domingo, novembro 30, 2008

O estado das coisas

Odeio o Domingo.

Pacheco Pereira e os bolcheviques portugueses

Das pessoas que lêem os artigos e o blog de José Pacheco Pereira, um número muito menor estará a par da sua produção escrita na área historiográfica (salvando-se daí, é claro, a mais que conhecida biografia de Álvaro Cunhal). E uma minoria ainda mais reduzida terá lido as obras vintage que JPP tem em relação ao movimento operário e às origens dos partidos de extrema-esquerda em Portugal. No entanto, esta faceta é fonte de algumas das mais interessantes investigações e reflexões em redor daquela camada social e daquela fracção do espectro político.

Uma obra nesse conjunto é Questões Sobre o Movimento Operário Português e a Revolução Russa de 1917, uma edição de autor publicada em 1971 no Porto, aparentemente com o apoio da Livraria Júlio Brandão. Não é uma obra prima, e muito menos um volume intensivo sobre o tema. Mas as reflexões aí contidas são centrais para a historiografia dos últimos anos que trata o PCP e a extrema-esquerda. E em especial a tese principal: a de que a Revolução Russa caiu como uma espada no seio do movimento operário, cortando as lutas operárias e sindicalistas (à esquerda da República) em dois grandes grupos, contribundo para o afastamento decisivo entre Bakuninistas e Marxistas, originando o grupo dos chamados «bolchevistas», fortemente influenciados pelo sucesso da Revolução Russa.

A fundamentação ideológica dessa facção vai-se fundamentar na especificidade do caso português, e em especial na participação de Portugal na Grande Guerra, ou, como o JPP de então se referia à mesma, a «guerra imperialista de 1914-18». Ou seja, o movimento operário já de si se opunha «ao serviço militar, ao recrutamento, e à própria existência do exército permanente». Em segundo lugar, as greves que já se haviam multiplicado antes de Sidónio Pais, mas que então se intensificavam sob a «Vida Nova» sidonista. A crise social (por exemplo, com os abastecimentos, problema que já vinha da monarquia) e a agitação operária abalam a estrutura da República e os sindicatos revolucionários ganham um novo fôlego.

Por fim, e nisto JPP vai mais longe do que uma enorme massa de historiadores, Questões Sobre o Movimento Operário... realça a reformulação ideológica dos revolucionários, obrigando à transição de uma unicidade flexível para a cisão profunda entre os «possibilistas» e os «maximalistas» (agrupados na Frente Maximalista Portuguesa), que defendiam precisamente a «máxima força» na luta contra os Republicanos. Já não se defendia a mera luta por melhores condições sociais, mas a total destruição do regime republicano, «injusto» e «burguês» na sua origem, estrutura e reprodução, logo incompatível com qualquer acção política integrada com os operários.

A pequena antologia que JPP inclui é até maior do que o corpo do texto, que é mais um artigo do que um «livro» na verdadeira acepção do termo. Curiosamente, e embora politicamente comprometido (não esquecer que este texto é escrito em 1971, com Pacheco Pereira inspirado pela visão maoísta do mundo), é um interessante texto acerca da Revolução Russa e do movimento operário português sem cair no cliché da dissertação acéfala em redor das «conquistas operárias». No mínimo, é, como eu disse, uma obra vintage que ganha valor com a idade.

Notas sobre o Congresso do PCP



1- a principal derrota do PCP está na incapacidade, por alguns dos seus mais destacados militantes, de se distanciarem das experiências comunistas actualmente em vigor no mundo. Independentemente de se achar que em Cuba, Vietname, China, Laos ou Coreia do Norte há comunismo ou não - já que, ao constatar a tragédia, a defesa ideológica é a de dizer que nunca se «deixou chegar» ao comunismo e por isso falha -, apontar estes regimes como modelos assusta quem, por momentos, decide «dar uma hipótese» ao Partido Comunista (o que nunca seria o meu caso, lembro). Atenção que não invento isto, os ditos «modelos» estão nas teses do XVIII Congresso do PCP. Rejeitar a «tirania» do poder supranacional da UE não pode ser a base de uma defesa da tirania ideológica, e nisto o PCP perde sempre a oportunidade de aplicar alguma subtileza;

2- no entanto, e como diz o Bruno muito bem, «o desprezo [dos jornalistas] pelo PCP apenas leva a não se perceber como Jerónimo de Sousa é eficaz na transmissão da sua mensagem ao eleitorado, e como o PCP irá lucrar com isso nas próximas eleições». E é mesmo, a excelente organização que este Congresso teve (como aliás, costuma ter) e a estratégia inteligente de concentrar intervenções e declarações numa grande «demonstração de força» serão cruciais para a mobilização não só de um eleitorado historicamente fiel mas, sobretudo, de uma nova geração que amadureceu eleitoralmente e politicamente nos últimos 4 anos e já não vê uma «esquerda social» no PS. Acrescento mesmo: os recentes problemas públicos que o Bloco de Esquerda teve com o seu antigo cabeça de lista em Lisboa, José Sá Fernandes, poderão afastar algumas pessoas que não voltarão a «arriscar» votar BE para tentar, desta vez, apostar na agressividade política do PCP. Também acredito que o próximo ano é ano de crescimento eleitoral do PCP;

3- tudo isto é agravado por outra questão: a suposta «crise do capitalismo». A ideia de que a liberdade, e em especial a liberdade económica, tem dado mau resultado nos últimos anos espalhou-se por todo o lado. E, com isto, perdeu-se a memória das experiências comunistas por esse mundo fora. Ainda recentemente, um Colóquio Internacional sobre Karl Marx decorreu na Universidade Nova de Lisboa, não inocentemente aproveitando o recente e eventual «crescendo de interesse» no marxismo. Ou, como se afirmava na apresentação do dito colóquio, era um «debate tanto mais actual, quanto a presente crise financeira e económica do capitalismo global iniciada nos EUA, a mais grave desde o crash de 1929, recoloca a pertinência das abordagens marxistas sobre a economia, a sociedade, as ideologias e a política nas sociedades capitalistas». O que aí virá em 2009, não sei. Que a sorte nos proteja a todos.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Coisas de fazer perder as estribeiras

Escrever um texto enorme directamente no Blogger e, mesmo antes de publicar, com um golpe misterioso do rato, apagar-se tudo.

It was you, Charlie



You don't understand. I could'a had class. I could'a been a contender. I could'a been somebody, instead of a bum, which is what I am, let's face it. It was you, Charlie.

Terry Malloy/Marlon Brando para o irmão Charlie/Rod Steiger em Há Lodo no Cais (On the Waterfront), de Elia Kazan, filme de 1954

terça-feira, novembro 25, 2008

«Síndrome de Truman»

A arte imita a vida? Ou será mais a vida que imita a arte? Esta notícia da CNN abre de par em par a possibilidade da segunda hipótese. Em Nova Iorque, um homem (aparentemente e obviamente, sofre de esquizofrenia) diz que está dentro do reality-show do Truman Show, o famoso, e excelente, filme com Jim Carrey. Atenção: acredita estar dentro do reality-show mesmo, não do filme. Não é propriamente cómico, mas é, no mínimo, peculiar. Um psiquiatra nova-iorquino e outros grupos de investigadores dizem que não é novo.

To be continued

Vejo na CNN que Obama convidou Robert Gates para continuar no seu cargo de Secretário da Defesa. Ora, sem querer aplaudir cinicamente a confirmação das minhas advertências, lembro apenas aos fãs de Obama que o próximo Presidente dos EUA é uma pessoa normal, um mortal, e que, como tal, falha as suas promessas e vive com os pés na terra. E, como já escrevi aqui no blog, o verdadeiro continuador de Bush não poderia ser outro senão Obama, tanto internamente como, inevitavelmente, na política externa. Revendo o background de Robert Gates, é fácil perceber que Gates geriu a CIA no tempo de Reagan, esteve ligado a todas as administrações Republicanas desde os anos 80 e foi Secretário de Estado de George W. Bush, substituindo Donald Rumsfeld. Muitos desconfiados começarão a surgir entre os mais esperançados. Eu, até agora, não me surpreendi.

Revisto



Revi um dos filmes que marcaram a minha infância cinéfila. Não é o Taxi Driver, mas continua a ser um dos meus clássicos, e entre os que mais me impressionaram. Taps (filme de 1981 realizado por Harold Becker) é, sem dúvida, um filme subvalorizado. Começa por se questionar acerca do lugar que os militares de carreira têm nas sociedades modernas e acaba a reflectir sobre a falta que um pai faz no crescimento de um miúdo. Intemporal.

domingo, novembro 23, 2008

A ministra ou o governo?

Mantenho-me fincado na minha tese: Maria de Lurdes Rodrigues é a cara de um pacote de políticas de José Sócrates e vai cair ainda a tempo das eleições, não sem antes as «reformas» na Educação passarem sob grande protesto. Passando ela como a «culpada» de tudo, bastará substitui-la antes das legislativas e Sócrates até surge como o homem que «ouviu o protesto do povo». É que sempre existirão ministros que, a dada altura da legislatura, só servem para isto, para se sacrificarem pela causa. Ministros que, como se diz na gíria, são «para queimar». Não se lembram de Correia de Campos? Se querem culpar alguém desta situação de teimosia, comecem em Maria de Lurdes Rodrigues mas vão mais acima na cadeia hierárquica.

VPV on caffeine



Nunca acharam que o Lewis Black é, no fundo, um Vasco Pulido Valente com uma sobredosagem de cafeína?

As buscas ao domicílio e a produtividade da Administração Interna

Quem, como eu, se interessa pouco por claques de futebol e preferia que elas não existissem (o futebol seria mais são), preocupa-se pouco com o facto de um grupo de elementos de claque serem presos. Não conheço as figuras nem quero conhecer, e não poria as mãos no fogo por nenhuma claque.

No entanto, preocupa-me o estado da justiça em Portugal, o estado das leis e o estado dos direitos e liberdades individuais. E ainda não vi ninguém perguntar-se sobre os contornos das detenções e das buscas que foram feitas a semana passada a cerca de 40 residências pessoais (e sublinho pessoais) de elementos da claque do Benfica No Name Boys. Já que, para fazer buscas a 40 casas, será bom ter a certeza de que havia suspeitas, ou indícios, de algum envolvimento num suposto crime de tráfico de droga (penso que terá sido a razão das buscas). E em quantos casos costumam haver 40 suspeitos?

O facto de os querermos debaixo de olho não invalida o facto de estarmos todos, neste momento, vulneráveis a sermos passados a pente fino pela saúde da chamada «Justiça». Nem que seja apenas para atirar alguma poeira para os olhos e encher os telejornais e tribunais de «trabalho feito». É que o que começa hoje pelos suspeitos do costume, amanhã pode ser alargado a todas as pessoas que estiverem inseridas na comunidade, associação ou empresa errada.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Da ambivalência da liberdade

«O homem é tão pouco feito para a suportar [a liberdade], ou a merecer, que os próprios benefícios que dela recebe o esmagam, e que ela acaba por lhe pesar a ponto de ele preferir aos excessos que ela suscita os do terror.»

E. M. Cioran, História e Utopia

Ainda sobre a deturpação do real

Alguém para mim, ontem, entre sorrisos cínicos: «João, agora aqui só entre nós... mas tu acreditas mesmo que a Ferreira Leite é uma democrata?».

quinta-feira, novembro 20, 2008

Ainda sobre Thoreau e a «desleitura» das ideias

Uma coisa curiosa em relação ao Desobediência Civil, do Thoreau, é a capacidade morfológica que as ideias e frases lá contidas têm para se adaptar à vontade de cada leitor. O livro é um tratado libertário, extremo. Defende uma militância - com o autor a acusar-se a si mesmo de não ter essa atitude - que tem apenas como objectivo impedir que o indivíduo e o próximo não sejam subjugados por qualquer tipo de poder, e que sejam implicados em qualquer tipo de comunidade ou «associação» à qual eles não se integrem voluntariamente. Implicando isto, claro, a total isenção de impostos até saber para que servem esses mesmos impostos que paga, recusando-se a financiar guerras das quais nada sabe e pelas quais não se interessa minimamente. O «espírito» do texto não sai muito disto.

No entanto, os lobos comem os cadáveres. Thoreau está morto há muito e tornou-se um clássico pouco debatido e muito citado. E, já se sabe, quando os lobos atacam, atacam em grupo. O Desobediência Civil tem sido utilizado por liberais (gritando pela defesa da liberdade individual), socialistas (invocando o combate à injustiça), comunistas (pela ideia de luta contra a tirania e o imperialismo), anarquistas (pelo desprezo para com o Estado). Dá para tudo. Não faz mal, tudo bem, o texto de Thoreau é, realmente, inspirador e fica retido na permanência da memória. E é claro que isso nos leva a querer integrá-lo nas nossas concepções políticas e sociais. Mas não será uma contradição, por exemplo, o prefácio do já falecido Manuel João Gomes (que muito respeito pelas traduções que me trouxe de obras cruciais, incluindo Sade e esta mesma obra de Thoreau) no qual ele elogia a crítica que o autor faz ao dinheiro? O problema aqui é que eu não vi tal coisa no texto. Manuel João Gomes também aplaude o desprezo que Thoreau lança aos homens ricos - ah, essa burguesia gorda e ociosa! - que compram a sua liberdade e mancham o dinheiro de sangue. Eu não li o texto assim, onde anda isso?

Os problemas dos clássicos são precisamente esses. São o que nós queremos, tal como Orwell, que dava uma multitiplicidade de outras leituras e de outros posts. Platão, outro. Hobbes, mais um. Nem sei quantos mais autores perderam a identidade ao longo dos tempos. Intelectualmente, nós homens somos ladrões de tumbas.

Do pessimismo antropológico



Emil Cioran é uma figura peculiar. Um dos mais proeminentes pessimistas antropológicos do século XX, e, quem sabe, de toda a História. Um pessimismo que ultrapassa a questão existencial do sentido da vida mas que, ao mesmo tempo, traz um forte elemento de «fuga», psicologicamente falando. Nesse sentido, Cioran é uma personagem freudiana, cuja origem (a mãe preferia ter abortado), mais do que a importância do destino, o marcou profundamente. Politicamente, a identidade andou mais à deriva do que a própria procura de sentido na escrita. No entanto, acima de qualquer outra coisa, Cioran tem uma qualidade que aprecio de forma apaixonada: está-se pouco lixando para isto tudo. Para «isto», a existência. Aliás, a interrogação dele devia estar numa parede em todas as cidades, para que se reflectisse acerca do que cá estamos a fazer: «Será possível que a existência seja o nosso exílio e o nada a nossa casa?».

quarta-feira, novembro 19, 2008

O PS e a luta contra o autoritarismo

Manuela Ferreira Leite resolveu alinhar num estilo mais «irónico» e mais «fresco» e desatou a fazer discursos com graça. Disse que isto (o país) ia bem era com uma suspensão da democracia por seis meses para fazer as reformas todas. Não caiu bem. O comentário era, aparentemente, dirigido ao próprio governo PS e à fricção entre o executivo e algumas associações e sindicatos, em especial no sector da justiça. Manuela Ferreira Leite não costuma fazer piadas e, obviamente, ao tentar fazê-las espalhou-se. Falta de hábito. Não censuro quem ficou confuso. Mas também não censuro a doutora Ferreira Leite, que apenas quis ser ouvida de uma forma inédita e agora se vê a braços com a «indignação» de toda a gente.

Se o PCP, é claro, se arrepiou com as ameaças às velhas «conquistas de Abril» (esta agora, o PCP a criticar uma suspensãozinha da democracia...), o que foi realmente fantástico para mim foi ver o PS a vir debitar a acusação de «cultura autoritária» em relação ao PSD de Manuela Ferreira Leite, aproveitando para culpá-la da suspensão do deputado da Nova Democracia no Parlamento da Madeira. Maquinações de imprensa à parte, fico sobretudo maravilhado com a moralidade de Augusto Santos Silva, Alberto Martins e de um PS que, após quase quatro anos a governar autoritariamente, de forma impune, nos surge agora como bastião da defesa da democracia. Anotem aí para não se esquecerem na altura das eleições: no final de 2009 já o Partido Socialista deu a volta completa ao espectro político e estará na posição de nos salvar, simultaneamente, da «crise financeira» e da «tendência autoritária da direita».

terça-feira, novembro 18, 2008

Rouquidão

Estou rouco. Há quem fique em pânico, e há quem fique incapacitado para fazer a sua vida. Eu não. Eu, quando chego a esta altura do ano e o bicho parece plantar-se de vez na garganta, faço figas para que, ao menos, possa ganhar algo de toda esta situação de constipação. E a única coisa boa é, claro está, a voz rouca. Quando a voz fica rouca, grossa e viril como um chamamento da Natureza, os dias ganham outra luz. Tal como um John Wayne de nariz pingão, posso-me então passear direitinho pela rua, falando mais do que é normal e num tom mais convincente do que é normal. Um homem com voz rouca e grave é sempre ouvido. Raios partam os que a têm, e raios partam o Verão. Pela minha parte, vou aproveitando este par de meses em que transformo, vocalmente, em macho latino.

sábado, novembro 15, 2008

O lugar do justo

Com um governo que prende alguém injustamente, o lugar do homem justo é na prisão.

Henry David Thoreau, A Desobediência Civil

A ver



Hud, filme de Martin Ritt (1963), com Paul Newman no principal papel.

A ouvir

Se não ouviu Bruno Alves e Bernardo Pires de Lima «frente a frente» no Rádio Clube Português, no programa Ao Fim do Dia, já o pode fazer aqui.

O estado das coisas

quinta-feira, novembro 13, 2008

Fado



Já está disponível a Minguante número 12. E um texto meu também.

O eterno retorno de Santana Lopes e a máquina do tempo do PSD



(Publicado no Setúbal na Rede a 13/11/2008)

Manuela Ferreira Leite perdeu, em definitivo, o «estado de graça» normal de um líder recém-eleito. Ao aceitar a hipótese de lançar Santana Lopes na corrida à Câmara de Lisboa, devolveu a este o condão de destruir o partido e voltou no tempo a 2005.

Pedro Santana Lopes tinha os seus dias contados. Eu mesmo, medindo as palavras e a ambiguidade da «aposta», apoiei a decisão da liderança de Menezes de escolher Santana para a liderança parlamentar. Era a escolha óbvia para líder parlamentar «daquele» PSD, com especial apetência para a «política-espectáculo», com fartura de fogo de artifício mas pouca obra feita. Embora com um estilo diferente, o tom de Santana Lopes é o mesmo do autarca de Gaia. Nunca o defendi como candidato a nada. Tal como não defendi Menezes. Pareceu-me salutar para todos que estes dois se «juntassem»: sucesso ou fracasso, preferi que a sua oportunidade fosse uma só, para o PSD e, eventualmente, o país não passarem por isto duas vezes. Daí eu ter tremido quando se falou no nome de Santana Lopes para Setúbal. A Distrital de Lisboa do PSD reabilitou agora este «dinossauro político» (é um dos políticos há mais tempo no activo). Parece-me que estamos a abrir um livro que já estava, na minha opinião, definitivamente fechado. Sem necessidade e sem qualquer prudência.

O problema de um «político profissional», nos dias que correm é que nunca se sentem derrotados. Isto podia ser algo louvável, pela putativa coragem de tentar remediar as coisas numa segunda oportunidade. Mas não. Estes nunca se sentem derrotados precisamente porque não podem ser derrotados. Não têm uma ocupação que os preencha fora do palco político. E Santana Lopes é o maior exemplo disto.

Atenção que eu não quero ver Santana Lopes na cova, como muitos que apenas contam com o mediatismo do homem para pôr o PSD na boca dos jornalistas (pensando que com isso conseguem resultados positivos). Pelo contrário, até simpatizo com ele. Não acho que ele seja um tipo execrável. Nem sequer acho que ele seja o tipo de personagem camaleónica que se permite tudo para se agarrar ao poder. Acredito, sinceramente, que o doutor Santana Lopes tem as melhores das intenções quando se envolve na política nacional. Escolheu fazer disto vida? Pois bem, aí entra uma outra questão: O Santana Lopes político.

Esteve na Câmara Municipal de Lisboa e foi o que se viu. Em termos estruturais, nada feito. Em termos orçamentais, o mesmo. A dívida acumulada de sempre. A Feira Popular nem vê-la. O Parque Mayer? Ainda estão por esclarecer os custos do projecto e os próprios contornos do negócio com a Bragaparques. Em 2004, saltou para um governo que se tinha comprometido em atravessar a tempestade (substituindo um Durão Barroso cujo abandono só por si fez o PSD merecer o castigo eleitoral). Tal foi a cegueira e o entusiasmo de se encontrar à frente dos destinos do país que se «esqueceu» de convocar eleições antecipadas, como devia ser sua obrigação. Paradoxalmente, continuo a acreditar que, se estas tivessem sido marcadas imediatamente – por si e não por Jorge Sampaio –, Santana Lopes ainda seria Primeiro-Ministro hoje em dia. Não o fez, acabou humilhado nas urnas.

Façam-se as contas: Pedro Santana Lopes representou uma oportunidade falhada na Câmara Municipal de Lisboa (o que não faz de António Costa um bom sucessor), marcando o início da autodestruição do partido; foi a face da maior derrota do PSD nacional dos últimos dez anos, convencendo apenas 29% dos portugueses que se deram ao trabalho de ir votar, e elegendo apenas 75 deputados em relação aos 105 (leu bem, uma diferença de 30 lugares) de 2002, num dos resultados mais catastróficos do partido; ajudou à destruição, com Menezes, de um partido sério, trabalhador e reformador sob a batuta de Marques Mendes; por fim, ajudou à própria queda de Menezes, ofuscando-o.

Vejamos as coisas de outra forma: Santana fez má obra em Lisboa e arrastou Carmona Rodrigues (que frustrou as minhas esperanças pessoais) consigo; arrastou o PSD para uma expressão ridícula quando se pensa na responsabilidade de oposição que este tem; puxou Marques Mendes para fora, permitindo o surgimento de Menezes; e arrastou Menezes para o seu previsível desaparecimento. Aliás, quando Luís Filipe Menezes escolheu Santana para seu líder parlamentar, acabou o seu «estado de graça». Perdeu o mediatismo, logo – como político de TV que é – perdeu o seu impacto. Manuela Ferreira Leite, ainda que tenha uma visão diferente do que deve ser o trabalho de um líder e de um partido políticos, corre o risco de ir pelo mesmo caminho.

Não tenhamos dúvidas, a escolha que a Distrital de Lisboa, encabeçada por Carlos Carreiras, fez é o espelho de um PSD que existe e sempre existirá. Esta é uma realidade que, legitimamente ou não, existe. O que é importante aqui é reflectir sobre os resultados que um partido «à maneira de Santana» teve nos últimos quatro anos. Foram péssimos e Marques Mendes percebeu isso. Manuela Ferreira Leite também parecia ter percebido isso. Agora está em risco de deitar todo o trabalho feito para a sarjeta se Santana Lopes for o candidato a Lisboa. É voltar a 2005 e mostrar que, afinal, não se está a construir aquela «vida nova» para a Câmara de Lisboa e para o PSD, de que Pacheco Pereira falava na Quadratura do Círculo.

E, por fim, é preciso não menorizar a importância de Lisboa. As fraquezas que o PSD demonstrar nesta corrida a Lisboa são as fraquezas que, nem que seja por «efeito de espelho», serão associadas ao PSD nacional e a Manuela Ferreira Leite.

É que Santana Lopes, por ele próprio, não tem muito a perder. Já perdeu várias vezes e parece voltar sempre em grande, levado em braços, para a surpresa de todos nós, e para o terror de alguns de nós que apenas querem uma gestão pacífica e contida por parte de um governo. Aliás, a vida política do doutor Santana Lopes parece ser sempre uma «win-win situation», na qual ele nunca sai derrotado. Tal como Ronald Reagan dizia: «Politics is not a bad profession. If you succeed there are many rewards, if you disgrace yourself you can always write a book». Eu preferia que ele se ficasse pelo livro.

Serão French Connection

segunda-feira, novembro 10, 2008

Armadilhas da história do PCP

(...) Se a instabilidade dos anos 30 nos dificulta o conhecimento dos sucessivos dirigentes, agora encontramo-nos com a política maniqueísta dos «heróis» e «traidores» tornada actual pelo facto de muitos dos dirigentes do PCP terem iniciado a sua carreira em 1940-1941 e a história da organização ser a partir de então a «sua» história. Passamos a ter dois tipos de informação: uma, positiva, a das «biogradias» dos dirigentes actuais, assim como a dos que morreram «dentro do partido»; outra, negativa, a dos nomes que foram apagados dos registos.

José Pacheco Pereira, «Problemas da história do PCP», em O Fascismo em Portugal, 1982

Barack Zelig

Bruno Alves, no Desesperada Esperança, faz esta comparação certeiríssima de Barack Obama com uma figura (aliás, genial) da história do cinema:

Esse dilema entre ter de escolher entre as consequências de uma política errada ou quebrar as promessas eleitorais é um bom exemplo do principal problema de Obama, que há bastante tempo identifiquei: de certa forma, ele está condenado a desiludir. Ao longo da campanha, ele foi uma espécie de Zelig: ao pé de adeptos de cortes nos impostos, um conservador fiscal, ao pé de um socialista, um redistribuidor de riqueza, ao pé de falcões um deles, junto de pacifistas um defensor do diálogo. Agora, tal como Zelig, Obama vai acabar por criar descontentes em algum lado. Ou quem acreditou na sua retórica proteccionista, ou quem achou que ela não passava de retórica; entre quem defende impostos baixos, ou quem quer redistribuição.

domingo, novembro 09, 2008

Bourne, Jason Bourne

Agora anda tudo louco com o novo James Bond, de Daniel Craig. Tudo bem, os filmes são um ícone e o «novo» 007 é de arromba. Mas é preciso não esquecer que James Bond tem, desde há uns seis anos, um rival importantíssimo na disputa de melhor personagem de acção. É que é preciso não esquecer a excelente surpresa que foi ver Jason Bourne interpretado por Matt Damon. A série dos Bourne é, para mim, uma das melhores de sempre do cinema de acção. Mas sem tuxedo.

Mary Elizabeth Winstead

Se este blog tivesse uma musa poderia ser esta rapariga:

Pátria científica

Num livro já com três décadas de publicação e de «rodagem», vejo um carimbo de biblioteca. Atenção, a publicação da obra data do PREC e o carimbo é da Faculdade de Letras. O carimbo revela a pertença a uma suposta Biblioteca Karl Marx e traz o seguinte lema: Por Uma Cultura Patriótica Científica e de Massas. Até me arrepiei ao ler isto, e não foi da gripe.

sábado, novembro 08, 2008

Uma nota sobre os «políticos modernos»

Um dos elogios que se tem feito a Barack Obama é o de que ele é um «político moderno», de uma suposta «nova América», uma América diferente da que elegeu Bush. Tudo isto é verdade, mas preocupa-me, sobretudo, o epíteto de «político moderno». Porque isto não me parece naturalmente positivo. Veja-se em Portugal o maior exemplo de um «político moderno». Quem é? Exactamente, é José Sócrates.

O «político moderno» não se caracteriza pela ideologia nem pelo conteúdo, mas sim pela forma. O seu grande trunfo é a preparação da imagem, a aposta exaustiva na imagem como «cara» de um regime ou de um conjunto de políticas. Tenta aceder a todos os meios de comunicação para defender a sua imagem e evangelizar seguidores e incréus, e infiltrar aos poucos os contra-poderes para minar a sua oposição ao governo. Se possível, tenta controlar ambos, comunicação e contra-poderes.

Por estas razões, e por muitas outras, é aconselhável repensar esse elogio do «político moderno». Pelo menos, se ainda tivermos esperança nos intervenientes políticos do futuro.

O Maverick e a lição de coragem



John McCain sai de cabeça erguida. Embora eu seja suspeito na análise, já que votaria nele se fosse americano, acho que McCain teve uma campanha honrada e construtiva. Impressionou-me pela positiva e, pela maior visibilidade que teve, fez-me ver que não é apenas o maverick imprevisível e impulsivo que eu pensava que era. Gostava que ele fosse presidente. Olhando para trás, gostava sobretudo que ele tivesse ganho a nomeação em 2000. Poderiam ter sido oito anos melhores. Poderiam. Não sei.

O que sei é que John McCain não tinha o apoio das «grassroots», das bases, que Huckabee tinha. Não tinha o dinheiro de Mitt Romney. Já depois da nomeação, foi visível que não teve os fundos necessários à construção antecipada de uma candidatura forte (ninguém acreditava que fosse ele o candidato nomeado pelos Republicanos), candidatura essa que Obama, se bem me recordo, começou a contruir até em 2004, com as primeiras grandes aparições televisivaws a nível nacional. McCain não teve os fundos nem o apoio logístico e estratégico que George W. Bush teve em 2000 e 2004, nem a «sorte» de ser um possível sucessor de dois mandatos dos Democratas, o que ajuda sempre à rotatividade natural dos partidos. Por fim, John McCain não teve as injecções de fundos que Obama teve, nem tem o carisma que este tem.

Em suma, John McCain não é jovem, não é alto e esbelto, não é «diferente» dos outros fisicamente. Mas mostrou que aos 72 anos o vigor pode ser, praticamente, uma escolha. Esteve de cabeça erguida o tempo todo e deu uma lição de política a bastante gente. E, a não ser que tenha um momento de loucura como Mário Soares teve nas últimas presidenciais, as hipóteses de McCain se candidatar à presidência chegaram ao fim. É pena. Se Obama inspirou tanta gente por ser «jovem» e «diferente», John McCain devia ter inspirado precisamente por ser «velho», de alguma forma isolado nos seus apoios e pela sua coragem. Sei que a mim me impressionou. Fica a lição dada. Merecia mais sorte.

Presidente Obama



O novo presidente dos Estados Unidos da América chama-se Barack Hussein Obama, é negro e inspira as pessoas com o seu discurso, prometendo novamente uma Terra Prometida que já apenas parecia um mito sem fundamento. Poder-se-ia resumir a semana política, e a vitória de Obama, nestas poucas palavras. Até porque, se formos ver com atenção e sem politicamente correcto, não há muito mais. Pelo menos à vista.

O facto de vir do lado democrata ajudou muito. A palavra «Republicano», depois dos dois mandatos de Bush, parece agora mais amarga na boca de muita gente, e poucos se atreveram a proferi-la senão para expressar desilusão. E têm razão. O segundo mandato republicano, principalmente, foi terrivelmente mau, sobretudo a nível interno. Uma desilusão. O orçamento continua de rastos. Uma guerra arrastando-se durante cinco anos no Iraque e, com intensidade intermitente, cerca de sete anos no Afeganistão. Num tom mais geral, uma concentração de poder num «war president» que não agradará a ninguém com cabeça para pensar e que valorize a liberdade acima da segurança. Bush sai mal, quando podia ter saído um herói.

Com isto, dá que pensar: e se McCain tivesse sido o candidato dos Democratas? Eu acredito que teria mais hipóteses. Uma maioria dos americanos queria uma alternativa, e o próprio McCain poderia ter sido uma boa escolha, se puxasse a retórica certa. Assim não aconteceu, e a hora de Obama chegou. Com uma retórica inspiradora para quase toda a gente - e é impossível negar que os discursos tocam muito do essencial do «sonho americano» -, Obama chegou e conquistou. Propõe a união de todos contra os obstáculos e adversidades, assume as suas raízes africanas e parece um tipo honesto, directo e generoso. Incorruptível. Que vai acabar com os males do mundo. O que mais um americano poderia querer? O problema é esse: muito mais.

O presidente Obama que é necessário só a partir de Janeiro poder-se-á mostrar. Nem só de palavras se faz a política. Estas só servem numa campanha. Kennedy abriu mentalidades e portas (mais as primeiras que as segundas) em relação aos direitos civis, mas em relação a tudo o resto é um mito. Por causa do que fez na presidência? Não, pelas suas palavras. Barack Obama, que espero não vir a ser vítima de atentado algum (que morbidamente bastante gente tem vindo a augurar), provavelmente terá de enfrentar a maior das provações num futuro próximo: perder o «estado de graça», em nome do dever de chefe de estado. O que é mau para alguém que ganhou as eleições não por um programa mas precisamente pela simpatia e esperança que inspira. Tanto simpatia como esperança são coisas que não duram muitos anos em Washington. Está Obama preparado para lidar com as críticas? E importante saber.

Um aspecto curioso na questão da «entrada numa nova era da América», expressão que muitos têm cunhado, é que esta só se faz no que concerne à figura de Obama, um self-made man de Chicago, um negro com um nome «pouco americano» (o «árabe» que uma mulher num rally de McCain viu). É bom para os EUA e é uma lição para a superioridade moral da Europa. Mas faltam ainda muitos anos para saber se foi mesmo a escolha certa. E falta saber no que vai diferir ele de Bush. O grande paradoxo disto é o seguinte: em termos de política interna, não havia candidato que «melhor» (pior) seguisse a via de desequilíbrio orçamental que Bush seguiu do que... isso mesmo, o próprio Obama. A levar a cabo metade do que prometeu, a América continuará afogada em dívidas. Já na política externa, limitar-se-á a mexer homens do Iraque para o Afeganistão (é já ali ao lado), aproveitando os recentes e únicos sucessos da campanha no Iraque, conseguidos com base no planeamento dos generais Petraeus e Odierno e, ironicamente, do próprio McCain (sobre este aspecto, é interessante ler este artigo de Bill Kristol).

Mas, enfim, isto é o meu pessimismo a falar. Fico sempre com medo quando o consenso chega à aldeia e alguém é coroado Messias. Na verdade, gostava de ver que estava enganado e que Obama, afinal, é um líder a sério e que está preparado para os desafios que estão no horizonte, que não excluem estar ao lado de nações aliadss em caso de conflito. Embora isto possa implicar que muitos dos que votaram nele na América e quase todos os que votaram «virtualmente» nele deste lado do Atlântico acabem desiludidos. Em parte, é preferível. Como John McCain costuma dizer: «I'd rather lose an election than lose a war». É esse Obama que faz falta não só à América mas também a nós. Que sejam uns quatro anos construtivos, então.

Nota

Peço desculpa aos leitores deste blog pela ausência (leitores, aliás, escassíssimos mas bons e, antes de mais, inteligentes por escolherem visitá-lo). Devido a questões da «casa», de menos tempo em mãos e de acesso mais intermitente à internet, não me tem sido fácil andar por aqui. Promete-se mudar de vida já a seguir.