domingo, dezembro 28, 2008

Banda sonora



Stan Getz & António Carlos Jobim, Their Greatest Hits (2007)

O estado das coisas



A ler Sigmund Freud em época festiva.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Syriana



Syriana (2005, Stephen Gaghan)

Falta de ideias

Eu já nem me surpreendo com a alegria que parece dominar, transversalmente, as fileiras do PSD na última semana, graças à confirmação de Santana Lopes como candidato à Câmara de Lisboa. A maioria do PSD apoiou a troca de um líder competente (Marques Mendes) por um líder incompetente que até mediaticamente, na sua área, falhou (Menezes). Não será inédito, pois, que aplaudam o regresso de um dos homens que destruiu o partido nos últimos quatro anos. Pedro Santana Lopes volta com um sorriso vencedor, que lhe parece ser impossível esconder, batendo o pé à liderança de Manuela Ferreira Leite. É que, como eu já disse recentemente acerca da figura, não é uma questão de não ganhar as eleições autárquicas (acho que, caso o PS não faça uma coligação, até tem grandes hipóteses de ganhar a Câmara), mas sim de voltar a ser uma figura proeminente e representativa de um partido dividido, ou seja, voltando simbolicamente a tempos ainda piores de crise identitária. No PSD, começa a ser óbvia a falta de ideias, de valores e, pior ainda, de um plano para o país. Quando, face ao governo que temos, deveria ser exactamente o PSD a alternativa credível. Não é. E isso só deixa entrever um futuro próximo trágico para os portugueses.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Tratados sobre a família



The Squid and the Whale, (2005, Noah Baumbach)

quinta-feira, dezembro 18, 2008

O teste da liberdade

A liberdade é um problema tremendo. É um teste impiedoso à nossa maturidade, e à nossa qualidade humana. É uma prova sem recurso à nossa generosidade, e à nossa capacidade de trabalho. É um desafio frontal à nossa criatividade, e à nossa dedicação às causas em que acreditamos. É, sem dúvida, um exame decisivo à nossa coragem e à nossa decência. Quando ficamos livres para escolher, temos pela frente um futuro todo em branco onde ainda não estão inscritas regras - e por isso, de repente, não há nada que não seja possível. Nestes momentos-limite, ou estamos bem preparados para lidar com os milhares de opções que se nos deparam e nos mantemos permanentemente atentos ao pulso da sociedade que nos rodeia, ou nos perdemos completamente e acabamos por ficar cilindrados.
Com toda a franqueza, acho que foi isso mesmo que nos aconteceu em trinta anos de experiência democrática.

Clara Pinto Correia, Trinta Anos de Democracia: E Depois, Pronto

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Obrigado por fumar



Um filme excelente.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

O mito do «investimento público»


If taxes are taken from individuals and corporations, and spent in one particular section of the country, why should it cause surprise, why should it be regarded as a miracle, if that section becomes comparatively richer? Other sections of the country, we should remember, are then comparatevely poorer. The thing so great that «private capital could not have built it» has in fact been built by private capital - the capital that was expropriated in taxes (or, if the money was borrowed, that eventually must be expropriated in taxes).

Henry Hazlitt, Economics in One Lesson

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Grécia


Streets like a jungle
So call the police
Following the herd
Down to Greece (...)


Blur, Girls & Boys (1994)

Os deputados e as jantaradas

Não percebo porquê tanto afã com esta questão das faltas dos deputados. Ou melhor, não percebo porque é que se estão a criar duas trincheiras opostas ou porque é que gente com mediatismo ou responsabilidade (algumas vezes, ambos) como Pedro Santana Lopes têm razão para dizer seja o que for a não ser para uma justificação, nos casos em que as há. É que, para mim, é muito simples: quando um trabalhador da Autoeuropa, um professor, um bibliotecário, um assistente de livraria e qualquer outro trabalhador por conta de outrém falta ao trabalho é óbvio que tem de justificar essa ausência, mais não seja pelo respeito pelo bom funcionamento da empresa, oficina ou loja. Agora gente que se justifica, indignada, como tendo estado em jantares na noite anterior «em trabalho político» (o deputado Jorge Neto aparentemente esteve num jantar do Boavista, que é um trabalho político lindo, mesmo à boa maneira portuguesa, misturando política e futebol) fazia melhor em estar calada e ver se começa a responder melhor às responsabilidades. O mínimo que podiam fazer para merecer o ordenado era aparecer lá e ler o jornal. Ao menos compunha o quadro habitual.

O embaixador tranquilo em Havana

Na Visão História (que curiosamente, pouco tem de história mas não deixa de ser interessante) deste mês, dedicada aos 50 anos da revolução castrista em Cuba, a serem completados no próximo dia 1 de Janeiro, vem acoplado um artigo de opinião que me baralhou: eu não sabia se era parte da revista ou se era apenas publicidade, do género da que vem no saco do Expresso. Por via das dúvidas, e porque estava mesmo agarrado à revista, decidi deixá-lo por lá e lê-lo. A razão pela qual fiquei confuso vou passar a explicá-la.

O artigo é assinado pelo antigo embaixador português em Cuba (1999-2004) Alfredo Duarte Costa - que, curiosamente, agora foi designado embaixador em Atenas, em plena «guerra civil» (revela pontaria para se meter em cada trinta e um) - e é das coisinhas mais doces e comoventes que já li acerca de um ditador, neste caso o de Cuba, país e homem sobre os quais o artigo do Duarte Costa versa. Apesar de tudo, as suas primeiras impressões de Fidel Castro como sendo «um homem superiormente inteligente, intuitivo, dotado de grande perspicácia, consciente do carisma que possui» e «acima de tudo, um sedutor» provavelmente estarão inteiramente correctas. Fidel nunca me sugeriu inferioridade intelectual, mas sinceramente Estaline também não. Já acerca da atitude de contemplação que o embaixador deve a Fidel por este ser «afectuoso e cortês» com ele em jantares a dois (talvez fosse o vinho na cabeça do doutor, não sei) e acerca do suposto «sentido de humor», devo dizer que tanto Al Capone como Pinto da Costa são conhecidos por ter piada e por saber ter piada nos momentos certos, quebrando gelo e baixando defesas. Muito bem, Fidel Castro tem o perfil de um psicopata no poder. Excelente. O que tem mais o embaixador Duarte Costa para nos contar?

Diz ele que o povo cubano «não o vê como um ditador, mas como um familiar mais velho, que na maior parte dos casos admira e respeita» e que, surpreendentemente, «não era comum ouvi-los criticar o seu Presidente». Eu sempre tive consciência de que os embaixadores, na sua maioria, são escolhidos para essas posições por não fazerem ondas e por não primarem pela inteligência e sentido crítico, mas esta era demais: um diplomata sem a capacidade de perceber que numa ditadura nunca se vê contestação. Nunca. Pelo menos nada que realmente comprometa o poder e a imagem do poder.

Duarte Costa deve ter chorado de emoção quando escreveu que Fidel viajava num carro velho dos anos 70 e num avião decrépito, que recusou trocar porque «considera que seria inaceitável que se gastassem milhões de dólares na aquisição de uma nova aeronave, quando esse dinheiro pode ser utilizado na compra de medicamentos ou material escolar». É um gesto muito bonito. Por vezes, durante a leitura do artigo, pensei que se escrevia sobre Jesus Cristo ou sobre o Padre Américo.

Todo o artigo é fenomenal como extensão da propaganda oficial de Cuba e poderia estar aqui imenso tempo a dissecá-lo. O embaixador diz que não há «esquadrões da morte» nem tortura, diz que recebeu líderes da oposição e que estes nunca referiram essas torturas e assassinatos (risível se avaliarmos as condições em que vive e «existe politicamente» a possível oposição), diz que não há perseguições a padres e que os homossexuais, longe de ser perseguidos, até são protegidos e que «existe um bairro na capital cubana, perto do Capitólio, onde estes se reúnem e convivem em total liberdade». Isto é só uma hipótese e uma completa especulação, mas este «bairro» soa-me mais a gueto que a outra coisa.

Mas, entre todas estas barbaridades que saíram da caneta de Alfredo Duarte Costa, a que mais me chocou e levou à náusea foi este ter dito que a prostituição existe em Havana, sim, «como em qualquer outra cidade do mundo» mas «em muito menor número» comparativamente (suponho) a essas grandes urbes do mundo desenvolvido. E, o pior de tudo, é o ex-embaixador em Havana dizer isto: «as que recorrem a este tipo de vida são jovens que não querem trabalhar e que aspiram a comprar artigos de luxo, como roupas de marca, perfumes e outros bens de consumo estrangeiros». Que a estupidez fazia parte do carácter do embaixador e do património português que o homem aparentemente levou para Havana já eu tinha percebido, mas não pensei que chegasse a uma atitude que tem tanto de machista como de desumano como de ignorante. Porque ofende centenas ou milhares de pessoas que vivem na miséria. Pessoas que se prostituem por mais uns quantos sabonetes ou bens de consumo alimentar (não esquecer o racionamento) ou mesmo médicas que, por não ganharem o suficiente para se sustentarem a si e às suas famílias, escolhem a via da prostituição (com turistas, suponho) como a única maneira de terem uns dólares ou pesos extra ao fim do mês.

Alfredo Duarte Costa pode ser visto como «doutor» e «Sua Excelência» pela lente institucional, mas de mim não me merece um pingo de respeito. Não por ser amigo de Fidel Castro - já que a amizade, sempre aleatória, não escolhe propriamente o carácter ou a obra - mas por ser completamente cego, ignorante, desumano e desrespeitador do sacrifício que milhões de cubanos têm feito para sustentar, uns com esperança e outros com uma enorme angústia, a «Revolução» de Castro que supostamente lhes traria uma sociedade justa. O antigo embaixador acaba mesmo com uma frase da Grécia clássica que revela bem como o cérebro veio de lá impregnado de propaganda: «é desejável alcançar a felicidade individual, mas é muito mais belo alcançar o bem comum». Do ponto de vista psicológico, é curioso ver como alguém atribui a Fidel Castro um carisma do outro mundo e não se consegue enxergar como uma «vítima» desse carisma, como um apaixonado por Fidel.

Até posso estar a atirar no escuro, mas algo me diz que, se Alfredo Duarte Costa tivesse vivido uns cinquenta ou sessenta anos antes e tivesse sido embaixador na Alemanha de Hitler, teria saído de lá nazi e com uma carteira de pele judaica no bolso, oferta de Adolf, que afinal se tinha revelado uma excelente companhia para jantar. E nunca ninguém disse o contrário. Se calhar Adolf até teria umas piadas giras sobre judeus que animassem uma bela ceia de rosbife com um licor qualquer da Bavária.

Adão e Eva em Cuba

Os habitantes da maior ilha das Caraíbas gostam de dizer que são dos povos com maior sentido de humor da América Latina. E, para o provar, recordam que Adão e Eva eram cubanos: não tinham roupa, andavam descalços, não os deixavam comer maçãs e ainda lhes explicavam que viviam no paraíso.

Filipe Fialho, Visão História (Dezembro 2008)

México



Há algumas semanas atrás assisti a uma pequena palestra de um historiador mexicano sobre o liberalismo no México do século XIX. No final, perante um silêncio ignorante e ensurdecedor, ninguém ousou colocar uma única dúvida em toda aquela mescla de acontecimentos. Eu próprio sou réu nesta situação. As únicas coisas que me vinham à cabeça eram o Nacho Libre (ainda por cima com o Jack Black, que é americano), o Juan Rulfo, o Pancho Villa e uma pergunta deveras pertinente, que obviamente nem passou do cérebro para a boca: «o Zorro existiu mesmo?». Com tudo isto, resta perguntar: o que sabemos mesmo nós do México ou da esmagadora maioria dos países fora da Europa? É bom avaliar antes o nosso conhecimento da história e cultura de outros países quando nos apetecer lançar umas farpas para a suposta «ignorância desses americanos». Ainda que a imagem do México que mais me vem à cabeça quando penso «México» é mesmo a do Nacho Libre. Ignorante me confesso.

Influenza



Os últimos dias tenho-os passado inteiramente dedicado a um «caso» com uma senhora descendente de espanhóis: a gripe. Ou pelo menos assim o parece, pela maneira como se agarrou a mim e não quer sair. O cérebro fica lento e preguiçoso, o corpo fica torpe e envelhecido, o espírito fica bem debilitado e escondido debaixo da pilha de lenços de papel usados. Provavelmente dir-me-ão que é normal, mas a verdade é que já estou farto dela como se tratasse de um familiar que, desde que nasci, me visita algumas vezes por ano e, de uma forma realmente irritante, não me deixa trabalhar enquanto cá está. Embora nunca chegasse a ter asma, em pequeno cheguei a estar algumas vezes com os pés para a cova. Como prémio de sobrevivência, ganhei a capacidade de me tornar num verdadeiro instrumento meteorológico infalível na detecção de mudanças climatéricas. Em suma, se eu fosse Aquiles, o sistema respiratório seria o meu calcanhar. E a prima espanhola, a «influenza», sabe-o.

sábado, dezembro 06, 2008

Estado de natureza

Uma das grandes questões da Humanidade é a de saber se o homem é naturalmente bom ou naturalmente mau. Sempre apostei na segunda - uma crença, aliás, empiricamente confirmada - mas, ao fim de tantos anos, começo a pensar que haverá uma «natureza humana» bastante mais absoluta num outro plano, numa dimensão bastante diferente. Ou seja, não tem nada a ver com intenções, tem a ver com destino: o estado natural do homem é o fracasso. O falhanço. Felicidade e sucesso serão sempre excepções a aplaudir. Vivam segundo as expectativas naturais do ser humano e vão ver que a mó de baixo não virá de forma surpreendente.

Cidre



Cidre fascinava-os e repelia-os no mesmo e mero acto de estar presente, e na obcecada concentração com que o acometiam poderíamos sem dificuldade encontrar semelhanças com o estupro que um hotentote robusto e desinibido inevitavelmente praticará na pessoa esguia duma princesa sueca, se um e outra se encontrarem numa azinhaga à noite, para desgraça de ambos.

Nuno Bragança, Estação

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Banda sonora



Tudo na mesma

Ontem, um dos fiéis de Barack Obama, em comovente profissão de fé, garantiu-me que «a escolha do Gates [secretário de Estado da Defesa actualmente, e futuramente, em funções] foi muito inteligente, porque assim faz com que o problema do Iraque continue com quem o criou». Ora, para além da cegueira óbvia, a afirmação deixa-me a pensar no que se diria se fosse John McCain a tomar essa decisão de manter o secretário de Estado da Defesa. De seguida, curiosamente, e num momento de rara clarividência, quem disse a frase certa no momento certo foi Odete Santos, que se encontrava nas redondezas. Citando Lampedusa, tirou-me as palavras da boca: «É preciso que tudo mude para que tudo fique na mesma». E eu surpreendido, sem querer acreditar que tinha acabado de concordar com Odete Santos.

O estado das coisas

A rir da minha vida.

Entrevista de emprego #2

- Claro que pode ter opiniões! Ora essa... Não pode é expressá-las.

Entrevista de emprego #1

- É filiado em algum partido político? Em qual?

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Chuva purificadora

No suposto dia da independência de Portugal, o céu está cinzento, pouca luz há, e chove como há muitos meses não chovia. Não sou supersticioso nem me considero um crente, mas isto há-de querer dizer alguma coisa, não? Já dizia o perturbado Travis Bickle em Taxi Driver: «Thank God for the rain to wash the trash off the sidewalk». Pense nisto antes de pôr a bandeirinha à janela.

Sobre o Bem e o Mal



PEARL - I'm only human, man.

LELAND - It's funny how people only say that after they do something bad. I mean, you never hear someone say, «I'm only human» after they rescue a kid from a burning building.



The United States of Leland (2003), realizado por Matthew Ryan Hoge

domingo, novembro 30, 2008

O estado das coisas

Odeio o Domingo.

Pacheco Pereira e os bolcheviques portugueses

Das pessoas que lêem os artigos e o blog de José Pacheco Pereira, um número muito menor estará a par da sua produção escrita na área historiográfica (salvando-se daí, é claro, a mais que conhecida biografia de Álvaro Cunhal). E uma minoria ainda mais reduzida terá lido as obras vintage que JPP tem em relação ao movimento operário e às origens dos partidos de extrema-esquerda em Portugal. No entanto, esta faceta é fonte de algumas das mais interessantes investigações e reflexões em redor daquela camada social e daquela fracção do espectro político.

Uma obra nesse conjunto é Questões Sobre o Movimento Operário Português e a Revolução Russa de 1917, uma edição de autor publicada em 1971 no Porto, aparentemente com o apoio da Livraria Júlio Brandão. Não é uma obra prima, e muito menos um volume intensivo sobre o tema. Mas as reflexões aí contidas são centrais para a historiografia dos últimos anos que trata o PCP e a extrema-esquerda. E em especial a tese principal: a de que a Revolução Russa caiu como uma espada no seio do movimento operário, cortando as lutas operárias e sindicalistas (à esquerda da República) em dois grandes grupos, contribundo para o afastamento decisivo entre Bakuninistas e Marxistas, originando o grupo dos chamados «bolchevistas», fortemente influenciados pelo sucesso da Revolução Russa.

A fundamentação ideológica dessa facção vai-se fundamentar na especificidade do caso português, e em especial na participação de Portugal na Grande Guerra, ou, como o JPP de então se referia à mesma, a «guerra imperialista de 1914-18». Ou seja, o movimento operário já de si se opunha «ao serviço militar, ao recrutamento, e à própria existência do exército permanente». Em segundo lugar, as greves que já se haviam multiplicado antes de Sidónio Pais, mas que então se intensificavam sob a «Vida Nova» sidonista. A crise social (por exemplo, com os abastecimentos, problema que já vinha da monarquia) e a agitação operária abalam a estrutura da República e os sindicatos revolucionários ganham um novo fôlego.

Por fim, e nisto JPP vai mais longe do que uma enorme massa de historiadores, Questões Sobre o Movimento Operário... realça a reformulação ideológica dos revolucionários, obrigando à transição de uma unicidade flexível para a cisão profunda entre os «possibilistas» e os «maximalistas» (agrupados na Frente Maximalista Portuguesa), que defendiam precisamente a «máxima força» na luta contra os Republicanos. Já não se defendia a mera luta por melhores condições sociais, mas a total destruição do regime republicano, «injusto» e «burguês» na sua origem, estrutura e reprodução, logo incompatível com qualquer acção política integrada com os operários.

A pequena antologia que JPP inclui é até maior do que o corpo do texto, que é mais um artigo do que um «livro» na verdadeira acepção do termo. Curiosamente, e embora politicamente comprometido (não esquecer que este texto é escrito em 1971, com Pacheco Pereira inspirado pela visão maoísta do mundo), é um interessante texto acerca da Revolução Russa e do movimento operário português sem cair no cliché da dissertação acéfala em redor das «conquistas operárias». No mínimo, é, como eu disse, uma obra vintage que ganha valor com a idade.

Notas sobre o Congresso do PCP



1- a principal derrota do PCP está na incapacidade, por alguns dos seus mais destacados militantes, de se distanciarem das experiências comunistas actualmente em vigor no mundo. Independentemente de se achar que em Cuba, Vietname, China, Laos ou Coreia do Norte há comunismo ou não - já que, ao constatar a tragédia, a defesa ideológica é a de dizer que nunca se «deixou chegar» ao comunismo e por isso falha -, apontar estes regimes como modelos assusta quem, por momentos, decide «dar uma hipótese» ao Partido Comunista (o que nunca seria o meu caso, lembro). Atenção que não invento isto, os ditos «modelos» estão nas teses do XVIII Congresso do PCP. Rejeitar a «tirania» do poder supranacional da UE não pode ser a base de uma defesa da tirania ideológica, e nisto o PCP perde sempre a oportunidade de aplicar alguma subtileza;

2- no entanto, e como diz o Bruno muito bem, «o desprezo [dos jornalistas] pelo PCP apenas leva a não se perceber como Jerónimo de Sousa é eficaz na transmissão da sua mensagem ao eleitorado, e como o PCP irá lucrar com isso nas próximas eleições». E é mesmo, a excelente organização que este Congresso teve (como aliás, costuma ter) e a estratégia inteligente de concentrar intervenções e declarações numa grande «demonstração de força» serão cruciais para a mobilização não só de um eleitorado historicamente fiel mas, sobretudo, de uma nova geração que amadureceu eleitoralmente e politicamente nos últimos 4 anos e já não vê uma «esquerda social» no PS. Acrescento mesmo: os recentes problemas públicos que o Bloco de Esquerda teve com o seu antigo cabeça de lista em Lisboa, José Sá Fernandes, poderão afastar algumas pessoas que não voltarão a «arriscar» votar BE para tentar, desta vez, apostar na agressividade política do PCP. Também acredito que o próximo ano é ano de crescimento eleitoral do PCP;

3- tudo isto é agravado por outra questão: a suposta «crise do capitalismo». A ideia de que a liberdade, e em especial a liberdade económica, tem dado mau resultado nos últimos anos espalhou-se por todo o lado. E, com isto, perdeu-se a memória das experiências comunistas por esse mundo fora. Ainda recentemente, um Colóquio Internacional sobre Karl Marx decorreu na Universidade Nova de Lisboa, não inocentemente aproveitando o recente e eventual «crescendo de interesse» no marxismo. Ou, como se afirmava na apresentação do dito colóquio, era um «debate tanto mais actual, quanto a presente crise financeira e económica do capitalismo global iniciada nos EUA, a mais grave desde o crash de 1929, recoloca a pertinência das abordagens marxistas sobre a economia, a sociedade, as ideologias e a política nas sociedades capitalistas». O que aí virá em 2009, não sei. Que a sorte nos proteja a todos.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Coisas de fazer perder as estribeiras

Escrever um texto enorme directamente no Blogger e, mesmo antes de publicar, com um golpe misterioso do rato, apagar-se tudo.

It was you, Charlie



You don't understand. I could'a had class. I could'a been a contender. I could'a been somebody, instead of a bum, which is what I am, let's face it. It was you, Charlie.

Terry Malloy/Marlon Brando para o irmão Charlie/Rod Steiger em Há Lodo no Cais (On the Waterfront), de Elia Kazan, filme de 1954

terça-feira, novembro 25, 2008

«Síndrome de Truman»

A arte imita a vida? Ou será mais a vida que imita a arte? Esta notícia da CNN abre de par em par a possibilidade da segunda hipótese. Em Nova Iorque, um homem (aparentemente e obviamente, sofre de esquizofrenia) diz que está dentro do reality-show do Truman Show, o famoso, e excelente, filme com Jim Carrey. Atenção: acredita estar dentro do reality-show mesmo, não do filme. Não é propriamente cómico, mas é, no mínimo, peculiar. Um psiquiatra nova-iorquino e outros grupos de investigadores dizem que não é novo.

To be continued

Vejo na CNN que Obama convidou Robert Gates para continuar no seu cargo de Secretário da Defesa. Ora, sem querer aplaudir cinicamente a confirmação das minhas advertências, lembro apenas aos fãs de Obama que o próximo Presidente dos EUA é uma pessoa normal, um mortal, e que, como tal, falha as suas promessas e vive com os pés na terra. E, como já escrevi aqui no blog, o verdadeiro continuador de Bush não poderia ser outro senão Obama, tanto internamente como, inevitavelmente, na política externa. Revendo o background de Robert Gates, é fácil perceber que Gates geriu a CIA no tempo de Reagan, esteve ligado a todas as administrações Republicanas desde os anos 80 e foi Secretário de Estado de George W. Bush, substituindo Donald Rumsfeld. Muitos desconfiados começarão a surgir entre os mais esperançados. Eu, até agora, não me surpreendi.

Revisto



Revi um dos filmes que marcaram a minha infância cinéfila. Não é o Taxi Driver, mas continua a ser um dos meus clássicos, e entre os que mais me impressionaram. Taps (filme de 1981 realizado por Harold Becker) é, sem dúvida, um filme subvalorizado. Começa por se questionar acerca do lugar que os militares de carreira têm nas sociedades modernas e acaba a reflectir sobre a falta que um pai faz no crescimento de um miúdo. Intemporal.

domingo, novembro 23, 2008

A ministra ou o governo?

Mantenho-me fincado na minha tese: Maria de Lurdes Rodrigues é a cara de um pacote de políticas de José Sócrates e vai cair ainda a tempo das eleições, não sem antes as «reformas» na Educação passarem sob grande protesto. Passando ela como a «culpada» de tudo, bastará substitui-la antes das legislativas e Sócrates até surge como o homem que «ouviu o protesto do povo». É que sempre existirão ministros que, a dada altura da legislatura, só servem para isto, para se sacrificarem pela causa. Ministros que, como se diz na gíria, são «para queimar». Não se lembram de Correia de Campos? Se querem culpar alguém desta situação de teimosia, comecem em Maria de Lurdes Rodrigues mas vão mais acima na cadeia hierárquica.

VPV on caffeine



Nunca acharam que o Lewis Black é, no fundo, um Vasco Pulido Valente com uma sobredosagem de cafeína?

As buscas ao domicílio e a produtividade da Administração Interna

Quem, como eu, se interessa pouco por claques de futebol e preferia que elas não existissem (o futebol seria mais são), preocupa-se pouco com o facto de um grupo de elementos de claque serem presos. Não conheço as figuras nem quero conhecer, e não poria as mãos no fogo por nenhuma claque.

No entanto, preocupa-me o estado da justiça em Portugal, o estado das leis e o estado dos direitos e liberdades individuais. E ainda não vi ninguém perguntar-se sobre os contornos das detenções e das buscas que foram feitas a semana passada a cerca de 40 residências pessoais (e sublinho pessoais) de elementos da claque do Benfica No Name Boys. Já que, para fazer buscas a 40 casas, será bom ter a certeza de que havia suspeitas, ou indícios, de algum envolvimento num suposto crime de tráfico de droga (penso que terá sido a razão das buscas). E em quantos casos costumam haver 40 suspeitos?

O facto de os querermos debaixo de olho não invalida o facto de estarmos todos, neste momento, vulneráveis a sermos passados a pente fino pela saúde da chamada «Justiça». Nem que seja apenas para atirar alguma poeira para os olhos e encher os telejornais e tribunais de «trabalho feito». É que o que começa hoje pelos suspeitos do costume, amanhã pode ser alargado a todas as pessoas que estiverem inseridas na comunidade, associação ou empresa errada.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Da ambivalência da liberdade

«O homem é tão pouco feito para a suportar [a liberdade], ou a merecer, que os próprios benefícios que dela recebe o esmagam, e que ela acaba por lhe pesar a ponto de ele preferir aos excessos que ela suscita os do terror.»

E. M. Cioran, História e Utopia

Ainda sobre a deturpação do real

Alguém para mim, ontem, entre sorrisos cínicos: «João, agora aqui só entre nós... mas tu acreditas mesmo que a Ferreira Leite é uma democrata?».

quinta-feira, novembro 20, 2008

Ainda sobre Thoreau e a «desleitura» das ideias

Uma coisa curiosa em relação ao Desobediência Civil, do Thoreau, é a capacidade morfológica que as ideias e frases lá contidas têm para se adaptar à vontade de cada leitor. O livro é um tratado libertário, extremo. Defende uma militância - com o autor a acusar-se a si mesmo de não ter essa atitude - que tem apenas como objectivo impedir que o indivíduo e o próximo não sejam subjugados por qualquer tipo de poder, e que sejam implicados em qualquer tipo de comunidade ou «associação» à qual eles não se integrem voluntariamente. Implicando isto, claro, a total isenção de impostos até saber para que servem esses mesmos impostos que paga, recusando-se a financiar guerras das quais nada sabe e pelas quais não se interessa minimamente. O «espírito» do texto não sai muito disto.

No entanto, os lobos comem os cadáveres. Thoreau está morto há muito e tornou-se um clássico pouco debatido e muito citado. E, já se sabe, quando os lobos atacam, atacam em grupo. O Desobediência Civil tem sido utilizado por liberais (gritando pela defesa da liberdade individual), socialistas (invocando o combate à injustiça), comunistas (pela ideia de luta contra a tirania e o imperialismo), anarquistas (pelo desprezo para com o Estado). Dá para tudo. Não faz mal, tudo bem, o texto de Thoreau é, realmente, inspirador e fica retido na permanência da memória. E é claro que isso nos leva a querer integrá-lo nas nossas concepções políticas e sociais. Mas não será uma contradição, por exemplo, o prefácio do já falecido Manuel João Gomes (que muito respeito pelas traduções que me trouxe de obras cruciais, incluindo Sade e esta mesma obra de Thoreau) no qual ele elogia a crítica que o autor faz ao dinheiro? O problema aqui é que eu não vi tal coisa no texto. Manuel João Gomes também aplaude o desprezo que Thoreau lança aos homens ricos - ah, essa burguesia gorda e ociosa! - que compram a sua liberdade e mancham o dinheiro de sangue. Eu não li o texto assim, onde anda isso?

Os problemas dos clássicos são precisamente esses. São o que nós queremos, tal como Orwell, que dava uma multitiplicidade de outras leituras e de outros posts. Platão, outro. Hobbes, mais um. Nem sei quantos mais autores perderam a identidade ao longo dos tempos. Intelectualmente, nós homens somos ladrões de tumbas.

Do pessimismo antropológico



Emil Cioran é uma figura peculiar. Um dos mais proeminentes pessimistas antropológicos do século XX, e, quem sabe, de toda a História. Um pessimismo que ultrapassa a questão existencial do sentido da vida mas que, ao mesmo tempo, traz um forte elemento de «fuga», psicologicamente falando. Nesse sentido, Cioran é uma personagem freudiana, cuja origem (a mãe preferia ter abortado), mais do que a importância do destino, o marcou profundamente. Politicamente, a identidade andou mais à deriva do que a própria procura de sentido na escrita. No entanto, acima de qualquer outra coisa, Cioran tem uma qualidade que aprecio de forma apaixonada: está-se pouco lixando para isto tudo. Para «isto», a existência. Aliás, a interrogação dele devia estar numa parede em todas as cidades, para que se reflectisse acerca do que cá estamos a fazer: «Será possível que a existência seja o nosso exílio e o nada a nossa casa?».

quarta-feira, novembro 19, 2008

O PS e a luta contra o autoritarismo

Manuela Ferreira Leite resolveu alinhar num estilo mais «irónico» e mais «fresco» e desatou a fazer discursos com graça. Disse que isto (o país) ia bem era com uma suspensão da democracia por seis meses para fazer as reformas todas. Não caiu bem. O comentário era, aparentemente, dirigido ao próprio governo PS e à fricção entre o executivo e algumas associações e sindicatos, em especial no sector da justiça. Manuela Ferreira Leite não costuma fazer piadas e, obviamente, ao tentar fazê-las espalhou-se. Falta de hábito. Não censuro quem ficou confuso. Mas também não censuro a doutora Ferreira Leite, que apenas quis ser ouvida de uma forma inédita e agora se vê a braços com a «indignação» de toda a gente.

Se o PCP, é claro, se arrepiou com as ameaças às velhas «conquistas de Abril» (esta agora, o PCP a criticar uma suspensãozinha da democracia...), o que foi realmente fantástico para mim foi ver o PS a vir debitar a acusação de «cultura autoritária» em relação ao PSD de Manuela Ferreira Leite, aproveitando para culpá-la da suspensão do deputado da Nova Democracia no Parlamento da Madeira. Maquinações de imprensa à parte, fico sobretudo maravilhado com a moralidade de Augusto Santos Silva, Alberto Martins e de um PS que, após quase quatro anos a governar autoritariamente, de forma impune, nos surge agora como bastião da defesa da democracia. Anotem aí para não se esquecerem na altura das eleições: no final de 2009 já o Partido Socialista deu a volta completa ao espectro político e estará na posição de nos salvar, simultaneamente, da «crise financeira» e da «tendência autoritária da direita».

terça-feira, novembro 18, 2008

Rouquidão

Estou rouco. Há quem fique em pânico, e há quem fique incapacitado para fazer a sua vida. Eu não. Eu, quando chego a esta altura do ano e o bicho parece plantar-se de vez na garganta, faço figas para que, ao menos, possa ganhar algo de toda esta situação de constipação. E a única coisa boa é, claro está, a voz rouca. Quando a voz fica rouca, grossa e viril como um chamamento da Natureza, os dias ganham outra luz. Tal como um John Wayne de nariz pingão, posso-me então passear direitinho pela rua, falando mais do que é normal e num tom mais convincente do que é normal. Um homem com voz rouca e grave é sempre ouvido. Raios partam os que a têm, e raios partam o Verão. Pela minha parte, vou aproveitando este par de meses em que transformo, vocalmente, em macho latino.

sábado, novembro 15, 2008

O lugar do justo

Com um governo que prende alguém injustamente, o lugar do homem justo é na prisão.

Henry David Thoreau, A Desobediência Civil

A ver



Hud, filme de Martin Ritt (1963), com Paul Newman no principal papel.

A ouvir

Se não ouviu Bruno Alves e Bernardo Pires de Lima «frente a frente» no Rádio Clube Português, no programa Ao Fim do Dia, já o pode fazer aqui.

O estado das coisas

quinta-feira, novembro 13, 2008

Fado



Já está disponível a Minguante número 12. E um texto meu também.

O eterno retorno de Santana Lopes e a máquina do tempo do PSD



(Publicado no Setúbal na Rede a 13/11/2008)

Manuela Ferreira Leite perdeu, em definitivo, o «estado de graça» normal de um líder recém-eleito. Ao aceitar a hipótese de lançar Santana Lopes na corrida à Câmara de Lisboa, devolveu a este o condão de destruir o partido e voltou no tempo a 2005.

Pedro Santana Lopes tinha os seus dias contados. Eu mesmo, medindo as palavras e a ambiguidade da «aposta», apoiei a decisão da liderança de Menezes de escolher Santana para a liderança parlamentar. Era a escolha óbvia para líder parlamentar «daquele» PSD, com especial apetência para a «política-espectáculo», com fartura de fogo de artifício mas pouca obra feita. Embora com um estilo diferente, o tom de Santana Lopes é o mesmo do autarca de Gaia. Nunca o defendi como candidato a nada. Tal como não defendi Menezes. Pareceu-me salutar para todos que estes dois se «juntassem»: sucesso ou fracasso, preferi que a sua oportunidade fosse uma só, para o PSD e, eventualmente, o país não passarem por isto duas vezes. Daí eu ter tremido quando se falou no nome de Santana Lopes para Setúbal. A Distrital de Lisboa do PSD reabilitou agora este «dinossauro político» (é um dos políticos há mais tempo no activo). Parece-me que estamos a abrir um livro que já estava, na minha opinião, definitivamente fechado. Sem necessidade e sem qualquer prudência.

O problema de um «político profissional», nos dias que correm é que nunca se sentem derrotados. Isto podia ser algo louvável, pela putativa coragem de tentar remediar as coisas numa segunda oportunidade. Mas não. Estes nunca se sentem derrotados precisamente porque não podem ser derrotados. Não têm uma ocupação que os preencha fora do palco político. E Santana Lopes é o maior exemplo disto.

Atenção que eu não quero ver Santana Lopes na cova, como muitos que apenas contam com o mediatismo do homem para pôr o PSD na boca dos jornalistas (pensando que com isso conseguem resultados positivos). Pelo contrário, até simpatizo com ele. Não acho que ele seja um tipo execrável. Nem sequer acho que ele seja o tipo de personagem camaleónica que se permite tudo para se agarrar ao poder. Acredito, sinceramente, que o doutor Santana Lopes tem as melhores das intenções quando se envolve na política nacional. Escolheu fazer disto vida? Pois bem, aí entra uma outra questão: O Santana Lopes político.

Esteve na Câmara Municipal de Lisboa e foi o que se viu. Em termos estruturais, nada feito. Em termos orçamentais, o mesmo. A dívida acumulada de sempre. A Feira Popular nem vê-la. O Parque Mayer? Ainda estão por esclarecer os custos do projecto e os próprios contornos do negócio com a Bragaparques. Em 2004, saltou para um governo que se tinha comprometido em atravessar a tempestade (substituindo um Durão Barroso cujo abandono só por si fez o PSD merecer o castigo eleitoral). Tal foi a cegueira e o entusiasmo de se encontrar à frente dos destinos do país que se «esqueceu» de convocar eleições antecipadas, como devia ser sua obrigação. Paradoxalmente, continuo a acreditar que, se estas tivessem sido marcadas imediatamente – por si e não por Jorge Sampaio –, Santana Lopes ainda seria Primeiro-Ministro hoje em dia. Não o fez, acabou humilhado nas urnas.

Façam-se as contas: Pedro Santana Lopes representou uma oportunidade falhada na Câmara Municipal de Lisboa (o que não faz de António Costa um bom sucessor), marcando o início da autodestruição do partido; foi a face da maior derrota do PSD nacional dos últimos dez anos, convencendo apenas 29% dos portugueses que se deram ao trabalho de ir votar, e elegendo apenas 75 deputados em relação aos 105 (leu bem, uma diferença de 30 lugares) de 2002, num dos resultados mais catastróficos do partido; ajudou à destruição, com Menezes, de um partido sério, trabalhador e reformador sob a batuta de Marques Mendes; por fim, ajudou à própria queda de Menezes, ofuscando-o.

Vejamos as coisas de outra forma: Santana fez má obra em Lisboa e arrastou Carmona Rodrigues (que frustrou as minhas esperanças pessoais) consigo; arrastou o PSD para uma expressão ridícula quando se pensa na responsabilidade de oposição que este tem; puxou Marques Mendes para fora, permitindo o surgimento de Menezes; e arrastou Menezes para o seu previsível desaparecimento. Aliás, quando Luís Filipe Menezes escolheu Santana para seu líder parlamentar, acabou o seu «estado de graça». Perdeu o mediatismo, logo – como político de TV que é – perdeu o seu impacto. Manuela Ferreira Leite, ainda que tenha uma visão diferente do que deve ser o trabalho de um líder e de um partido políticos, corre o risco de ir pelo mesmo caminho.

Não tenhamos dúvidas, a escolha que a Distrital de Lisboa, encabeçada por Carlos Carreiras, fez é o espelho de um PSD que existe e sempre existirá. Esta é uma realidade que, legitimamente ou não, existe. O que é importante aqui é reflectir sobre os resultados que um partido «à maneira de Santana» teve nos últimos quatro anos. Foram péssimos e Marques Mendes percebeu isso. Manuela Ferreira Leite também parecia ter percebido isso. Agora está em risco de deitar todo o trabalho feito para a sarjeta se Santana Lopes for o candidato a Lisboa. É voltar a 2005 e mostrar que, afinal, não se está a construir aquela «vida nova» para a Câmara de Lisboa e para o PSD, de que Pacheco Pereira falava na Quadratura do Círculo.

E, por fim, é preciso não menorizar a importância de Lisboa. As fraquezas que o PSD demonstrar nesta corrida a Lisboa são as fraquezas que, nem que seja por «efeito de espelho», serão associadas ao PSD nacional e a Manuela Ferreira Leite.

É que Santana Lopes, por ele próprio, não tem muito a perder. Já perdeu várias vezes e parece voltar sempre em grande, levado em braços, para a surpresa de todos nós, e para o terror de alguns de nós que apenas querem uma gestão pacífica e contida por parte de um governo. Aliás, a vida política do doutor Santana Lopes parece ser sempre uma «win-win situation», na qual ele nunca sai derrotado. Tal como Ronald Reagan dizia: «Politics is not a bad profession. If you succeed there are many rewards, if you disgrace yourself you can always write a book». Eu preferia que ele se ficasse pelo livro.

Serão French Connection

segunda-feira, novembro 10, 2008

Armadilhas da história do PCP

(...) Se a instabilidade dos anos 30 nos dificulta o conhecimento dos sucessivos dirigentes, agora encontramo-nos com a política maniqueísta dos «heróis» e «traidores» tornada actual pelo facto de muitos dos dirigentes do PCP terem iniciado a sua carreira em 1940-1941 e a história da organização ser a partir de então a «sua» história. Passamos a ter dois tipos de informação: uma, positiva, a das «biogradias» dos dirigentes actuais, assim como a dos que morreram «dentro do partido»; outra, negativa, a dos nomes que foram apagados dos registos.

José Pacheco Pereira, «Problemas da história do PCP», em O Fascismo em Portugal, 1982

Barack Zelig

Bruno Alves, no Desesperada Esperança, faz esta comparação certeiríssima de Barack Obama com uma figura (aliás, genial) da história do cinema:

Esse dilema entre ter de escolher entre as consequências de uma política errada ou quebrar as promessas eleitorais é um bom exemplo do principal problema de Obama, que há bastante tempo identifiquei: de certa forma, ele está condenado a desiludir. Ao longo da campanha, ele foi uma espécie de Zelig: ao pé de adeptos de cortes nos impostos, um conservador fiscal, ao pé de um socialista, um redistribuidor de riqueza, ao pé de falcões um deles, junto de pacifistas um defensor do diálogo. Agora, tal como Zelig, Obama vai acabar por criar descontentes em algum lado. Ou quem acreditou na sua retórica proteccionista, ou quem achou que ela não passava de retórica; entre quem defende impostos baixos, ou quem quer redistribuição.

domingo, novembro 09, 2008

Bourne, Jason Bourne

Agora anda tudo louco com o novo James Bond, de Daniel Craig. Tudo bem, os filmes são um ícone e o «novo» 007 é de arromba. Mas é preciso não esquecer que James Bond tem, desde há uns seis anos, um rival importantíssimo na disputa de melhor personagem de acção. É que é preciso não esquecer a excelente surpresa que foi ver Jason Bourne interpretado por Matt Damon. A série dos Bourne é, para mim, uma das melhores de sempre do cinema de acção. Mas sem tuxedo.

Mary Elizabeth Winstead

Se este blog tivesse uma musa poderia ser esta rapariga:

Pátria científica

Num livro já com três décadas de publicação e de «rodagem», vejo um carimbo de biblioteca. Atenção, a publicação da obra data do PREC e o carimbo é da Faculdade de Letras. O carimbo revela a pertença a uma suposta Biblioteca Karl Marx e traz o seguinte lema: Por Uma Cultura Patriótica Científica e de Massas. Até me arrepiei ao ler isto, e não foi da gripe.

sábado, novembro 08, 2008

Uma nota sobre os «políticos modernos»

Um dos elogios que se tem feito a Barack Obama é o de que ele é um «político moderno», de uma suposta «nova América», uma América diferente da que elegeu Bush. Tudo isto é verdade, mas preocupa-me, sobretudo, o epíteto de «político moderno». Porque isto não me parece naturalmente positivo. Veja-se em Portugal o maior exemplo de um «político moderno». Quem é? Exactamente, é José Sócrates.

O «político moderno» não se caracteriza pela ideologia nem pelo conteúdo, mas sim pela forma. O seu grande trunfo é a preparação da imagem, a aposta exaustiva na imagem como «cara» de um regime ou de um conjunto de políticas. Tenta aceder a todos os meios de comunicação para defender a sua imagem e evangelizar seguidores e incréus, e infiltrar aos poucos os contra-poderes para minar a sua oposição ao governo. Se possível, tenta controlar ambos, comunicação e contra-poderes.

Por estas razões, e por muitas outras, é aconselhável repensar esse elogio do «político moderno». Pelo menos, se ainda tivermos esperança nos intervenientes políticos do futuro.

O Maverick e a lição de coragem



John McCain sai de cabeça erguida. Embora eu seja suspeito na análise, já que votaria nele se fosse americano, acho que McCain teve uma campanha honrada e construtiva. Impressionou-me pela positiva e, pela maior visibilidade que teve, fez-me ver que não é apenas o maverick imprevisível e impulsivo que eu pensava que era. Gostava que ele fosse presidente. Olhando para trás, gostava sobretudo que ele tivesse ganho a nomeação em 2000. Poderiam ter sido oito anos melhores. Poderiam. Não sei.

O que sei é que John McCain não tinha o apoio das «grassroots», das bases, que Huckabee tinha. Não tinha o dinheiro de Mitt Romney. Já depois da nomeação, foi visível que não teve os fundos necessários à construção antecipada de uma candidatura forte (ninguém acreditava que fosse ele o candidato nomeado pelos Republicanos), candidatura essa que Obama, se bem me recordo, começou a contruir até em 2004, com as primeiras grandes aparições televisivaws a nível nacional. McCain não teve os fundos nem o apoio logístico e estratégico que George W. Bush teve em 2000 e 2004, nem a «sorte» de ser um possível sucessor de dois mandatos dos Democratas, o que ajuda sempre à rotatividade natural dos partidos. Por fim, John McCain não teve as injecções de fundos que Obama teve, nem tem o carisma que este tem.

Em suma, John McCain não é jovem, não é alto e esbelto, não é «diferente» dos outros fisicamente. Mas mostrou que aos 72 anos o vigor pode ser, praticamente, uma escolha. Esteve de cabeça erguida o tempo todo e deu uma lição de política a bastante gente. E, a não ser que tenha um momento de loucura como Mário Soares teve nas últimas presidenciais, as hipóteses de McCain se candidatar à presidência chegaram ao fim. É pena. Se Obama inspirou tanta gente por ser «jovem» e «diferente», John McCain devia ter inspirado precisamente por ser «velho», de alguma forma isolado nos seus apoios e pela sua coragem. Sei que a mim me impressionou. Fica a lição dada. Merecia mais sorte.

Presidente Obama



O novo presidente dos Estados Unidos da América chama-se Barack Hussein Obama, é negro e inspira as pessoas com o seu discurso, prometendo novamente uma Terra Prometida que já apenas parecia um mito sem fundamento. Poder-se-ia resumir a semana política, e a vitória de Obama, nestas poucas palavras. Até porque, se formos ver com atenção e sem politicamente correcto, não há muito mais. Pelo menos à vista.

O facto de vir do lado democrata ajudou muito. A palavra «Republicano», depois dos dois mandatos de Bush, parece agora mais amarga na boca de muita gente, e poucos se atreveram a proferi-la senão para expressar desilusão. E têm razão. O segundo mandato republicano, principalmente, foi terrivelmente mau, sobretudo a nível interno. Uma desilusão. O orçamento continua de rastos. Uma guerra arrastando-se durante cinco anos no Iraque e, com intensidade intermitente, cerca de sete anos no Afeganistão. Num tom mais geral, uma concentração de poder num «war president» que não agradará a ninguém com cabeça para pensar e que valorize a liberdade acima da segurança. Bush sai mal, quando podia ter saído um herói.

Com isto, dá que pensar: e se McCain tivesse sido o candidato dos Democratas? Eu acredito que teria mais hipóteses. Uma maioria dos americanos queria uma alternativa, e o próprio McCain poderia ter sido uma boa escolha, se puxasse a retórica certa. Assim não aconteceu, e a hora de Obama chegou. Com uma retórica inspiradora para quase toda a gente - e é impossível negar que os discursos tocam muito do essencial do «sonho americano» -, Obama chegou e conquistou. Propõe a união de todos contra os obstáculos e adversidades, assume as suas raízes africanas e parece um tipo honesto, directo e generoso. Incorruptível. Que vai acabar com os males do mundo. O que mais um americano poderia querer? O problema é esse: muito mais.

O presidente Obama que é necessário só a partir de Janeiro poder-se-á mostrar. Nem só de palavras se faz a política. Estas só servem numa campanha. Kennedy abriu mentalidades e portas (mais as primeiras que as segundas) em relação aos direitos civis, mas em relação a tudo o resto é um mito. Por causa do que fez na presidência? Não, pelas suas palavras. Barack Obama, que espero não vir a ser vítima de atentado algum (que morbidamente bastante gente tem vindo a augurar), provavelmente terá de enfrentar a maior das provações num futuro próximo: perder o «estado de graça», em nome do dever de chefe de estado. O que é mau para alguém que ganhou as eleições não por um programa mas precisamente pela simpatia e esperança que inspira. Tanto simpatia como esperança são coisas que não duram muitos anos em Washington. Está Obama preparado para lidar com as críticas? E importante saber.

Um aspecto curioso na questão da «entrada numa nova era da América», expressão que muitos têm cunhado, é que esta só se faz no que concerne à figura de Obama, um self-made man de Chicago, um negro com um nome «pouco americano» (o «árabe» que uma mulher num rally de McCain viu). É bom para os EUA e é uma lição para a superioridade moral da Europa. Mas faltam ainda muitos anos para saber se foi mesmo a escolha certa. E falta saber no que vai diferir ele de Bush. O grande paradoxo disto é o seguinte: em termos de política interna, não havia candidato que «melhor» (pior) seguisse a via de desequilíbrio orçamental que Bush seguiu do que... isso mesmo, o próprio Obama. A levar a cabo metade do que prometeu, a América continuará afogada em dívidas. Já na política externa, limitar-se-á a mexer homens do Iraque para o Afeganistão (é já ali ao lado), aproveitando os recentes e únicos sucessos da campanha no Iraque, conseguidos com base no planeamento dos generais Petraeus e Odierno e, ironicamente, do próprio McCain (sobre este aspecto, é interessante ler este artigo de Bill Kristol).

Mas, enfim, isto é o meu pessimismo a falar. Fico sempre com medo quando o consenso chega à aldeia e alguém é coroado Messias. Na verdade, gostava de ver que estava enganado e que Obama, afinal, é um líder a sério e que está preparado para os desafios que estão no horizonte, que não excluem estar ao lado de nações aliadss em caso de conflito. Embora isto possa implicar que muitos dos que votaram nele na América e quase todos os que votaram «virtualmente» nele deste lado do Atlântico acabem desiludidos. Em parte, é preferível. Como John McCain costuma dizer: «I'd rather lose an election than lose a war». É esse Obama que faz falta não só à América mas também a nós. Que sejam uns quatro anos construtivos, então.

Nota

Peço desculpa aos leitores deste blog pela ausência (leitores, aliás, escassíssimos mas bons e, antes de mais, inteligentes por escolherem visitá-lo). Devido a questões da «casa», de menos tempo em mãos e de acesso mais intermitente à internet, não me tem sido fácil andar por aqui. Promete-se mudar de vida já a seguir.

quinta-feira, outubro 30, 2008

Bond, James Bond

No Telegraph, pode-se ler a crítica de Tim Robey ao novo filme de James Bond, Quantum of Solace.

Petição na rádio



Também na rádio, mas desta vez no Rádio Clube Português do Porto, em parceria com o PortugalDiário, pode ouvir, no programa PoDTec (com o jornalista Filipe Caetano), Rui Garrido, um dos principais subscritores da petição contra os chips nas matrículas que decorre há cerca de dois meses e que já conta com quase 1.600 assinaturas neste momento. O podcast está disponível para ouvir aqui. A primeira parte do programa de 23 de Outubro é dedicada a um português que compôs a banda sonora de um videojogo internacional. A petição referida continua online e a angariar assinantes em:

www.ipetitions.com/petition/siev.

Descubra as diferenças

O link a partir deste blog vai muito atrasado, mas já se pode ouvir aqui a estreia do meu caro amigo Bruno na Rádio Europa, no programa Descubra as Diferenças de 10 de Outubro. Com ele estão André Abrantes Amaral, Paulo Pinto Mascarenhas e Antonieta Lopes da Costa. O programa está dividido em duas partes: a primeira pode ouvir aqui, a segunda aqui.

terça-feira, outubro 21, 2008

Bend of the River



Jimmy Stewart em Bend of the River, de Anthony Mann (1952). Um pequeno mimo para os devotos do western.

quinta-feira, outubro 16, 2008

Before the Devil knows you're dead



Sidney Lumet (por quem nutro especial estima) voltou, finalmente, às bases do seu cinema com o excelente Before The Devil Knows You're Dead. Juntando-lhe os ingredientes de um bom film noir (acho que não é apenas a minha obsessão com Fargo que fez com que me lembrasse do filme dos Coen o tempo todo), da vulnerabilidade trágica do Sonny (Al Pacino) de Dog Day Afternoon, do delírio psicótico de Sal (John Cazale) no mesmo filme, da terrível hubris da tragédia grega, de Sófocles e, claro, do inegável saber técnico de um mestre do cinema como Lumet temos um filme que é uma lição de como realizar um filme.

Podia, de facto, ser melhor. Podia ser um filme imaculado. Mas falta ali um pequenino nada, que não sei explicar o quê, que poderia dar o estatuto de perfeição à película. Ainda assim, resultou num momento inesquecível de cinema, que conta, igualmente, com quatro actores dirigidos de forma magistral: Ethan Hawke (uma convincente fragilidade), Philip Seymour Hofman (e o seu domínio da imprevisibilidade da personagem), Albert Finney (uma confiança e uma energia admiráveis) e Marisa Tomei (transpirando sedução por todos os poros). Um dos candidatos aos Óscares. Um dos meus favoritos do ano, pelo menos.

segunda-feira, outubro 13, 2008

A ler

No New York Times, William Kristol acha que ainda há uma hipótese de John McCain recuperar, e defende que é hora de este arriscar tudo:

He has nothing to lose. His campaign is totally overmatched by Obama’s. The Obama team is well organized, flush with resources, and the candidate and the campaign are in sync. The McCain campaign, once merely problematic, is now close to being out-and-out dysfunctional. Its combination of strategic incoherence and operational incompetence has become toxic. If the race continues over the next three weeks to be a conventional one, McCain is doomed.

He may be anyway. Bush is unpopular. The media is hostile. The financial meltdown has made things tougher. Maybe the situation is hopeless — and if it is, then nothing McCain or his campaign does matters.

But I’m not convinced by such claims of inevitability. McCain isn’t Bush. The media isn’t all-powerful. And the economic crisis still presents an opportunity to show leadership.

O estado das coisas



De mãos cheias.

terça-feira, outubro 07, 2008

Passos em falso

Pode -se ler no Sol: Portugal reconhece independência do Kosovo.

O politicamente correcto agora aplicado às Relações Internacionais, a par da falta de coerência e de franqueza.

Das esperas

Há um episódio de Seinfeld que consiste em 25 minutos de espera por uma mesa e apenas nisso. Eu acho que esperar 25 minutos por uma mesa é sempre uma comédia (e sei que 25 nem é muito nalguns sítios). Sou da opinião de que devemos esperar o tempo que seja necessário por uma mulher bonita ou por um presidente francês decente. Mas não por um bife tártaro.

Pedro Mexia, Primeira Pessoa

Este país não é para velhos



Vi, finalmente, No Country for Old Men, dos irmãos Cohen (uma pessoa próxima de mim é que costuma perguntar: porque se portam eles como se fossem apenas um?). É provavelmente um dos cinco melhores filmes desde 1990 e um dos melhores de sempre, sem exagero. A atenção oscarizada foi toda para Javier Bardem - de facto, uma interpretação tenebrosamente intensa e intensamente tenebrosa - mas as boas interpretações não se esgotam no espanhol. Tommy Lee Jones - um dos meus actores preferidos - e Josh Brolin também estão como peixes na água neste filme. Já para não falar no fio narrativo de cortar a respiração, dando um incontornável clima de suspense a uma história que, à maneira de Cormac McCarthy, nos deixa colados à cadeira com um misto de voyeurismo sádico e de medo. Definitivamente, aquele país não é para velhos. Um filme brilhante.

Uma desgraça

A ler o artigo do Bruno sobre a escolha de Pedro Santana Lopes para se (re)candidatar à Câmara de Lisboa. Concordo com tudo o que é dito, absolutamente. Ferreira Leite brinca com o fogo. O que é estranho é que a doutora sabe que tipos de fogos costumam sair da contenção e causar uma desgraça.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Conto

Já está disponível na Letrário Editora um conto meu intitulado A Grande Depressão, mais longo do que o habitual. Pode ser lido aqui ou aqui.

Onde está Paul Reiser?



Serei eu o único com alguma curiosidade para saber por onde anda Paul Reiser? Lembram-se dele? Era o tipo que «casou» com Helen Hunt em Mad About You, uma das melhores séries do género «room mate» que já passaram na televisão (bate Friends por K.O., e de olhos fechados). Era um tipo com piada, não só no nervosismo cómico com tiques de Woody Allen, mas também na criação de uma série, e de um texto (embora não escrevesse na totalidade nem sozinho), com bastante inteligência. Sabem por onde ele anda? Se ainda houver fãs, está aí em cima o e-mail para os textos laudatórios ou de protesto ao talento do homem.

segunda-feira, setembro 29, 2008

Da vida interior de um homem senil



- O senhor não deseja chá?
«Para ele, os patrões têm de beber chá todas as manhãs, tem gosto pela ordem». pensou Ivan Ilitch, e limitou-se a responder:
- Não.
- O senhor não deseja sentar-se no divã?
«Precisa de arrumar o quarto e eu estorvo-o. Represento a desordem, a porcaria», pensou, e disse apenas:
- Não, podes ir-te embora.


Lev Tolstoi, A Morte de Ivan Ilitch

domingo, setembro 28, 2008

Leituras

A Fortaleza Escondida



As primeiras impressões que ficam são decisivas. No caso de A Fortaleza Escondida (1958, Kakushi-toride no san-akunin no original), filme de Akira Kurosawa, as influências que exerceu sobre outras obras posteriores aparecem bem reveladas. Ao ler alguns artigos críticos da obra, a evidência é inegável: George Lucas inspirou-se fortemente em A Fortaleza Escondida para fazer o seu inaugural Star Wars. em 1977. Assim que o filme começa, Tahei e Matakishi deambulam pelos devastados campos da guerra entre senhores que grassava então. Discutem e procuram, cautelosamente, um rumo. A discussão tem um carácter cómico, uma espécie de interacção à Odd Couple, na qual dois amigos inseparáveis se ofendem mutuamente e atiram as culpas da situação um ao outro. O resultado é francamente uma relação de comic-relief para qualquer filme. Onde é que esta relação também surge? Exactamente, em Star Wars, com a amizade entre os dróides C3PO e R2D2, que, não sendo protagonistas, levam a sua sorte e o seu azar ao colo daqueles que serão os verdadeiros protagonistas e, ao mesmo tempo, levam o público ao encontro do enredo, dos verdadeiros acontecimentos.

Tahei e Matakishi são dois pobres desgraçados que venderam tudo o que tinham para se poderem armar, equipar e preparar para a guerra. Um deles leva o outro a acreditar na ideia que isto os levaria a enriquecer, o que não acontece. É daí que nasce a verdadeira dinâmica «amor-ódio», que por vezes resulta em gargalhadas dignas de um Chaplin, Keaton ou Laurel & Hardy, com bastante mímica à mistura. É nessa viagem sem rumo que se cruzam com o general Rokurota Makabe (mais uma interpretação impressionante te Toshirô Mifune), um guerreiro fora do normal com uma honra e uma coragem igualmente fora do normal, capaz de combater contra dezenas de homens ao mesmo tempo. Mais tarde, cruzando-se com a princesa Yuki, embarcam numa viagem que comporta riscos, responsabilidades e poderes bem maiores do que eles, fora do seu alcance. Afinal de contas, Tahei e Matakishi só se interessam pelo ouro que podem levar para casa, não pelo futuro da princessa e da sua casa real, e esse aspecto de anti-heróis dá algum equilíbrio ao enredo.

A Fortaleza Escondida é um filme mais comercial. Mas, comparação invertida, Star Wars também o é, e não deixa por isso de ser um filme de culto. Rokurota é um guerreiro demasiado bom para ser verdade? Sim, sem dúvida, mas quem nos diz que não havia, e até há bem pouco tempo, esse desequilíbrio de abilidade entre adversários no Japão? Só quem conheça. Kurosawa tem filmes melhores, maqis complexos e mais carregados de moral? Parece-me que sim, mas também me parece que aqui Kurosawa decidiu conscientemente embarcar num projecto mais comercial, mais acessível e, de certa forma, mais rentável para si e para a produtora. Resulta bem. Tem boas interpretações, boas personagens (gostei muito da dinâmica entre Tahei e Matakishi), um texto a alternar entre o épico e o cómico (grandes produções com Star Wars e Lord of the Rings apostam nessa dicotomia também) e, nunca esquecer, uma técnica espantosa de fazer cinema por parte do mestre Akira Kurosawa. Até as simples mudanças de cena são plagiadas por George Lucas, o que nos deixa a pensar se não deveria ser obrigatório ir «roubar» a Kurosawa elementos que garantissem, ao menos, a qualidade de novos projectos. Em pouco tempo, saíndo do desconhecimento quase total, passei a fã do realizador japonês. Mas, com uma obra como a dele, acho que é impossível não se ser.

sábado, setembro 27, 2008

Paul Newman (1925-2008)



Paul Newman pertence a um lote de actores aos quais nunca apontarei defeitos. É um dos grandes, dos verdadeiramente Grandes de Hollywood, que soube deixar a sua marca indelével na indústria, no imaginário e, sobretudo, na memória do público. Deixa muitos fãs - eu sou um deles -, mas deixa, sobretudo, sem dúvida, muitos amigos no meio. Soube envelhecer e tornar-se mais do que um velhote simpático, soube tornar-se um senhor. Depois de Marlon Brando, poucos conseguiram imprimir um verdadeiro carácter sexual à sua figura dramática. Passaram por cá James Dean, Steve McQueen, Bogart e outros, mas Paul Newman sobrevivia como o último grande «sex-symbol» de (na minha opinião) uma das épocas douradas de Hollywood. Era um homem, um «Homem com H grande» e isso definia a sua presença em frente às câmaras.

Deixou-nos o inesquecível Eddie Felson de The Hustler (1961) e The Colour of Money (1986), dois dos meus filmes favoritos, o segundo sendo uma sequela feita por Scorsese naquele que é uma das mais brilhantes revitalizações de uma personagem da história do cinema. Deixou-nos Cool Hand Luke (1967), um belo filme e um simpático herói outlaw. A mim, impingiu-me uma ou duas boas aparições do mal-amado Robert Redford (não aprecio) em The Sting (1973), recuperando a aura de Eddie Felson e profetizando a sequela de Scorsese, e em Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969). Entre os vários westerns que protagonizou, marcou a estreia de Arthur Penn na realização de longas metragens com The Left Handed Gun (1958), um western simpático mas ainda sem a perfeição de Bonnie and Clyde que Penn viria a demonstrar. Não são menos bem sucedidas as suas transições para personagens mais sérias, mais estabelecidas, como aconteceu com Frank Galvin em The Verdict (1982), trabalhando com Sidney Lumet, ou mesmo na sua última grande aparição no grande écrã, em Road to Perdition (2002) de Sam Mendes.

Paul Newman foi, era, é para mim um dos mais perfeitos actores de sempre do cinema. As personagens todas levam algo de si. Os filmes perdem muita da sua mediocridade quando Newman entra em cena. Qualquer argumento pobrezinho passa despercebido quando interpretado por Newman, cuja energia e sexualidade enchia o écrã sem grande esforço. Paul Newman não precisava, aliás, de falar muito para chamar a atenção. Nisso é tão bom quanto McQueen. Mas não é algo que se aprenda, é algo que se tem. Pouco outros actores não desapareciam à entrada do Eddie Felson. Scorsese sabia isso e massacrou Tom Cruise/Vincent em The Colour of Money. As opções políticas de Paul Newman pouco me interessam. Até poderia ter sido um Presidente Democrata. Interessa-me o seu legado em Hollywood, e a maneira simpática como se relacionou com o mundo, fora do show-biz. O maior elogio que se lhe pode fazer é mesmo reconhecer isto: que ele foi um dos verdadeiros Grandes do cinema. E que, com os filmes e personagens que nos deixa, é certo que, em Hollywood, Paul Newman nunca morrerá.

quinta-feira, setembro 25, 2008

Bronco Billy



Há filmes que valem, sobretudo, pela mensagem, pelo espírito que se tenta transmitir. A mensagem de Bronco Billy (Clint Eastwood, 1980) fica à vista de todos nesta frase de «Running Water», uma das personagens:

Don't you understand what Bronco Billy and the Wild West Show are all about? You can be anything you want. All you have to do is go out and become it!

quarta-feira, setembro 24, 2008

The Boxer

Brecht e o medo



Bertolt Brecht é um daqueles escritores, artistas ou criadores que criam, em certas pessoas, um sentimento ambivalente. Em mim, por exemplo. Para mim, Brecht era um idiota. Mas também um excelente dramaturgo.

Terror e Miséria do Terceiro Reich (que, aliás, li numa tradução de António Conde que me parece muito bem conseguida) é um exemplo desse domínio da «arte» dramática. Um conjunto de cenas dramáticas sem qualquer relação entre si que não seja o facto de se passarem todas na Alemanha dos anos 30. É preciso saber muito bem o que importa no teatro. Escrever uma peça tem um elemento altruísta que não é necessariamente importante num romance. Enquanto num romance os dilemas e conflitos pessoais se desenvolvem interiormente num ritmo próprio, numa peça é preciso «falar» com o público. É preciso um elemento real no desenvolvimento desses conflitos, se os houverem. Ou seja, enquanto no romance é a definição da personagem ou do narrador que interessa, no teatro é importante, antes de mais, cativar o público. «Entretê-lo», se for caso disso. Como alguém me disse uma vez: escrevemos um romance para nós mesmos, mas uma peça escreve-se sempre para o público.

Brecht consegue o efeito de, sem apostar na profundidade das personagens, criar situações metafóricas ou com algum humor negro que, pela ironia, acabam representando uma mensagem moral. Não há uma solução ao problema criticado, mas sim a demonstração de um ridículo ou de uma imoralidade. Há qualquer coisa de tragicamente cómico, por exemplo, na cena «O bufo», em que um casal, assustado com o clima de purgas e denúncias que grassa na Alemanha, de repente vê o filho adolescente sair porta fora sem avisar. «Onde foi ele?», perguntam-se assustados. Começam então a atirar hipóteses para o ar e, pouco depois, entram em pânico: «MARIDO: Um Judas, é isso o que é o filho que tu me deste! Está sentado à mesa a ouir, enquanto come a sopa que lhes pomos à frente, e regista tudo o que os progeniores dizem, o bufo!». No final da cena, batem à porta e ambos ficam lado a lado, arrepiados, e o marido com a honrosa Cruz de Ferro já posta ao pescoço. A porta abre-se e é o filho. «O Rapaz aponta para o saco com o chocolate», e a cena acaba com os pais em dúvida.

Um dos grandes temas de Terror e Miséria do Terceiro Reich é, precisamente, o terror, o medo. E é isso que fica bem patente nas dinâmicas entre as personagens, receosas de serem denunciadas até pelos próprios filhos, sem poder confiar ninguém e obrigados a fingir que a Alemanha está bem.

Mas Brecht é, apesar de tudo isto, uma personagem estranha, sombria. O próprio «método» é duvidoso, pela despersonalização das personagens que passeiam pelas suas peças. A mensagem é mais importante do que tudo o resto, e pode assim esmagar qualquer manifestação do Eu, quer seja do escritor, quer seja de uma personagem. Picasso tinha uma interpretação parecida na sua criação artística: o objecto não interessa, as pessoas que eram retratadas deixavam de ser humanas quando passavam à tela. Brecht tem uma leitura semelhante.

No entanto, as cenas resultam muito bem. Os diálogos não são forçados e é raro haver um discurso irreal. Nota-se medo, ainda que de uma forma caricata, muitas das vezes. Ou seja, é representativo, mas não demasiado dramático. Brecht escreve bem e de forma fluida. É mais comum no teatro do que noutros géneros de ficção, mas, ainda assim, Bertolt Brecht soube deixar a sua marca neste tipo de relação com o público. Fica a revelação: não é um autor genial, a não ser que se se identifica muito com o homem a nível ideológico. No entanto, tal como com Bernard Shaw, é preciso esquecer a figura para apreciar as inegáveis qualidades estéticas da obra.

segunda-feira, setembro 22, 2008

Do talento



Tina Fey