As recentes greves e manifestações de professores contra as reformas do ensino não são uma mera reacção directa à revisão do estatuto do docente, mas uma consequência natural da destruição do ensino em Portugal nos últimos trinta e cinco anos.
O ser humano sempre teve uma visão limitada. Sejamos honestos: antropologicamente falando, o homem está condenado ao fracasso. Por mais que falhemos, por mais que tropecemos, insistimos na teimosia de não aprender com os erros. Voltamos sempre a cair e a tropeçar nos mesmos buracos de sempre, culpando a lotaria divina sem nunca compreendermos que o buraco sempre esteve no mesmo sítio, desafiando a nossa inteligência. Desta forma, por mais reformas que façamos, nunca conseguimos realmente mudar nada, porque voltamos sempre ao erro anterior. Corrige-se um erro criando um novo.
O economista Henry Hazlitt atribuía as causas dos maiores fracassos económicos à incapacidade que os homens – e em especial os políticos (sobretudo em ano de eleições) – têm de ver para além das causas imediatas. Ou seja, uma política tentava resolver uma lacuna sem ninguém se aperceber de que os efeitos secundários dessa mesma política abriam uma crise ainda pior, que só seria realmente visível após alguns anos. É isso que acontece, precisamente, com o ensino em Portugal: o «vírus» dos efeitos secundários das políticas de educação. Pior do que a «crise do ensino» que os professores apontam, é a «crise da educação» que está nas fundações da sociedade portuguesa.
A questão tem sido completamente centrada nas exigências dos professores e na «lutazinha» política entre o Ministério da Educação de Maria de Lurdes Rodrigues (figura que é para «queimar» depois de tudo isto, dando a cara pelo autoritarismo do governo Sócrates), quando devia ser a oportunidade ideal para reflectir sobre o que queremos para o futuro das escolas em Portugal. Os professores acham que lhes estão (a eles, docentes) a retirar dignidade, protecção, valor e poder. Como já é hábito em Portugal, gritam porque vêem o vizinho gritar mas sem nunca enxergar o que está mesmo à frente dos seus olhos: já não têm nada. O governo não pode retirar o que já não há. A revisão do estatuto dos docentes, e até do estatuto dos alunos, não é mais que a tentativa de «lavar a cara» – estatisticamente falando – da Educação em Portugal face à União Europeia e fingir que se faz obra.
As relações entre professor e aluno foram sendo destruídas ao mesmo ritmo que se destruía a relação entre escola e sociedade, retirando àquela a capacidade de triagem. A fórmula para isso é mais simples que estrelar um ovo: os outros países da União Europeia, aparentemente, tinham mais licenciados que Portugal. Logo, isso faria dos outros países bastiões da modernidade enquanto Portugal continuaria a ser um país terceiro-mundista. Como é óbvio, as luminárias lusitanas resolveram curar a doença que afligia o nosso país. Como fizeram? Fácil, baixaram a exigência da avaliação de tal forma que até um adulto com um desenvolvimento mental de uma criança de cinco anos conseguiria chegar à faculdade. Nessa misturada entre bons alunos, alunos médios e lastro, os professores acabavam por passar toda a gente, não fosse a CEE achar que nós somos um país de agricultores, operários e pescadores. Após as machadadas que se deram nos anos 70 à exigência da educação, o ambiente de laxismo geral facilitou.
A responsabilidade de aprender – apesar de quase desaparecida – foi então sendo progressivamente passada dos alunos para os professores, leais funcionários públicos ao serviço do Estado português, menino bonito da CEE e da UE que, regularmente, entregava em Bruxelas os relatórios do «progresso» social e mental dos conterrâneos, pela mão de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso e, obviamente José Sócrates, pai do «Portugal do Futuro». Aos professores cabia já a tarefa, não de ensinar, mas de formar os alunos, que é o mesmo que lhes dizer que eles têm a obrigação de os passar. A terminologia, se estivermos atentos, também tem evoluído no mesmo sentido, com um medo crescente de falar em ensinar, educar e exigir. O ensino tornou-se um dado adquirido e até a dormir se consegue chegar ao 12º ano, que aparentemente será o novo nível de ensino obrigatório. Muito brevemente, ter uma licenciatura será tão natural e inevitável como há uns anos era ir à tropa.
Para conseguir esse objectivo estatístico, têm-se feito coisas ridículas. Nem nos passa pela cabeça. Muito recentemente, soube que há escolas públicas que recusam aulas de apoio extra-curriculares a alguns alunos para as disciplinas mais problemáticas, porque «há quotas» e um «limite máximo» para os alunos que podem receber esse apoio, não vá a UE pensar que somos um país de burros. É sabido também que é bastante generalizada a pressão sobre os professores para dar notas altas, independentemente da correspondência real com o trabalho dos alunos (a avaliação dos professores tendo em conta as notas que davam é um sinal indesmentível dessa situação). Para além disso, andamos a oferecer, nos Institutos de Emprego, diplomas de 9º e 12º ano a pessoas após um ou dois meses de actividades ridiculamente simples, que deviam ofender a inteligência dos discentes.
Em suma: se quisermos realmente salvar o futuro das novas gerações de Portugal, é obrigatório rever todo o nosso ensino. Será que temos capacidade para termos tantos licenciados sem capacidades? Será que há mercado para dar vazão a tanta gente que não sabe porque é que tem um curso superior? Será que somos assim tão inseguros que precisamos de mostrar a Bruxelas que temos muita gente com cursos? Por um lado, a ideia de um ensino democrático tem sido mal interpretada, confundindo os portugueses a igualdade de oportunidades com a igualdade completa de habilitações, que entope e esgota o mercado de trabalho. Por outro, a necessidade de ser um país do «primeiro mundo» tem feito com que os sucessivos ministros da Educação reduzam os professores a funcionários da «modernização de Portugal» e os alunos a números. Maria de Lurdes Rodrigues, por muito patética que seja a sua batalha pela afirmação, não é mais que a ponta visível de um longo icebergue de trapalhadas ignorantes. Com políticas destas, quem perde hoje com isso é a Educação, são os professores. Mas amanhã quem perde são os alunos e, obviamente, o país.
Publicado no Setúbal na Rede, 5/2/2009
O ser humano sempre teve uma visão limitada. Sejamos honestos: antropologicamente falando, o homem está condenado ao fracasso. Por mais que falhemos, por mais que tropecemos, insistimos na teimosia de não aprender com os erros. Voltamos sempre a cair e a tropeçar nos mesmos buracos de sempre, culpando a lotaria divina sem nunca compreendermos que o buraco sempre esteve no mesmo sítio, desafiando a nossa inteligência. Desta forma, por mais reformas que façamos, nunca conseguimos realmente mudar nada, porque voltamos sempre ao erro anterior. Corrige-se um erro criando um novo.
O economista Henry Hazlitt atribuía as causas dos maiores fracassos económicos à incapacidade que os homens – e em especial os políticos (sobretudo em ano de eleições) – têm de ver para além das causas imediatas. Ou seja, uma política tentava resolver uma lacuna sem ninguém se aperceber de que os efeitos secundários dessa mesma política abriam uma crise ainda pior, que só seria realmente visível após alguns anos. É isso que acontece, precisamente, com o ensino em Portugal: o «vírus» dos efeitos secundários das políticas de educação. Pior do que a «crise do ensino» que os professores apontam, é a «crise da educação» que está nas fundações da sociedade portuguesa.
A questão tem sido completamente centrada nas exigências dos professores e na «lutazinha» política entre o Ministério da Educação de Maria de Lurdes Rodrigues (figura que é para «queimar» depois de tudo isto, dando a cara pelo autoritarismo do governo Sócrates), quando devia ser a oportunidade ideal para reflectir sobre o que queremos para o futuro das escolas em Portugal. Os professores acham que lhes estão (a eles, docentes) a retirar dignidade, protecção, valor e poder. Como já é hábito em Portugal, gritam porque vêem o vizinho gritar mas sem nunca enxergar o que está mesmo à frente dos seus olhos: já não têm nada. O governo não pode retirar o que já não há. A revisão do estatuto dos docentes, e até do estatuto dos alunos, não é mais que a tentativa de «lavar a cara» – estatisticamente falando – da Educação em Portugal face à União Europeia e fingir que se faz obra.
As relações entre professor e aluno foram sendo destruídas ao mesmo ritmo que se destruía a relação entre escola e sociedade, retirando àquela a capacidade de triagem. A fórmula para isso é mais simples que estrelar um ovo: os outros países da União Europeia, aparentemente, tinham mais licenciados que Portugal. Logo, isso faria dos outros países bastiões da modernidade enquanto Portugal continuaria a ser um país terceiro-mundista. Como é óbvio, as luminárias lusitanas resolveram curar a doença que afligia o nosso país. Como fizeram? Fácil, baixaram a exigência da avaliação de tal forma que até um adulto com um desenvolvimento mental de uma criança de cinco anos conseguiria chegar à faculdade. Nessa misturada entre bons alunos, alunos médios e lastro, os professores acabavam por passar toda a gente, não fosse a CEE achar que nós somos um país de agricultores, operários e pescadores. Após as machadadas que se deram nos anos 70 à exigência da educação, o ambiente de laxismo geral facilitou.
A responsabilidade de aprender – apesar de quase desaparecida – foi então sendo progressivamente passada dos alunos para os professores, leais funcionários públicos ao serviço do Estado português, menino bonito da CEE e da UE que, regularmente, entregava em Bruxelas os relatórios do «progresso» social e mental dos conterrâneos, pela mão de Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso e, obviamente José Sócrates, pai do «Portugal do Futuro». Aos professores cabia já a tarefa, não de ensinar, mas de formar os alunos, que é o mesmo que lhes dizer que eles têm a obrigação de os passar. A terminologia, se estivermos atentos, também tem evoluído no mesmo sentido, com um medo crescente de falar em ensinar, educar e exigir. O ensino tornou-se um dado adquirido e até a dormir se consegue chegar ao 12º ano, que aparentemente será o novo nível de ensino obrigatório. Muito brevemente, ter uma licenciatura será tão natural e inevitável como há uns anos era ir à tropa.
Para conseguir esse objectivo estatístico, têm-se feito coisas ridículas. Nem nos passa pela cabeça. Muito recentemente, soube que há escolas públicas que recusam aulas de apoio extra-curriculares a alguns alunos para as disciplinas mais problemáticas, porque «há quotas» e um «limite máximo» para os alunos que podem receber esse apoio, não vá a UE pensar que somos um país de burros. É sabido também que é bastante generalizada a pressão sobre os professores para dar notas altas, independentemente da correspondência real com o trabalho dos alunos (a avaliação dos professores tendo em conta as notas que davam é um sinal indesmentível dessa situação). Para além disso, andamos a oferecer, nos Institutos de Emprego, diplomas de 9º e 12º ano a pessoas após um ou dois meses de actividades ridiculamente simples, que deviam ofender a inteligência dos discentes.
Em suma: se quisermos realmente salvar o futuro das novas gerações de Portugal, é obrigatório rever todo o nosso ensino. Será que temos capacidade para termos tantos licenciados sem capacidades? Será que há mercado para dar vazão a tanta gente que não sabe porque é que tem um curso superior? Será que somos assim tão inseguros que precisamos de mostrar a Bruxelas que temos muita gente com cursos? Por um lado, a ideia de um ensino democrático tem sido mal interpretada, confundindo os portugueses a igualdade de oportunidades com a igualdade completa de habilitações, que entope e esgota o mercado de trabalho. Por outro, a necessidade de ser um país do «primeiro mundo» tem feito com que os sucessivos ministros da Educação reduzam os professores a funcionários da «modernização de Portugal» e os alunos a números. Maria de Lurdes Rodrigues, por muito patética que seja a sua batalha pela afirmação, não é mais que a ponta visível de um longo icebergue de trapalhadas ignorantes. Com políticas destas, quem perde hoje com isso é a Educação, são os professores. Mas amanhã quem perde são os alunos e, obviamente, o país.
Publicado no Setúbal na Rede, 5/2/2009
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