quarta-feira, setembro 24, 2008
Brecht e o medo
Bertolt Brecht é um daqueles escritores, artistas ou criadores que criam, em certas pessoas, um sentimento ambivalente. Em mim, por exemplo. Para mim, Brecht era um idiota. Mas também um excelente dramaturgo.
Terror e Miséria do Terceiro Reich (que, aliás, li numa tradução de António Conde que me parece muito bem conseguida) é um exemplo desse domínio da «arte» dramática. Um conjunto de cenas dramáticas sem qualquer relação entre si que não seja o facto de se passarem todas na Alemanha dos anos 30. É preciso saber muito bem o que importa no teatro. Escrever uma peça tem um elemento altruísta que não é necessariamente importante num romance. Enquanto num romance os dilemas e conflitos pessoais se desenvolvem interiormente num ritmo próprio, numa peça é preciso «falar» com o público. É preciso um elemento real no desenvolvimento desses conflitos, se os houverem. Ou seja, enquanto no romance é a definição da personagem ou do narrador que interessa, no teatro é importante, antes de mais, cativar o público. «Entretê-lo», se for caso disso. Como alguém me disse uma vez: escrevemos um romance para nós mesmos, mas uma peça escreve-se sempre para o público.
Brecht consegue o efeito de, sem apostar na profundidade das personagens, criar situações metafóricas ou com algum humor negro que, pela ironia, acabam representando uma mensagem moral. Não há uma solução ao problema criticado, mas sim a demonstração de um ridículo ou de uma imoralidade. Há qualquer coisa de tragicamente cómico, por exemplo, na cena «O bufo», em que um casal, assustado com o clima de purgas e denúncias que grassa na Alemanha, de repente vê o filho adolescente sair porta fora sem avisar. «Onde foi ele?», perguntam-se assustados. Começam então a atirar hipóteses para o ar e, pouco depois, entram em pânico: «MARIDO: Um Judas, é isso o que é o filho que tu me deste! Está sentado à mesa a ouir, enquanto come a sopa que lhes pomos à frente, e regista tudo o que os progeniores dizem, o bufo!». No final da cena, batem à porta e ambos ficam lado a lado, arrepiados, e o marido com a honrosa Cruz de Ferro já posta ao pescoço. A porta abre-se e é o filho. «O Rapaz aponta para o saco com o chocolate», e a cena acaba com os pais em dúvida.
Um dos grandes temas de Terror e Miséria do Terceiro Reich é, precisamente, o terror, o medo. E é isso que fica bem patente nas dinâmicas entre as personagens, receosas de serem denunciadas até pelos próprios filhos, sem poder confiar ninguém e obrigados a fingir que a Alemanha está bem.
Mas Brecht é, apesar de tudo isto, uma personagem estranha, sombria. O próprio «método» é duvidoso, pela despersonalização das personagens que passeiam pelas suas peças. A mensagem é mais importante do que tudo o resto, e pode assim esmagar qualquer manifestação do Eu, quer seja do escritor, quer seja de uma personagem. Picasso tinha uma interpretação parecida na sua criação artística: o objecto não interessa, as pessoas que eram retratadas deixavam de ser humanas quando passavam à tela. Brecht tem uma leitura semelhante.
No entanto, as cenas resultam muito bem. Os diálogos não são forçados e é raro haver um discurso irreal. Nota-se medo, ainda que de uma forma caricata, muitas das vezes. Ou seja, é representativo, mas não demasiado dramático. Brecht escreve bem e de forma fluida. É mais comum no teatro do que noutros géneros de ficção, mas, ainda assim, Bertolt Brecht soube deixar a sua marca neste tipo de relação com o público. Fica a revelação: não é um autor genial, a não ser que se se identifica muito com o homem a nível ideológico. No entanto, tal como com Bernard Shaw, é preciso esquecer a figura para apreciar as inegáveis qualidades estéticas da obra.
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