sexta-feira, março 31, 2006

autobiografia 4

Uma manhã, van Gogh quis suicidar-se. Mas estava muito cansado. Aproveitou a tarde para pintar uma obra-prima.

[João Carlos Silva]

autobiografia 3

Um dia quis muito ler o meu primeiro livro. Mas não sabia ainda ler. Desisti. Reconheço que muitas carreiras medíocres começam assim.

[João Carlos Silva]

autobiografia 2

Querido blog,

Escrevo-te de Ararat apenas para saberes que estou em Ararat.

[João Carlos Silva]

autobiografia 1

Um dia, num blogue primevo, tivemos apenas um visitante. Foi o dia mais sincero da vida de um blogue meu.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, março 30, 2006

Post reaccionário do dia

Caro Bruno, tenho de «dar a mão à palmatória» (que é uma expressão com asas para voar): Pierce Brosnan é memorável nesse papel. Mas, ainda assim, penso ser difícil suplantar um clássico. Há, pelo menos, um vetusto agente que é inigualável. Para clarificar este e o último post sobre o mesmo, confirmo o meu campo ideológico:



[João Carlos Silva]

Ameaças que fazem tremer

A ONU lançou um repto temerário: ou o Irão abandona o seu programa nuclear ou... Ou a ONU vai agir. Algo me diz que vão tentar a antiga táctica do menino gordo que faz birra e leva a bola para casa. Regras que, para além de não funcionarem desde os tempos de liceu, pouco importam a um país que não precisa de se interessar minimamente por quem tem a bola.

[João Carlos Silva]

quarta-feira, março 29, 2006

Insónia:

Dormir como o cão que levou um pontapé do dono.

[Paulo Ferreira]

Divisão antropológica

Há dois tipos de homens: aqueles que dizem que Sean Connery é o James Bond, e aqueles que dizem que Roger Moore é o James Bond.

[João Carlos Silva]

Um burguês


Um dos escritores portugueses mais injustamente esquecidos é, provavelmente, José Rodrigues Miguéis. Mas, assim como posso dizer que se comete uma enorme injustiça ao remetê-lo para um passado indistinto na literatura portuguesa, também poderia dizer que Rodrigues Miguéis é um escritor cujo tom expresso em obras suas acaba por votá-lo, obrigatoriamente, ao esquecimento. Um tom despretensioso e coloquial em muitos dos livros que compilam artigos e crónicas suas, em especial nas Reflexões de um Burguês, textos sobretudo resgatados da Seara Nova. Isto, é claro, nem sempre cai da melhor forma entre círculos letrados. Muito embora seja um tom coloquial que nasce da sua mesma erudição. Repare-se: Antes comer bem por uma vez do que levar a vida em pecado mortal, com a barriga a sonhar com o porco da salgadeira. Dá vontade de parafrasear São Paulo, deve ser São Paulo: «Vale mais um homem farto que um homem danado.» Arrebente para aí, mas vá regalado.
Mas Rodrigues Miguéis não é só este escritor pioneiro do neo-realismo português, influenciado também, sem dúvida, por alguns autores norte-americanos do início do século XX. Ressalve-se, por exemplo, o seu romance de estreia - Páscoa Feliz (1932) -, onde surge, das profundezas da sua imaginação, um imaginário dostoievskiano. Deve ser o fado que me leva a fazer a comparação com o russo, comparação que será sempre um eterno lugar-comum, mas Páscoa Feliz é, de facto, um excelente romance/conto longo sobre as alucinações urbanas de um homem levado à ideia de um crime gratuito. Devia ser mais contida a comparação com Dostoiévski, mas neste caso é realmente flagrante a influência que este tem no romance sobre crime e remorso (aqui antecipado, antes da consumação do acto) que Miguéis escreveu.
Começou a sua vida em Lisboa e terminou-a em Nova Iorque, com 78 anos, numa cidade simbólica para explicar a motivação da sua extensa obra «sobre» Lisboa e Portugal, mesmo quando não é «sobre» estes seus saudosos locais. Eduardo Lourenço caracterizou-o como escrevendo da perspectiva de um «estrangeiro». Um vetusto senhor caracterizou-o, enquanto olhando o horizonte, como «um burguês». Já eu caracterizo-o como um óptimo escritor, um autor multifacetado, um grande narrador da vida dos homens e dos portugueses (vistos «de fora») que, espero, ainda possa voltar às leituras do comum lusitano. Espero, mas não acredito.

[João Carlos Silva]

terça-feira, março 28, 2006

Derivado de quê?

«O meu marido fuma desde os oito anos, derivado do tio.»

Quando esta frase se tornar regra comum na língua portuguesa, mudo de país.

[Paulo Ferreira]

Bah!

Fora os livros não vejo
muita outra coisa
a que possa chamar
minha propriedade

a gilete? o pente
imitação tartaruga? a tesoura
das unhas?

nem mesmo a roupa
enchendo todo um armário
que se queima com o suor
gasta rasga
desfia em pouco tempo
condenada
por um corpo infeliz
e quando nova a estrear
faria talvez já
as delícias do adelo

álbuns de fotos?
estojo caneta-lapiseira?
pesa-papéis
deitando a sua neve falsa
sobre o castelo alemão?

inclusive o carro
envelhece mês a mês
sem uso: o prazer de guiar
é coisa dos anúncios
e a gasolina cara
e para quê tirá-lo da rua
para arrumá-lo aonde?
guiem agora as filhas


-Fernando Assis Pacheco, Respiração Assistida

[João Carlos Silva]

Esperando algo

Por homenagem aos meus recentes interregnos, o mais acertado seria eu manter uma coluna invisível. Algo que reflectisse o estado de espírito «à-espera-de-Godot».

[João Carlos Silva]

Distraído, meu caro rafeiro!



Na adolescência, havia uma professora que passava a vida a apelidar-me de distraído. Eu, sempre ingénuo, acreditava. Porém, com o passar dos anos, fui-me dando conta de que aquilo de que era acusado pela minha velha professora não correspondia à realidade. Não era nem nunca fora distraído na vida. As velhas arranjam sempre maneira de aborrecer uma pessoa, especialmente se essa pessoa pouco estudar e teimar em tirar boas notas. Ora, o certo é que, à medida que a barba me foi crescendo na face e as raparigas com quem eu sonhava iam arranjando namorados, me fui dando conta de que a distracção nunca poderia fazer parte da minha vida. Se um tipo como eu se desse ao luxo de ser distraído, estaria tramado. Tramado. Como o Bruce Willis do lendário Die Hard, eu nunca poderia permitir que a minha pessoa não correspondesse, como se de um pequeno gato rafeiro se tratasse, aos apelos feitos pela sociedade.

A menina dos caracóis castanhos que me fazia suspirar na infância, por exemplo, nunca na vida me passara ao lado. Eu era demasiadamente atento para deixar a mais bonita miúda do bairro escapar-se do meu olhar sem que eu nada fizesse. E, com efeito, eu não me limitei a ficar de braços cruzados. Agi. Actuei. Mandei-lhe uma carta. E a mãe da menina dos caracóis castanhos logo me preveniu com um valente pontapé no traseiro, como se me quisesse dizer que, por vezes, a atenção tem o seu preço. Uns anos mais tarde, tive, de igual modo, uma excelente oportunidade para perceber que era um sujeito muito pouco dado a desatenções. Se não me engano, num quente mês de Agosto, a turminha da preparatória, em plena festa de final de ano, acampava durante seis dias seguidos numa infernal pousada da juventude lá para os lados do Gerês. A professora de inglês, a melhor de todas, ficava no meu quarto a « pedido expresso do menino mais atormentado de todos». Resultado: desobriguei, durante todo o mês seguinte, todos os exemplares da Gina que tinha em casa de me auxiliarem na necessidade. Um rapaz esperto, portanto. E muito pouco desatento, diga-se.

A verdade é que a minha esperteza nem sempre tem correspondido àquilo que eu idealizara na infância. O passado diz-me que eu sou um tipo pouco dado ao alheamento. E daí? O presente diz-me que as minhas cabeçadas contra a parede são muitas. O futuro diz-me que as cambalhotas não serão poucas. De que me vale ter a ficha limpa de distracções? Nada. Até porque, para ter a vida deste modo, algo me terá, necessariamente, passado ao lado.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, março 27, 2006

Buenos Aires


Acabo de ler com agrado (mais) um livro de Adolfo Bioy Casares. Se A Invenção de Morel se pode considerar uma obra verdadeiramente genial, Plano de Evasão, o último livro que li do autor, apesar de ser uma obra, digamos, menor, não deixa de surpreender pelos contornos de engenho que o autor utiliza para explicar os estranhos fenómenos que ocorrem na já famosa Ilha do Diabo. Um bom livro, sem dúvida, este Plano de Evasão.

Admitimos o mundo como no-lo revelam os sentidos. Se fôssemos daltónicos ignoraríamos alguma cor. Se tivessemos nascido cegos ignoraríamos as core. há cores ultravioletas, que não apercebemos. Há assobios que ouvem os cães, inaudíveis para o homem. Se os cães falassem, o seu idioma seria talvez pobre em indicações visuais, materia termos para denotar matizes de odores, que ignoramos.

- Adolfo Bioy Casares, Plano de Evasão

[Paulo Ferreira]

sábado, março 25, 2006

Sonho de uma sombra

Não vou. Cansado de tudo - estás bem velho. Estamos ambos tão velhos. A luz apagada, corro ainda a vidraça da marquise. Olho ditraído a cidade iluminada. Anoitece no mundo. Anoitece-me na vida.

- Vergílio Ferreira, Rápida, a Sombra

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, março 24, 2006

Como os cães



Poderia começar por falar do dr. Freud para explicar a minha vida. Mas não vale a pena. A história é simples e resume-se a isto: a minha vida é uma desgraça. Com efeito, outro galo cantaria se, em vez de me pôr aqui a escrever sobre coisas que nem a mim interessam, procurasse resolver todos os problemas que me atormentam. Mas não. Fico aqui a olhar para os dias que passam, como se esses dias se pudessem prolongar até ao fim da linha recta do destino, até à morte. Infelizmente, coisas como a saudade e as enxaquecas não me passam ao lado. Sou um homem atormentado. Tão atormentado que hoje, ao tentar ler o jornal do costume, pensei em atirar-me da janela do prédio. Mas, como digo, não valeria a pena. Sou um homem atormentado e, porque também sou supersticioso, o melhor é ficar sossegadinho no meu canto à espera que o Senhor me leve. Sou novo, é verdade. Talvez jovem, se não se considerar que na Idade Média um homem de vinte e um anos pudesse ser velho. Porém, o meu fado é tão negro que já nem me lembro que ainda tenho a vida toda pela frente. Sou rejeitado na minha própria terra. Miséria.

Verdade seja dita que também já muito rejeitei. Não sou a Suzana Flag do Nelson Rodrigues e, por conseguinte, não tenho como destino pecar. Mesmo assim, já rejeitei. Por necessidade, diga-se. E por já ter rejeitado por necessidade também me sinto ligeiramente atormentado. Ninguém rejeita por necessidade. Ninguém. Nem eu, se vivesse em condições normais. Mas não vivo. Vivo atormentado. Sinto saudades. De várias pessoas. De várias coisas. Mas o tempo que passou já não volta. Não volta mesmo. Fartei-me de esperar e nada. Nada. Zero. Nem uma fotografia dos meus álbums perdidos se dignou a visitar-me. Nem um casaco azul de adolescente me telefonou. Nada. E a linha do telefone não pára de transmitir aquele som irritantemente contínuo. E nada nem ninguém se digna a dizer-me que também eu sou homem e que existo. Não é justo, até os cães possuem memória.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, março 23, 2006

Dsléixico

Não deixa de ser dramático que um homem que queira escrever seja um disléxico compulsivo, obrigado a rever frase a frase os rastos da caneta.

[João Carlos Silva]

Estreias auspiciosas



Diz o Paulo que Deste Lado Onde é, talvez, o melhor livro de José Agostinho Baptista. A afirmação tem o seu quê de significativo, visto que, apesar de eu não concordar com a extensão do elogio, tenho de fazer a minha vénia ao livro. Mais não seja por ser, se não me engano, o primeiro livro publicado do autor. Se todos os livros de «estreia» fossem como Deste Lado Onde, Portugal estaria ainda mais rico em poetas. Mas há outros livros impressionantes de Agostinho Baptista, como Agora e na Hora da Nossa Morte ou, o meu preferido, Anjos Caídos. Por exemplo, neste último, é salutar a leitura e releitura de alguns versos (embora não seja um hábito meu), como no poema quase-contínuo Cicatrizes:

Ao leres este livro,
ao chegares a esta página,
reconhecerás a cicatriz,
o sangue na face em ruínas,
escurecendo as feridas do amor,
escurecendo o perfil de um homem,
o seu coração perdido nos prados da desolação,
no alarme dos sinos que, mais uma vez,
nos templos da idade profunda,
dobram pelos cisnes parados,
pela jovem palidez dos dedos,
quando viver é apenas uma vertigem ardente,
o incêndio dos celeiros,
do feno e do cereal maduro.


[João Carlos Silva]

A plenitude da razão

O Barão de Teive (Fernando Pessoa) diz, no livro A Educação do Estóico, uma das coisas mais bonitas a que tive acesso nos últimos dias:

Atingi creio, a plenitude do emprego da razão. E é por isso que me vou matar.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, março 22, 2006

Deste Lado Onde

Dos livros que li, Deste Lado Onde é, provavelmente, o melhor livro de José Agostinho Baptista. Aqui fica um pequeno poema:

Fim

faz-se tarde
e eu deixei de esperar-te.

todos os portos se fecham sobre mim
e a floresta adensa-se-

nenhuma clareira se abre à passagem dos animais
e do homem antigo

são quatro horas na manhã de todos os relógios.

[Paulo Ferreira]

Robert Walser


Nunca acordei assim, perfeito, como este grande escritor. Porém, gosto de pensar que será amanhã o dia em que acordarei com capacidade para recriar uma personagem como Jakob Von Gunten em grande estilo. Sonhos, bem sei.

[Paulo Ferreira]

Do corpo

Se quiseres conhecer uma pessoa, começa pelo sexo. Só a partir do momento em que começares um diálogo com o sexo da pessoa que pretendes conhecer, poderás ter acesso a alguns dos valores primordiais da vida em sociedade. A amizade, por exemplo. Não penses que conseguirás ser amigo de alguém que não se deixe mostrar na sua intimidade.

[Paulo Ferreira]

domingo, março 19, 2006

No café II

No café, alguém volta a rir muito alto. Deparou com o filme em cartaz no Cine Paraíso, Rua do Loreto, 15: Tão Jovens e Já Chupam no Estica. Uma hora depois, ainda o homem repetia: «o estica». Devo dizer que custou a perder a piada.

[João Carlos Silva]

No café I

No café, alguém ri muito alto. Diz que encontrou Deus nos classificados: «Moreno. Cabelo comprido. Faço homens e mulheres».

[João Carlos Silva]

Do not disturb

Revendo um dos melhores filmes de sempre.



[João Carlos Silva]

O alívio do movimento


A auto-estrada em horas de ponta é um lugar incerto. Um desencontro com a sanidade ou, vá lá, com a paz de espírito de cada um. Repare-se no homem que acelera de Sul para Norte em direcção à Ponte 25 de Abril, pisando a fundo o acelerador, com um rasgado sorriso na cara. É um homem civilizado, dentro do seu fato azul-escuro de executivo, em direcção da sua pequena réplica lisboeta de Wall Street. Vai direitinho, hirto no banco do automóvel, falando ao automóvel em alta voz ou ouvindo a rádio na estação de economia.

Mas, de repente, ao quilómetro vinte um, o mundo desmorona-se: as luzes vermelhas de travagem brilham ao longe, e o homem entra em desfibrilhação, o pânico toma o controlo da situação. «O que se passa? O que se passa?», e meneia a cabeça para a direita e para a esquerda, boquiaberto, como se não soubesse perfeitamente o que se passa. Liga rapidamente para oito ou dez pessoas apenas para dizer, exaltado, que se vai atrasar, como se estivesse sequestrado num voo da American Airlines: «Eu não sei... Isto... Não vou conseguir... Já ligo...». Não sabe o que fazer, onde pôr as mãos, abranda o carro a duzentos metros da fim da fila, como se adiasse a guilhotina. Coça o queixo, a orelha, o pescoço. Muda a estação de rádio para uma de notícias de futebol, para um programa onde se discuta a defesa do Benfica, e sorri como um louco. Falando em loucos, abre o vidro, põe o braço esquerdo de fora e a cara ao vento. Volta para dentro e assobia. Assobia. Bate com os pulsos no volante do carro. Olha para o carro da esquerda, olha para o carro da direita, depois novamente para o da esquerda, e desconfia do vizinho. O vizinho passa a desconfiar também dele. Olham-se e olham a frente, voltam-se a olhar e assim sucessivamente, caminhando para um duelo ao amanhecer. A tensão aumenta.

Então, o inesperado acontece. A fila desfaz-se, e os carros começam a avançar, a arrancar em debandada. O homem sorri, de repente, como um náufrago, volta a ser civilizado, como um moribundo que viu a luz ao fim do túnel e voltou à vida. Encara isto como um sinal divino. Olha de novo para o «vizinho» da esquerda. Sorriem muito um para o outro, e acenam apaixonadamente como se estivessem nos jardins de Oxford. «Adeus, meu caro amigo». Os carros partem de novo. O homem acelera, acelera muito. As nuvens partiram. O Sol brilha de novo.
Quem disse que o português não gosta de se mexer?

[João Carlos Silva]

sábado, março 18, 2006

quinta-feira, março 16, 2006

Hamartia

Grande poeta judeu de língua francesa tinha, durante quatro meses, receado as câmaras de gás; um dia, depois da guerra, meteu o tubo de gás na boca, adormeceu para sempre.

Eugène Ionesco, A Busca Intermitente

[João Carlos Silva]

Morto para a sala escura

A minha contribuição para o Royal With Cheese já pode ser lida.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, março 14, 2006

Querido diário:

A minha saúde mental não me permite escrever mais do que uma dúzia de palavras com nexo.

[Paulo Ferreira]

De um café:

«Traga-me o livro de reclamações. O senhor não sabe com quem está a falar. Sou Arlindo Mestre, empresário de contrução civil. E vou processá-lo por não me ter servido uma cerveja fresca.»

[Paulo Ferreira]

Tradução d' A Arte de Amar



















Isabelle Huppert

[João Carlos Silva]

Os chineses

Os chineses são muito espertos, escrevem de cima para baixo como se depois fossem somar o que escreveram.

Enrique Vila-Matas, Bartleby & Companhia

[João Carlos Silva]

segunda-feira, março 13, 2006

Solaris



Ontem deu o Solaris de Steven Soderbergh na SIC. Acho mal. O povo não merece ver filmes destes, assim, de graça.



[Paulo Ferreira]

Efemérides

O Espectro acabou. O Sinédrio também.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, março 10, 2006

Errar é humano


Nelson Rodrigues costumava dizer que o que faz um homem é a soma das suas obsessões. Já eu advogo uma tese algo diversa: um homem, ou mulher, conhece-se através dos seus erros. Na realidade, não reprovo erros. Um erro, um defeito, é algo maravilhosamente inimitável. Desde que não seja um defeito que nos torne a vida num Inferno. Já uma mulher torna-se especialmente atraente, única, através de um pequeno defeito aqui ou ali. Por outro lado, o pescador reformado que coxeia desde tempos imemoriais tem na sua perna uma prova de vida, uma perna defeituosa que, mesmo tendo a sua origem numa batalha com um qualquer peixe (e também mesmo nós sabendo disso), preferimos mergulhar na memória de um passado que engole detalhes, mas levanta lendas.

São históricos certos erros. Mesmo aqueles erros que só com algum tempo volvido se apresentam como erros. Neville Chamberlain, por exemplo, ao voltar para Londres em 1938, depois de Munique, sorriu como nunca mostrando o seu triunfo diplomático na mão. Não duraria muito tempo o seu sorriso, mas naquele dia que julgou auspicioso sorriu abertamente. Vestira-se como um gentleman, com roupas de vitória, mas na verdade trazia da Alemanha uma das últimas grandes derrotas britânicas do século. Ao vestir-se para triunfar diplomaticamente sobre Hitler, dava uma dimensão flagrantemente ridícula ao seu próprio erro.

Os erros na escrita têm, também, qualquer coisa mística. Lembro-me do dia em que escrevi «manti» quando devia ter escrito «mantive». A palavra correcta sempre me acompanhou, mas naquele dia o «manti» soou-me brilhantemente correcto, passando impune por debaixo dos olhos até ao momento da humilhação pública. Não é sem razão que alguém que tenha por hábito escrever tenha um medo de morte da exposição dos seus devaneios. «A vergonha tem bigodes», dizia um tio mais sábio. Não sendo propriamente Confúcio, esse tio sabia o que dizia. E a vergonha de um erro, de errar, é tão velha quanto os homens. Errar é, de facto, humano. E não há nada que mais me comova do que aquela minoria positivamente discriminada que são os homens que nunca erraram. Não é por acaso que ninguém atirou a pedra à prostituta naquele belo dia de Sol desértico.

[João Carlos Silva]

Semelhanças

É preciso coragem para resumir uma ideia num ensaio. Mais ainda é precisa para tentar resumir algo a uma frase ou expressão. No entanto, Bernard Lewis, num livro de 2003 recentemente traduzido para português pela Relógio de Água, A Crise do Islão - Guerra Santa e Terror Ímpio, numa síntese impressionante, diz algo como isto: «O cristianismo e o Islão são duas civilizações definidas pela religião, que entraram em conflito não devido às suas diferenças mas sim às suas semelhanças». De facto, seria fácil entrar no campo da «frase feita», tendo em conta que esta não é uma ideia oculta. Mas, muito pelo contrário, Lewis tem aqui, numa simplicidade imortal, uma frase que ecoa na memória.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, março 09, 2006

O estado das coisas


Vincent van Gogh, La chambre de Van Gogh à Arles, 1889

[João Carlos Silva]

Variações de um repórter sobre um cartão

A propósito da notícia dos novos cartões de identificação (tenebrosamente futuristas), um repórter da SIC, em narração voz off, diz que se notou «a ausência [nos cartões] das informações sobre o estado de saúde e sobre o estado financeiro do cidadão». Tenho alguma fé em que este tenha sido apenas um desleixo de um jornalista mediano.

Caso eu esteja errado, e a tese aponte para a inocência de um jornalista que apenas lembrava rumores ou uma qualquer informação (que me falhara) dada anteriormente por representantes do governo, então o caso torna-se grave. Grave porque abre uma porta que será quase impossível fechar, uma porta para um controlo asfixiante, e assustador, da vida de cada um. Não só das suas «informações», mas do seu «estado actual». Para além de haver um cartão que diga tudo sobre a vida de um homem, fica o registo de uma hipotética intenção de marcar pessoas como «cidadãos»: rico/pobre; enfermo/saudável; enfim, útil/inútil. Resta saber se um dia se registará o estado de espírito em cartão.

[João Carlos Silva]

Deputados comentadores

Sobre a venerada (e nunca questionada) figura de António Vitorino, diz o Luís Silva no Office Lounging:

«Há um ano atrás, o agora deputado por Setúbal e na altura cabeça de lista do PS, António Vitorino dizia que a co-incineração de resíduos industriais perigosos não viria a acontecer num governo PS (apoiando até o fim das operações da Secil, no âmbito da requalificação ambiental da Serra) [...].
Seria um bom exemplo de comportamento parlamentar que o deputado Vitorino esclarecesse os seus eleitores sobre o rumo que a co-inceneração irá tomar. Infelizmente não tenho esperança que tal aconteça. Depois da figura de corpo "não-presente" que fez durante a campanha autárquica do PS (era candidato à assembleia municipal de Setúbal), duvido que ele se interesse muito por assuntos que afectem a cidade.
»

[João Carlos Silva]

terça-feira, março 07, 2006

Da guerra

O caríssimo dermot do Royale With Cheese publica, em dias diferentes, dois textos dos bloggers d' A Causa das Coisas, numa rubrica com participações de outros blogues. Hoje, um texto humilde de um humilde João Carlos Silva sobre um genre-obsessão.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, março 06, 2006

Link

Foi adicionado, na lista do lado, o blog da editora objecto cardíaco.

[João Carlos Silva]

A banheira do Pacífico

«Nem a banheira do Pacífico teria água bastante pra lavar (e serenar) o vocabulário, e ali, no meio daquela quebradeira, de mãos vazias, sem ter onde me apoiar, não tendo a meu alcance nem mesmo a muleta duma frase feita, eu só sei que de repente me larguei feito um fardo, acabei literalmente prostrado ali no pátio, a cara enfiada nas mãos, os olhos formigando, me sacudindo inteiro numa tremenda explosão de soluços (eram gemidos roucos que eu puxava lá do fundo), até que meus braços foram apanhados por mãos rústicas e pesadas (...).»

- Raduan Nassar, Um Copo de Cólera

[João Carlos Silva]

domingo, março 05, 2006

D. Sebastião, Rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?


- Fernando Pessoa, Mensagem

[João Carlos Silva]

sábado, março 04, 2006

Quem tudo quer tudo perde

Costuma-se dizer que quem tudo quer tudo perde, que é a mesma coisa que se dizer que quem muito quer pouco tem. Pois é. Eu sou um desses desprezíveis indivíduos que muito querem mas que pouco têm. Infelizmente. Calculo que se não vivesse neste belo país, viveria num país onde seria possível a um indivíduo que pouco possui, ambicionar possuir mais. Mas não. Vivo no país ideal para a aplicação deste provérbio quase tão antigo como o vinho. Quem tudo quer tudo perde. É verdade. Já me dizia a minha avó que, nestas coisas da sorte e do azar, o melhor é andar-se sempre com os pés bem assentes na terra, não vá o diabo tecê-las. Mas a minha vida, mesmo que andasse com os pés bem assentes na terra, continuaria a ser a desgraça que é. Não tenho remédio. Ambiciono ter mais do que tenho, mas não o posso fazer. Estou proibido de o fazer. Em Portugal, pensa-se que desejar ter muito é para aqueles que não possuem escrúpulos ou vergonha. E talvez a coisa até se suceda dessa maneira. Talvez eu não tenha vergonha ou escrúpulos suficientes para ser um bom português.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, março 03, 2006

O «porquê»


Sharin Foo, o «porquê» dos Raveonettes

[João Carlos Silva]

Dia santo na loja

Sessão plenária no parlamento japonês


Os problemas no local de trabalho preenchem, sem dúvida, as melhores conversas de café (e de autocarro, e de Metro, e de loja, e de rua, e de supermercado, e de restaurante, e de, claro está, trabalho). Não há ninguém que nunca se tenha queixado a alguém dos problemas que tem com uma ou outra personagem com quem trabalha ou, simplesmente, partilha o local de trabalho. No mínimo, já todos ouviram histórias alheias de como os problemas são resolvidos «por quem sabe».

É bem conhecida a história do padeiro racista despedido que, no último dia de trabalho, para se vingar do patrão cabo-verdiano, escondeu um pequeno explosivo artesanal num brioche fresco, rebentando bem nas barbas do pobre padeiro substituto (que, após o acidente, se tornou, também ele, racista).
Ou a história do trolha indignado que espancou o mestre-de-obras para reivindicar o seu salário atrasado («Agora arrotas o que não deste», repetiu o rapaz para os ouvintes), apenas percebendo mais tarde que o cheque já havia sido enviado por correio.
Mais impressionante é quando os problemas não vêm do local de trabalho mas da vida pessoal e se instalam posteriormente na vida profissional. Como o caso da espanhola de Elvas que, no seu restaurante, serviu em travessas, num fim-de-semana gastronómico muito elogiado pelos clientes, o seu marido que a andava a trair. Só muito tarde Marisol (nome fictício) descobriu a traição do seu homem. Portanto, também só mais tarde (uma semana) se descobriu o que estava nas travessas.

O mais provável, no entanto, é que o homem acabado de ser despedido e humilhado sem resposta no trabalho afirme depois, alto e bom som, perto da sua audiência: «Digo-te já, naquele dia a bobine aqueceu e eu descarreguei-me todo. Ele bem que pedia, mas pensas que eu...? Oh meu amigo... parti o estaminé todo ao filho-da-#$%& e disse 'aqui não trabalho eu'». Omitindo, é claro, que nunca chegou um dia a horas ao trabalho.

[João Carlos Silva]

Homenagem compreensível a Freitas do Amaral



Compreendo a posição de Freitas do Amaral quando defende a compreensibilidade do caos no mundo muçulmano. O que resulta, é claro, em dizer que o populismo (bem utilizado, tenho de conceder) das intervenções de Telmo Correia é também uma «violência compreensível» face à grande série de tristes declarações que o Ministro dos Negócios Estrangeiros deixou ao Mundo nas últimas semanas.

[João Carlos Silva]

O topete

O lexema «topete» tanto pode ser sinónimo de descaramento como pode dar significado àqueles farrapos de cabelo que se costumam amontoar por cima da testa. Elvis ficou reconhecido pelos seus topetes. Telmo Correia não. O que leva a pensar que Freitas do Amaral talvez não tenha sido irónico ao ponto de gozar com a notória falta de cabelo que o deputado do CDS-PP, manifestamente, possui. Provavelmente, o inexpugnável Freitas do Amaral, num simples acto de irritação, terá tido a imodéstia de exclamar a plenos pulmões que o seu interlocutor não era portador de pejo suficiente para ocupar o cargo que ocupa. Porém, teria Freitas mais juízo se, em vez de classificar as vergonhosas afirmações de Telmo Correira como classificou, se limitasse a responder ao excelentíssimo deputado com a seguinte frase: «Se és careca não chegas à cueca» ( é certo que, com esta frase, Telmo Correia poderia bem ter rebatido a estocada com um breve «É dos carecas que elas gostam mais»). Mas não. Freitas sentiu necessidade de ficar ofendido e, por conseguinte, de dizer que era preciso falta de topete para um sujeito afirmar coisas como as que o presumível democrata-cristão afirmara.

Ora, não se tendo feito valer do humor pátrio, Freitas do Amaral sujeitou Telmo Correia a uma sensação que só invade aqueles que, devido à sua ignorância proverbial, passam a vida a proferir asneiras. Sujeitou-o à sensação de vaidade. Neste caso, a antiga sentença não prevaleceu. O calado vence tudo, mas no parlamento não vence nada. E, por conseguinte, quem assistiu a tão enternecedor debate, não teve o privilégio de conviver com doses abundantes de sensatez ou, caso os intervenientes fossem mais acintosos, com doses de humor a valer. Pelo contrário, quem assistiu ao debate apenas teve oportunidade de observar um senhor de entrada idade a chorar de tão ofendido e um outro senhor a fazer-se valer da sua alarvidade.

[Paulo Ferreira]

Pensamentos rectilíneos

Sobre as patacoadas de Freitas do Amaral, julgo que não vale a pena escrever, já que a coisa parece ser intemporal. Importa, no entanto, não esquecer que o ministro dos Negócios Estrangeiros apenas falou (leia-se, disparatou) porque um senhor que dá pelo nome de Telmo Correia foi baixo, como refere, e bem, o Bernardo.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, março 02, 2006

É preciso topete!

O debate entre o deputado do CDS-PP Telmo Correia e Freitas do Amaral começou de forma acesa, com o antigo líder parlamentar democrata-cristão a acusar o ministro dos Negócios Estrangeiros de "ter vergonha de ser ocidental e de viver em democracia".

Na resposta, Freitas do Amaral afirmou ter-se sentido insultado e deixou um recado a Telmo Correia: "Só espero que para o resto da sua vida sinta algum remorso sabendo o que eu lutei, quando o senhor ainda não era nascido ou andava de cueiros, para haver democracia e liberdade em Portugal (...). É preciso topete!", afirmou o ministro.


A propósito, segundo o meu dicionário de serviço, cueiro é «um pano em que se enfaixam as criancinhas, em especial as nádegas». Calculei logo.

[Paulo Ferreira]

Hayek II

Plano B:



[Paulo Ferreira]

Hayek I

Ontem acabei de ler o meu primeiro livro de Hayek. Será que já posso entrar para o grupo, ou terei ainda de recorrer ao Plano B?

[Paulo Ferreira]

A sondagem

Segundo uma sondagem do DN, os portugueses consideram que Marcelo Rebelo de Sousa (29,1%) e Manuela Ferreira Leite (15,0%) seriam, neste momento, os melhores líderes para o PSD. Em terceiro lugar na sondagem vem Marques Mendes (7,9 %), o actual líder do partido, logo seguido por António Borges (7,9%). Ora, se não espanta a ninguém o facto de Marcelo Rebelo de Sousa, o avô de família que aos domingos junta a criançada para uma breve conversa de café, aparecer à frente desta sondagem, já o destaque dado a Manuela Ferreira Leite, uma senhora que muito estimo, não deixa de ser curioso. Ao que parece, há cerca de dois anos atrás, a senhora que exercia as funções de ministra das Finanças era, segundo me recordo, comparada com os mais frígidos generais de guerra, com os mais sanguinários ditadores. Porém, nos dias de hoje, as pessoas, quem sabe se inspiradas pelas eleições presidenciais deste ano, gostariam de ver a tal mulher da «mão de ferro» a liderar o Partido Social Democrata. Com efeito, se se desse o caso de Marcelo Rebelo de Sousa não possuir uma existência enquanto ser político, os portugueses elegeriam Ferreira Leite para o cargo. E, para todos os efeitos, Rebelo de Sousa não existe mesmo.

Assim, os resultados desta sondagem levam-me a pensar que o povo português é, de facto, um povo muito apegado à saudade e ao passado, levam-me a pensar que a expressão «Naquele tempo é que era bom» está para os portugueses como a carne de gazela está para os leões.

[Paulo Ferreira]

Ética

Na infância, a minha avó tentava ensinar-me a ter sempre respeito por mim e pelos outros. Mas eu, que sempre me declarei desprovido de talento para fazer cumprir os trâmites da ética, só queria aprender a abafar a dor provocada pelo chinelo que bate no rabo.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, março 01, 2006

Levar jeito III

A minha primeira namorada sempre me classificou como incapacitado, como um indivíduo desprovido de jeito para a coisa. Ora, segundo Stephen Coote, um eminente fazedor de livros britânico, também Napoleão Bonaparte tinha os seus problemas, pelo menos no que diz respeito a relações sexuais. Parece que o imperador era dotado de um pénis de criança (pequeno, portanto). Mas a minha primeira namorada, na sua ignorância, sempre me classificou como incapacitado. E eu, que sou um indivíduo que se aborrece com estas coisas, penso em Napoleão e no seu pénis diminuto.

[Paulo Ferreira]

O Caminho para a Servidão



A nossa geração esqueceu-se de que o sistema da propriedade privada é a mais importante garantia da liberdade não só para aqueles que possuem propriedade mas também, e quase do mesmo modo, para aqueles que a não possuem.

- Friedrich Hayek, O Caminho Para a Servidão


[Paulo Ferreira]