As primeiras impressões que ficam são decisivas. No caso de A Fortaleza Escondida (1958, Kakushi-toride no san-akunin no original), filme de Akira Kurosawa, as influências que exerceu sobre outras obras posteriores aparecem bem reveladas. Ao ler alguns artigos críticos da obra, a evidência é inegável: George Lucas inspirou-se fortemente em A Fortaleza Escondida para fazer o seu inaugural Star Wars. em 1977. Assim que o filme começa, Tahei e Matakishi deambulam pelos devastados campos da guerra entre senhores que grassava então. Discutem e procuram, cautelosamente, um rumo. A discussão tem um carácter cómico, uma espécie de interacção à Odd Couple, na qual dois amigos inseparáveis se ofendem mutuamente e atiram as culpas da situação um ao outro. O resultado é francamente uma relação de comic-relief para qualquer filme. Onde é que esta relação também surge? Exactamente, em Star Wars, com a amizade entre os dróides C3PO e R2D2, que, não sendo protagonistas, levam a sua sorte e o seu azar ao colo daqueles que serão os verdadeiros protagonistas e, ao mesmo tempo, levam o público ao encontro do enredo, dos verdadeiros acontecimentos.
Tahei e Matakishi são dois pobres desgraçados que venderam tudo o que tinham para se poderem armar, equipar e preparar para a guerra. Um deles leva o outro a acreditar na ideia que isto os levaria a enriquecer, o que não acontece. É daí que nasce a verdadeira dinâmica «amor-ódio», que por vezes resulta em gargalhadas dignas de um Chaplin, Keaton ou Laurel & Hardy, com bastante mímica à mistura. É nessa viagem sem rumo que se cruzam com o general Rokurota Makabe (mais uma interpretação impressionante te Toshirô Mifune), um guerreiro fora do normal com uma honra e uma coragem igualmente fora do normal, capaz de combater contra dezenas de homens ao mesmo tempo. Mais tarde, cruzando-se com a princesa Yuki, embarcam numa viagem que comporta riscos, responsabilidades e poderes bem maiores do que eles, fora do seu alcance. Afinal de contas, Tahei e Matakishi só se interessam pelo ouro que podem levar para casa, não pelo futuro da princessa e da sua casa real, e esse aspecto de anti-heróis dá algum equilíbrio ao enredo.
A Fortaleza Escondida é um filme mais comercial. Mas, comparação invertida, Star Wars também o é, e não deixa por isso de ser um filme de culto. Rokurota é um guerreiro demasiado bom para ser verdade? Sim, sem dúvida, mas quem nos diz que não havia, e até há bem pouco tempo, esse desequilíbrio de abilidade entre adversários no Japão? Só quem conheça. Kurosawa tem filmes melhores, maqis complexos e mais carregados de moral? Parece-me que sim, mas também me parece que aqui Kurosawa decidiu conscientemente embarcar num projecto mais comercial, mais acessível e, de certa forma, mais rentável para si e para a produtora. Resulta bem. Tem boas interpretações, boas personagens (gostei muito da dinâmica entre Tahei e Matakishi), um texto a alternar entre o épico e o cómico (grandes produções com Star Wars e Lord of the Rings apostam nessa dicotomia também) e, nunca esquecer, uma técnica espantosa de fazer cinema por parte do mestre Akira Kurosawa. Até as simples mudanças de cena são plagiadas por George Lucas, o que nos deixa a pensar se não deveria ser obrigatório ir «roubar» a Kurosawa elementos que garantissem, ao menos, a qualidade de novos projectos. Em pouco tempo, saíndo do desconhecimento quase total, passei a fã do realizador japonês. Mas, com uma obra como a dele, acho que é impossível não se ser.
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