutinho põe uma cara muito grave para dar a «notícia» (notícia?) de que há pessoas que não festejam o Carnaval, mini-reportagem essa que é subtilmente intitulada «Ódio ao Carnaval» (juro que era este o título); por outro lado, várias reportagens mostram como continua cada vez mais uma festa portuguesa este nosso fim-de-semana, ao ver várias mulheres portugueses vestidas como «sambadeiras» mulatas com o corpo cheio de brilhantes a dançar em cima de carros ao som de uma música brasileira. Depois de um Carnaval cada vez mais brasileiro, de termos tido um seleccionador e jogadores brasileiros e até de termos cada vez mais crimes cometidos por imigrantes brasileiros, provavelmente será tempo de dizer adeus a Sócrates e ir buscar algum eminente político do Rio Grande do Sul. Na literatura, pelo menos, continuo a achar que Portugal está a algumas milhas de distância da criatividade brasileira.

Descanso de domingo

O jornal sindicalista A Batalha (que viveu e sobreviveu entre 1919 e 1927) explicara desta forma a sua decisão de ter como descanso semanal o domingo, o que na prática fazia com que não houvesse edição de segunda-feira: «reservamos um dia para nosso descanso - o sétimo. Também no sétimo dia, pelo que rezam as Escrituras, descansou Deus - criatura que aliás não faz parte da nossa redacção».

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Do cepticismo sarcástico



PADRE JANOVICH - Why didn't you call the police?

WALT KOWALSKI - Well you know, I prayed for them to come but nobody answered.



Christopher Carley e Clint Eastwood em Gran Torino

A crítica ao «american dream»



O sempre polémico Luís Miguel Oliveira, que se meteu recentemente na alhada de devastar o filme «do momento», Slumdog Millionaire, e ser publicamente crucificado por isso, veio agora - como outros críticos, aliás - bater no último filme de Sam Mendes, Revolutionary Road. Para explicar a «admiração fria» e «progressivamente desinteressada» que o filme lhe provoca, Luís Miguel Oliveira pergunta retoricamente e responde ele mesmo: «de onde vem o pouco entusiasmo? Diríamos que do facto de o "programa" de Sam Mendes não ir muito para além disto - uma boa caução competentemente ilustrada (o romance) e o brilhantismo dos actores tomado como "nec plus ultra"».

Ora bem, até aqui tudo bem, e uma crítica é sempre pessoal e subjectiva. Vejamos o filme e o seu suposto trunfo (de facto, até é): os actores. Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. A dupla romântica do filme está brilhante. Winslet continua o seu percurso que amadurecimento artístico que a anda a elevar quase à perfeição dramática, podendo eu mesmo afirmar que ela está entre o reservado lote das minhas actrizes preferidas. DiCaprio, por sua vez, supera as expectativas: não tem o perfil esperado para a personagem, mas corresponde e supera a exigência do papel com uma energia quase sobre-humana (Scorsese fez do miúdo um verdadeiro actor). Por fim, destaque ainda para mais dois actores: Michael Shannon, Kathy Bates e Dylan Baker. Shannon porque, justamente nomeado para os Óscares, nos oferece uma composição psicológica e socialmente inadaptada capaz de rivalizar com os «grandes» de Hollywood. Bates porque, embora de forma caricaturada, cabe na perfeição na figura estereotipada da «boa vizinha», da senhora do lado dos mágicos (ou pouco mágicos, segundo Sam Mendes) subúrbios americanos. Dylan Baker o mesmo que para o estereótipo de Kathy Bates, mas neste caso em relação ao colega de trabalho de Frank/DiCaprio.

E aqui chega o outro elemento-chave da equipa que nos traz Revolutionary Road: Sam Mendes. O realizador britânico é um grande director de actores. Sem dúvida. Tem um currículo no teatro inglês e formação também na área, e os seus sets reflectem-no. Mas não só. Sam Mendes também é um dos melhores realizadores de Hollywood, se descontarmos a relativa «juventude» dos seus dez anos de cinema e o Óscar. Consegue uma ambiência de sombras, luz e planos que vai além da sua suposta «especialização» em arte dramática típica de teatro britânico e, obviamente, muito além da mera capacidade de direcção de actores.

Revolutionary Road consegue ser um filme muito bem filmado, com excelentes actores, que navega em redor da capacidade ou incapacidade de nos relacionarmos uns com os outros, e em redor de como se pode desistir de viver para sobreviver, neste caso para existir numa pacata vivência de subúrbio. Que é como se canta naquela música de Malvina Reynolds que dá tema a Weeds: «Little boxes on the hillside, Little boxes made of tickytacky / Little boxes on the hillside, little boxes all the same / There's a green one and a pink one and a blue one and a yellow one / And they're all made out of ticky tacky and they all look just the same». Aqui, no filme de Mendes, também há um despertar momentâneo desse sonho americano, ou pesadelo americano, em que tudo parece igual, e em que a perfeição da igualdade soa a mediocridade. Despertar esse que surge na figura de Kate Winslet mas que, lentamente, se encaminha para a tragédia, num momento alto digno das melhores tragédias gregas. Há aqui um encontro de American Beauty (realizado por Mendes em 1999) com Little Children (filme brilhante de Todd Field, de 2006), no qual, por acaso ou sem coincidência, também brilha Kate Winslet.

Ora, voltando à crítica de Luís Miguel Oliveira, é fácil ver que a única razão pela qual não dá um pouco mais de crédito a Revolutionary Road prende-se com a embirração que tem por Sam Mendes, que, segundo ele, anda «ainda à boleia do sucesso de Beleza Americana» a por isso continua a «ser sobrevalorizado». Claro que isto para mim é escandaloso, já que, muito ao contrário do crítico de cinema (e se calhar até de muitos mais, se me puser a procurar), acho Road to Perdition um dos filmes mais subvalorizados dos últimos dez anos (e que muito estimo, pessoalmente), que ganha apenas um Óscar, se não me engano, pela fotografia - aí sim, talvez ainda na ressaca do Óscar de Sam Mendes de 1999. Mas, tendo em conta alguma aversão dos críticos à mistura entre teatro e cinema, e a visível aversão de Oliveira a Sam Mendes lui-même, Revolutionary Road (como Road to Perdition) chega-me como um dos melhores filmes do ano, pelo menos bem acima do banal Benjamin Button do Fincher. Ainda que me faltem ver alguns candidatos ao Óscar, não me caía o Carmo e a Trindade se Sam Mendes levasse todos os Óscares para os quais foi nomeado.

P.S.- não tenho qualquer animosidade habitual ou generalizada para com o Luís Miguel Oliveira. Pelo contrário, concordo completamente com a sua escolha (o «Devia ganhar», e não o «Vai ganhar») para o Óscar de melhor actriz secundária: Marisa Tomei, que está absolutamente fantástica em The Wrestler.

Milenarismo



(via O Cachimbo de Magritte)

Dom da ubiquidade



Agora parece que Joana Amaral Dias está em tudo o que é canal, a discutir sobre tudo o que mexa. Óptimo, nada contra. Muita gente identificar-se-á com ela e eu, como todos os homens, agradeço a imagem da Joana Amaral Dias no meu televisor. Mas, tendo em conta o «mundo moderno» e a necessidade da perfeição estética, por vezes interrogo-me se a sua presença na televisão não depende, apenas e só, de poder ser a «imagem no televisor» dos portugueses. Eu acho que sim.

P.S.- mas isto, admito, pode muito bem ser o mero ressabiamento de um feio.

Símbolos

Talvez o império, pensou Kublai, não seja mais que um zodíaco de fantasmas da mente.
- No dia em que conhecer todos os símbolos - perguntou a Marco, - conseguirei possuir o meu império, finalmente?
E o veneziano: - Sire, não acredites nisso: nesse dia serás tu mesmo símbolo entre os símbolos.


Italo Calvino, As Cidades Invisíveis

sábado, fevereiro 14, 2009

Minguante 13



Já saiu o novo número da Minguante (o número 13 numa «sexta-feira 13»). Entre outros, com um modesto texto meu, um exercício torpe de escrita travestido de literatura.

Estaline face a Hitler: o babuíno passivo

O comportamento de Estaline no princípio de 1941 apresenta fortes semelhanças com uma certa manobra das práticas babuínas. Se um babuíno fraco é ameaçado por um babuíno forte oferece por vezes, simbolicamente, o traseiro, como se para sexo passivo. O babuíno fraco está na realidade a mostrar tino psicológico. Estaline tentou-o, mas só ganhou aquilo que parecia estar a pedir. Talvez ele fosse também meio babuíno, meio avestruz e tivesse a impressão de que, se não pudesse ver a realidade, então a realidade não poderia vê-lo.

Martin Amis, Koba o Terrível

As coisas que desaparecem

Talvez tudo já esteja secretamente perdido de antemão, num qualquer lugar remoto. Ou então existe um sítio onde todas as coisas desaparecem, fundindo-se umas nas outras, até formar uma única imagem. E, à medida que vamos vivendo, mais não fazemos do que descobrir - puxando-as para nós, umas atrás das outras, como quem desenrola um fio muito fino - tudo o que ficou para trás. Fechei os olhos e esforcei-me por me lembrar do maior número possível de coisas belas que tinham desaparecido da minha vida. Esforcei-me por chamá-las a mim, retê-las entre as mãos, mesmo sabendo que asua existência seria efémera.

Haruki Murakami, Sptunik, meu amor

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Perestroika

Chegou ao ponto de não-retorno: estantes cheias, armários cheios, topos de secretárias e armários cheios. De livros. Sou obsessivo e sei sempre onde tenho cada livro em particular. Mas há alguns dias chegou ao fim a planificação do espaço de arrumação desses livros. Em minha casa, a organizadíssima «URSS do papel» chegou ao fim. Ainda ontem queria folhear um Calvino antigo (só porque sim) e fui dar com ele encostadinho ao Lobo Antunes (discrimino nas letras e a lusofonia é categoria à parte). Chegou a hora de pilhar o espaço que cabe à roupa, aos talheres, ao diabo. É o caos. O fim.

Mestre Clint #2



Changeling (2008), de Clint Eastwood

Mestre Clint #1



Gran Torino (2008), de Clint Eastwood

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Dinamismo e horror

A propósito da União Soviética de Lenine e Estaline, Martin Amis cita Martin Malia, ou seja: que não é de um momento para o outro que se entende «a extraordinária combinação de dinamismo e horror que caracterizou a experiência soviética». É a conjugação entre a miragem do progresso (miragem perdida algures na lama dos gulags) e o terror exercido sobre quem atrasava a máquina comunista que impressiona qualquer um. A desumanidade do projecto impressiona qualquer um, tal como não se consegue desviar o olhar ao ver um tornado, tal o fascínio pelo horror de uma visão destas.

Um David Fincher ingénuo



Quando, há quase um ano, me veio a notícia de que David Fincher preparava um novo filme, fiquei curioso. Curiosidade essa que aumentou quando me actualizei acerca do tema: uma história de Scott Fitzgerald acerca de um homem que nascia velho e rejuvenescia com o passar dos anos, contrariando a tendência natural do envelhecimento. «Brilhante», pensei eu. A bizarria da situação combinada com a visão negra de Fincher poderia resultar num bom trabalho. Poderia. Enganei-me, não resultou.

The Curious Case of Benjamin Button é um filme muito fraco, uma verdadeira desilusão. Beneficia do «calor do momento» que os Óscares trazem, o que claramente o sobrevaloriza, mas não passa de um desperdício de um belo conto do universo do fantástico. Em vez de enveredar por um tratamento de imagem e da história mais «cinzentos», como é seu costume, resolveu criar uma obra mais «luminosa», uma epopeia bonita sobre os trabalhos da vida de Benjamin Button (Brad Pitt), nascido velho e abandonado pelo assustado pai, da forma mais dickensiana possível (no conto é diferente).

The Curious Case of Benjamin Button é uma espécie de saga de um homem «curioso» (como o próprio título indica) que, precisamente por surgir na história como uma memória de Daisy (Cate Blanchett) e autor de um diário que a filha desta (Julia Ormond) descobre e lê, permite que haja um certo véu de dúvida, de fantástico, sobre o seu passado. Pelo menos seria essa a ideia. Mas não funciona. Em Big Fish, Tim Burton conseguia misturar realidade e lenda muito bem, numa obra sobre a imaginação. Em Benjamin Button, a mesma técnica narrativa talvez fosse escusada, até porque não traz melhoria alguma à história.

O filme resulta assim numa espécie de reprise de Forrest Gump, como bem se apontara noutro blog: um protagonista naïve atravessa algumas etapas históricas da América (nasce no dia do armistício da Grande Guerra, por exemplo, e participa na Segunda Guerra Mundial) e, embora não tenha qualquer atraso mental, fá-lo com uma expressão algo apreensiva de quem não percebe o que anda cá a fazer. Como de desiludido ou perdido não tem nada, apenas se depreende que Fincher (ou Eric Roth, que adapta o argumento) quis deixar uma imagem de um Brad Pitt tão bondoso quanto ingénuo. Não é realmente a direcção de actores mais bem conseguida.

Com múltiplas nomeações para os Óscares, de facto só me confirma (nada de novo) que estes prémios não distinguem a qualidade mas o status quo. E é, de facto, o status quo que segura a honra deste filme. Brad Pitt é competente mas fraquinho (para quê a nomeação para o Óscar?); Cate Blanchett, apesar de estar bem, repete uma personagem que me parece já ter visto algures no seu currículo; Julia Ormond é das mais competentes no filme; e a nomeada para Melhor Actriz Secundária, Taraji P. Henson, com todos os seus maneirismos, fica a milhas de distância de Marisa Tomei (que está quase perfeita em The Wrestler). A David Fincher, que tem uma carreira sem nódoas, desculpar-se-á este deslize na qualidade, já que The Curious Case of Benjamin Button é, de longe, o filme mais fraco da sua carreira. Salva-se a imagem, a banda sonora e, claro, a caracterização, que não passará ao lado de ninguém e, a sermos justos, já terá o Óscar reservado em seu nome.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

O absurdo do Estado que tudo vê

No momento em que escrevo este post, a petição contra os chips de vigilância nos automóveis, lançada há uns meses atrás, já foi assinada por 2.025 pessoas. O que só prova que os portugueses estão mais acordados para a liberdade do que se julga e com pouca vontade de caminhar para a construção de uma estrutura de Estado policial. Que assim continue e se aborte um projecto-lei absurdo.

domingo, fevereiro 08, 2009

No leitor de DVD

Mickey Rourke



Se Mickey Rourke vier a receber um Óscar não me admiraria. Não apenas pela sua prestação em The Wrestler (um excelente filme sobre a passagem do tempo, sobre o declínio e sobre a perseverança), mas pela sua carreira. Não que Rourke tenha tido uma carreira brilhante. Longe disso, Mickey Rourke teve até uma das carreiras mais subaproveitadas na história recente do cinema, situação na qual teve grandes culpas no cartório. No entanto, aqui sublinho o «subaproveitamento», já que sempre achei que poderia ter sido um dos maiores actores da sua geração. Com The Wrestler, completa-se uma recuperação gradual de um actor que ainda pode vir a dar muito ao cinema - uma recuperação semelhante deu-se com a colaboração entre John Travolta e Tarantino. Se o Óscar não for para o surpreendente Frank Langella, ficaria muito desiludido se não premiasse Mickey Rourke. No fundo, The Wrestler é, mais do que um filme inspirado pelo wrestling, uma obra inspirada pela vida de Mickey Rourke: apesar do declínio quase insuportável, Rourke teve a capacidade de relançar uma carreira, na qual os fãs sempre o esperam. Carreira essa que, quem sabe, ainda pode vir a ser brilhante como nunca foi. A minha escolha sentimental do Óscar vai, sem pensar muito, para Mickey Rourke.

sábado, fevereiro 07, 2009

Everything but a saint

Quando tiver filhos e quiser que eles comam a sopa toda, hei-de lhes contar histórias sobre o Augusto Santos Silva.

Film noir no liceu



A maior parte dos espectadores terão na memória Joseph Gordon-Levitt do papel de rapazola estouvado de 3rd Rock from the Sun, uma imagem que seria, à partida, difícil de sacudir. E com razão, pela exagerada dose de adolescência aplicada na interpretação (apesar da série ter qualidade). Mas os mais atentos já se esqueceram «desse» Gordon-Levitt. O rapaz é, hoje em dia, um actor em potência. Em Mysterious Skin (2004), dizem, surpreendeu tudo e todos. Em Brick, filme de 2005 realizado por Rian Johnson, confirma a sua promoção ao universo do cinema sério, adulto e negro.

O filme de Rian Johnson é uma criação muito perfeitinha, uma pérola guardada na arca no que toca ao público português mas que não passou despercebido nos países civilizados, apesar da enorme aura de «independent movie». Baseado nos romances policiais de Dashiell Hammett, Johnson constrói um enredo perfeito para um filme de detectives mas desloca-o para... um liceu. Aí, surge a personagem perfeita para protagonizar a história: Brendan (Joseph Gordon-Levitt), um adolescente misantropo, desiludido, pessimista, esperto e atrevido. O sarcasmo das linhas de Brendan, claramente exagerado, funciona lindamente nesta adaptação, e Gordon-Levitt dá a postura adequada à personagem.

The Virgin Suicides encontra Miller's Crossing, Bogart, Nicholson e os irmãos Coen numa das melhores interpretações modernas do género film noir, e o resultado é um surpreendente filme negro que roda em volta da maldade e da fraqueza humana, das ligações perigosas e das relações que não se podem esquecer, mais do que rodar em volta de uma história demasiado complicada. Simples, humilde e exemplar na filmagem. E Gordon-Levitt convence com o seu pessimismo - assustando até pelo seu «crescimento» rápido no cinema - numa interpretação cheia de angústia que parece vir a ocupar o lugar do desaparecido Heath Ledger em papéis do género (na minha opinião, Gordon-Levitt é melhor do que Ledger era com esta idade). Quatro estrelas para Levitt. Cinco para Brick. Brilhante.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

O Abismo da Educação



As recentes greves e manifestações de professores contra as reformas do ensino não são uma mera reacção directa à revisão do estatuto do docente, mas uma consequência natural da destruição do ensino em Portugal nos últimos trinta e cinco anos.

O ser humano sempre teve uma visão limitada. Sejamos honestos: antropologicamente falando, o homem está condenado ao fracasso. Por mais que falhemos, por mais que tropecemos, insistimos na teimosia de não aprender com os erros. Voltamos sempre a cair e a tropeçar nos mesmos buracos de sempre, culpando a lotaria divina sem nunca compreendermos que o buraco sempre esteve no mesmo sítio, desafiando a nossa inteligência. Desta forma, por mais reformas que façamos, nunca conseguimos realmente mudar nada, porque voltamos sempre ao erro anterior. Corrige-se um erro criando um novo.

O economista Henry Hazlitt atribuía as causas dos maiores fracassos económicos à incapacidade que os homens – e em especial os políticos (sobretudo em ano de eleições) – têm de ver para além das causas imediatas. Ou seja, uma política tentava resolver uma lacuna sem ninguém se aperceber de que os efeitos secundários dessa mesma política abriam uma crise ainda pior, que só seria realmente visível após alguns anos. É isso que acontece, precisamente, com o ensino em Portugal: o «vírus» dos efeitos secundários das políticas de educação. Pior do que a «crise do ensino» que os professores apontam, é a «crise da educação» que está nas fundações da sociedade portuguesa.

A questão tem sido completamente centrada nas exigências dos professores e na «lutazinha» política entre o Ministério da Educação de Maria de Lurdes Rodrigues (figura que é para «queimar» depois de tudo isto, dando a cara pelo autoritarismo do governo Sócrates), quando devia ser a oportunidade ideal para reflectir sobre o que queremos para o futuro das escolas em Portugal. Os professores acham que lhes estão (a eles, docentes) a retirar dignidade, protecção, valor e poder. Como já é hábito em Portugal, gritam porque vêem o vizinho gritar mas sem nunca enxergar o que está mesmo à frente dos seus olhos: já não têm nada. O governo não pode retirar o que já não há. A revisão do estatuto dos docentes, e até do estatuto dos alunos, não é mais que a tentativa de «lavar a cara» – estatisticamente falando – da Educação em Portugal face à União Europeia e fingir que se faz obra.

As relações entre professor e aluno foram sendo destruídas ao mesmo ritmo que se destruía a relação entre escola e sociedade, retirando àquela a capacidade de triagem. A fórmula para isso é mais simples que estrelar um ovo: os outros países da União Europeia, aparentemente, tinham mais licenciados que Portugal. Logo, isso faria dos outros países bastiões da modernidade enquanto Portugal continuaria a ser um país terceiro-mundista. Como é óbvio, as luminárias lusitanas resolveram curar a doença que afligia o nosso país. Como fizeram? Fácil, baixaram a exigência da avaliação de tal forma que até um adulto com um desenvolvimento mental de uma criança de cinco anos conseguiria chegar à faculdade. Nessa misturada entre bons alunos, alunos médios e lastro, os professores acabavam por passar toda a gente, não fosse a CEE achar que nós somos um país de agricultores, operários e pescadores. Após as machadadas que se deram nos anos 70 à exigência da educação, o ambiente de laxismo geral facilitou.

A responsabilidade de aprender – apesar de quase desaparecida – foi então sendo progressivamente passada dos alunos para os professores, leais funcionários públicos ao serviço do Estado português, menino bonito da CEE e da UE que, regularmente, entregava em Bruxelas os relatórios do «progresso» social e mental dos conterrâneos, pela mão de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso e, obviamente José Sócrates, pai do «Portugal do Futuro». Aos professores cabia já a tarefa, não de ensinar, mas de formar os alunos, que é o mesmo que lhes dizer que eles têm a obrigação de os passar. A terminologia, se estivermos atentos, também tem evoluído no mesmo sentido, com um medo crescente de falar em ensinar, educar e exigir. O ensino tornou-se um dado adquirido e até a dormir se consegue chegar ao 12º ano, que aparentemente será o novo nível de ensino obrigatório. Muito brevemente, ter uma licenciatura será tão natural e inevitável como há uns anos era ir à tropa.

Para conseguir esse objectivo estatístico, têm-se feito coisas ridículas. Nem nos passa pela cabeça. Muito recentemente, soube que há escolas públicas que recusam aulas de apoio extra-curriculares a alguns alunos para as disciplinas mais problemáticas, porque «há quotas» e um «limite máximo» para os alunos que podem receber esse apoio, não vá a UE pensar que somos um país de burros. É sabido também que é bastante generalizada a pressão sobre os professores para dar notas altas, independentemente da correspondência real com o trabalho dos alunos (a avaliação dos professores tendo em conta as notas que davam é um sinal indesmentível dessa situação). Para além disso, andamos a oferecer, nos Institutos de Emprego, diplomas de 9º e 12º ano a pessoas após um ou dois meses de actividades ridiculamente simples, que deviam ofender a inteligência dos discentes.

Em suma: se quisermos realmente salvar o futuro das novas gerações de Portugal, é obrigatório rever todo o nosso ensino. Será que temos capacidade para termos tantos licenciados sem capacidades? Será que há mercado para dar vazão a tanta gente que não sabe porque é que tem um curso superior? Será que somos assim tão inseguros que precisamos de mostrar a Bruxelas que temos muita gente com cursos? Por um lado, a ideia de um ensino democrático tem sido mal interpretada, confundindo os portugueses a igualdade de oportunidades com a igualdade completa de habilitações, que entope e esgota o mercado de trabalho. Por outro, a necessidade de ser um país do «primeiro mundo» tem feito com que os sucessivos ministros da Educação reduzam os professores a funcionários da «modernização de Portugal» e os alunos a números. Maria de Lurdes Rodrigues, por muito patética que seja a sua batalha pela afirmação, não é mais que a ponta visível de um longo icebergue de trapalhadas ignorantes. Com políticas destas, quem perde hoje com isso é a Educação, são os professores. Mas amanhã quem perde são os alunos e, obviamente, o país.

Publicado no Setúbal na Rede, 5/2/2009

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Pensamento do dia

Quando se fala nos melhores ensaístas dos últimos duzentos anos, esquece-se sempre Freud. É um erro monumental. Freud foi um dos antropólogos, psicólogos, filósofos, pensadores, ensaístas da época contemporânea e talvez um dos homens que mais influenciaram o chamado «mundo moderno». Se deixarmos de o considerar um cientista datado e passarmos a vê-lo como um pensador intemporal, só teremos a aprender com uma leitura das obras do austríaco.

Half Nelson


Ryan Gosling

Dan: The sun goes up and then it comes down, but everytime that happens what do you get? You get a new day.

Half Nelson (2006), de Ryan Fleck

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Mind police

O facto de se terem multiplicado manifestações de simpatia de pessoas mais idosas para com o Primeiro-Ministro só demonstra, pelo tom, o sucesso de Salazar. Ao se dizer que «não se deve incomodar o senhor Primeiro-Ministro» ou mesmo que as «forças ocultas» estão a fazer uma «campanha negra» contra Sócrates, surge a conclusão de que António de Oliveira Salazar foi um político perfeito, o mais bem sucedido ditador de Portugal porque conseguiu isto: que todos os portugueses passassem a ter um polícia dentro de si mesmos. E isto, pelos vistos, não desaparece em 40 anos.