segunda-feira, abril 30, 2007

20

Dou dez a quinze toques na bola com o calcanhar. A menina olha. Esforço-me mais um bocado e dou vinte toques na bola com o calcanhar. Esqueço-me dos livros.

[Paulo Ferreira]

1927, Domingo



Passo o dia inteiro a projectar-me à distância. Quem me procurar o olhar, não o encontra.

- Henri Michaux, Equador

[Paulo Ferreira]

domingo, abril 29, 2007

Da natureza masculina



«O verdadeiro macho, por natureza, é desconfiado.»

- Zezé Camarinha, daqui*

*documentário genial, diga-se de passagem

[João Carlos Silva]

sábado, abril 28, 2007

Leitura

Não tente mais me contaminar com a tua febre, me inserir no teu contexto, me pregar tuas certezas, tuas convicções e outros remoinhos virulentos que te agitam a cabeça. Pouco se me dá, paula, se mudam a mão de trânsito, as pedras do calçamento ou o nome da minha rua, afinal já cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho, dou-lhe o meu silêncio.

- Raduan Nassar, Menina a Caminho

[Paulo Ferreira]

Dia 26

Na quarta-feira, dia 25 de Abril e feriado, um café em Setúbal abriu normalmente. Era um dos únicos a fazê-lo, aliás. E o proprietário, reputado salazarista, alegara não saber que aquele dia era feriado. Deixou bem claro: «hoje é dia 26».

[João Carlos Silva]

The Man

Muitos riram quando viram, há dias, Bush dançar num evento da luta contra a malária. Essa simplicidade é praticamente a razão pela qual não gostam dele. Curiosamente, é essa a razão pela qual gosto eu dele.

[João Carlos Silva]

A linguagem dos animais com medo

Assoprava ele, piava o outro, ladrava o sargento Leandro por ordem, ordem, e mais ordem. A linguagem dos animais com medo.
«Ordem ou vai tudo raso.»


- José Cardoso Pires, O Hóspede de Job

[João Carlos Silva]

Sucesso

Num anúncio de televisão, muito moralista, querem fazer as crianças estudar por mais anos e mais afincadamente. Para conseguir isso, passaram a mensagem: «se estudares muito muito, podes ser igual ao Pedro Abrunhosa». Ao menos, punham outro exemplo. Quem quer estudar uma vida inteira para se parecer com um chulo?

[João Carlos Silva]

Do acto de falhar



Costuma-se dizer que um editor é um escritor falhado. Assim como um bom treinador nunca pode ter sido um bom jogador de futebol. Mas quando me lembro de Manuel Hermínio Monteiro, e da sua Assírio & Alvim, penso: ainda bem que há pessoas que falham. Gosto de acreditar que o que um homem tem para dar nunca acaba desperdiçado.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, abril 27, 2007

Bush

Ai mãe, tenho um Bush no estômago!

Ai pai, apaga a luz que o Bush vem aí!

Ai Deus, apaga todos os ateus!

Isto a propósito do antiamericanismo de alguns (que, claro, é antibushismo).

[Paulo Ferreira]

Falhados e acertados

Por falar em escritores falhados, lembro-me de alguns escritores acertados. Não me apetece dar nomes.

[Paulo Ferreira]

Artigo 8º

Tolera-se a censura de pensamentos femininos em matérias amorosas.

[Paulo Ferreira]

Tremoço

Infelizmente, o coração humano não vem coberto por uma casca.

[Paulo Ferreira]

O amor

Ela só fazia o amor. Não era mulher para amor só ( sem «o»).

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, abril 26, 2007

Mil e dois

Foi no post número mil e dois que disse foda-se para isto.

[Paulo Ferreira]

Eterno retorno

Está disponível no Setúbal na Rede um novo artigo da minha pessoa, intitulado «O Eterno Retorno de Salazar». A qualidade do artigo, ironicamente (e por coincidência) publicado a 26 de Abril, não é muita, mas fica a intenção. O mote é este: «O concurso "Os Grandes Portugueses" parece ter dado que falar a toda a gente. Aliás, pessoas que já deviam estar com um pé na cova ganharam novo alento para lutar contra um arqui-inimigo há muito enterrado.»

[João Carlos Silva]

1000

Este é o post número mil.

[a Gerência]

quarta-feira, abril 25, 2007

Busca

Chegou algum leitor a este espaço através da busca «Cinema Paraíso» no Google. Aviso: aqui não se poderá encontrar o Tão jovens e já chupam no estica.

[Paulo Ferreira]

Quem arranca de noite o coração do peito



Quem arranca de noite o coração do peito deseja a rosa.
Pertencem-lhe a sua folha e o seu espinho.
A esse põe ela a luz no prato,
com o seu sopro enche-lhe os copos,
só para ele sussurram as sombras do amor.
Quem arranca de noite o coração do peito e o arremessa ao alto:
não falha o alvo,
apedreja a pedra,
a esse bate-lhe o sangue fora do relógio,
o tempo faz-lhe soar na mão a sua hora:
pode brincar com bolas mais bonitas
e falar de ti e de mim.


- Paul Celan, Sete Rosas Mais Tarde

[João Carlos Silva]

Nota

Anna Akhmátova: acmeísmo.

[Paulo Ferreira]

Crucificação

1.

Os céus fundiram-se em fogo e um coro
de anjos glorificou a grande hora.
Disse ao pai: «Por que me abandonaste?»
E à mãe: «Não chores por mim, não chores...»


2.

Madalena convulsa se agita.
O discípulo dilecto está de pedra.
Mas olhar aonde se pousa a Mãe,
silenciosa, ninguém se atreve.

- Anna Akhmátova, Só o Sangue Cheira a Sangue

[Paulo Ferreira]

Molero

«Molero esteve lá», disse Austin, «e comprou uns sapatos de pele não sei de quê que absorvem a transpiração e a largam depois num aroma de essência de cravos. São os sapatos C-68 para jardineiro adiado».

- Dinis Machado, O Que Diz Molero

[Paulo Ferreira]

Uma lufada

O Que Diz Molero de Dinis Machado é, sem dúvida alguma, um excelente livro. Tudo o que tinha ouvido dizer acerca da obra, acabei por confirmar com os próprios olhos. É realmente uma lufada de ar fresco, uma pedrinha no charco, uma coisa doce, uma coisa suave, tem temperos beckettianos, tem perfumes rachmaninovianos. Não encontrei rasto de um certo orwellianismo no escrito de Dinis Machado. Não. Na obra não se fala de incêndios. Há um tal Molero que diz muitas coisas mas que nunca fala. Austin e Mister DeLuxe, as duas personagens que mais dão com a boca no trombone, encarregam-se disso. Falam, lêem, citam, espantam-se. Genial. Molero é um tipo que escreve um relatório e que corre meio mundo à procura de um rapaz. Cansa-se. Não o encontra. Beckettianismo puro e duro. Quem não se lembra de Molloy! Uma obra a ser traduzida para português. Definitivamente.

[Paulo Ferreira]

25 de Abril

A minha fase libertária esteve para acontecer mas, por pouco, não aconteceu. Fui assistir ao espectáculo dos Irmãos Catita na Comuna e, transpirando que nem um porco, desfaleci.

[Paulo Ferreira]

O «sex appeal» do poder



Havia um elemento fortemente sexual na imagem de Hitler, dizem, no culto da sua personalidade. A figura do Führer, verdadeiramente do líder, comportava também o simbolismo do poder sexual. Frequentes foram os casos das mulheres que escreviam a Hitler pedindo: «faz-me um filho». No retiro bávaro de Hitler (em Berchtesgaden), aliás, era igualmente normal ver mulheres fazerem fila para comer a gravilha que o Führer acabava de pisar. Vá-se lá entender as orientações do «sex appeal».

[João Carlos Silva]

Estranhas formas de vida

Para além de ter apoiado (ou ainda apoiar, no seu íntimo) José Bové na corrida às presidenciais francesas, e de defender que Ribeiro e Castro ainda está vivo, Bruno Alves veio agora afirmar que Boris Yeltsin foi a melhor coisa que aconteceu à Rússia no século XX. A ler, com escândalo, no Desesperada Esperança.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, abril 23, 2007

O bem e o mal

Manuel Tiago deve ser, sem dúvida, o pseudónimo menos arisco da história da literatura. Pouco acrescenta ao universo da literatura, pouco nos dá de inteligência na escrita, raramente nos surpreende. No entanto, é pela sua previsibilidade, e pela proximidade óbvia do universo mental que Cunhal queria formar, que merece sempre uma vista de olhos. Na órbita do neo-realismo, não se pode ir mais fundo no pensamento comunista do que com Manuel Tiago. A divisão é linear e cega entre «bons» e «maus», onde todos os pais de família são operários são comunistas são bons homens são heróis. Se há um destes que não é boa pessoa, é um «bufo» e, obviamente, não é comunista - não se «junta à luta». A divisão quase infantil entre quem pratica o bem lutando e quem pratica o mal denunciando os mártires à PIDE é de louvar. Desta forma, Manuel Tiago também. Fica um revelador excerto final de um conto, de levar às lágrimas o líder do PNR:

«Esperando obras, a "Sala 3" ficou deserta. Mais fria e mais triste. Pela ausência de um exaltante colectivo de homens perseguidos mas confiantes no futuro. E porque os pombos deixaram de voar até às janelas gradeadas por não mais aí encontrarem mãos amigas oferecendo pão.»

- Manuel Tiago, Sala 3 e outros contos

[João Carlos Silva]

Gato preto, gato branco


Boris Yeltsin (1931-2007)

[Paulo Ferreira]

Cansado

Andar, andar, andar, até chegar a uma feira do livro no Largo Camões. Gastar vários euros. Calor. Ir suado a um hotel de cinco estrelas para beber uma cerveja. Dormir a meio da tarde. Acordar ao fim da tarde. Ler Dinis Machado.

[Paulo Ferreira]

Solidão final

Eis que, porém, depois de todas as negações, depois da falência de todas as formas de uma pacificação, o homem descobre enfim que está só.

- Vergílio Ferreira, Carta ao Futuro

[Paulo Ferreira]

domingo, abril 22, 2007

Inteligência

Em A Guerra como Experiência Interior, Ernst Jünger faz uma importante pergunta: o que é a inteligência do cérebro, comparada com a do coração?

[Paulo Ferreira]

Gato

O gato arranhou-me o polegar da mão direita e eu não me deixei ficar: mordi-lhe a pata direita. Ele tentou ser mais teimoso e mordeu-me o nariz. Enrolámo-nos. Ficou sem pêlo e eu sem jeito.

[Paulo Ferreira]

sábado, abril 21, 2007

Fanatismo

Com o jornal Público de 17 de Abril, um excelente livrinho de Amos Oz veio atrás. Contra o Fanatismo (How to Cure a Fanatic, no original, com um título menos desengraçado) traz três ensaios muito inteligentes sobre o conflito. Não só sobre a guerra israelo-palestiniana e a irresolução do problema, mas sobre os próprios conflitos entre as pessoas. Sobre o espaço de cada um de nós. Não demasiado original nas propostas, mas muito sensato na compreensão dos homens. Em suma, a visão de um escritor sobre a vida em Israel. Merece a leitura. Fica um dos muitos excertos memoráveis:

«Com muita frequência, os Árabes, inclusive alguns escritores árabes com sensibilidade, não conseguem ver-nos - a nós, Judeus Israelitas - como realmente somos: um punhado de refugiados e sobreviventes meio histéricos, perseguidos por pesadelos horríveis, traumatizados não só pela Europa como também pelo tratamento recebido nos países árabes e islâmicos. Metade da população de Israel é constituída por gente empurrada de países árabes e islâmicos. Israel é, de facto, um imenso campo de refugiados judeus. Metade dos Judeus são, na realidade, refugiados de países árabes.»

[João Carlos Silva]

Palavra para um desfecho

Bullet.

[Paulo Ferreira]

Do final


Seria muito mais fácil morrer se ninguém de nós gostasse, se ninguém se importasse com o desaparecimento de um só indivíduo. Seria muito mais fácil colocar um ponto final à vida se não existisse a ilusão de que alguém se importa ou quer importar. Seria muito mais fácil pôr termo a tudo se não gostássemos dos que vivem.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, abril 20, 2007

Palavras para pensar IV

Reca num cortelho.

[João Carlos Silva]

Palavra para pensar III

Pitéu.

[João Carlos Silva]

Palavra para pensar II

Melena.

[João Carlos Silva]

Palavra para pensar I

Saltillo.

[João Carlos Silva]

Espectador

«Olhava os seres estranhos com a curiosidade dum espectador. Muito embora às vezes eles comessem a isca e sujassem no anzol, nem por isso deixava de se rir como um perdido, se o caso o merecia. No fundo, era um imaginativo sem imaginação. E aplaudia incondicionalmente a dos outros, mesmo quando fazia figura de asno.»

Miguel Torga, Novos Contos da Montanha

[João Carlos Silva]

quarta-feira, abril 18, 2007

Nota

Quem disser que a natureza é indiferente às dores e preocupações dos homens, não sabe de homens nem de natureza.

- José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis

[Paulo Ferreira]

terça-feira, abril 17, 2007

Léxico

Cafiaspirina: café + aspirina.

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas



Medicação com efeitos inspirados nas aparições de Fátima.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, abril 16, 2007

Jornalismo criativo

Uma palavra de apreço por Vítor Belanciano, jornalista do Público, que me devolveu o gosto de ler reportagens sobre assuntos mais mundanos. Um excelente narrador. Um exemplo de criatividade inofensiva. Só assim se compreende o interesse com que li a reportagem sobre o assalto à mão armada em Benavente e sobre o «dia seguinte», entre «as gentes de Benavente», no dia 9 de Abril.

[João Carlos Silva]

domingo, abril 15, 2007

Dar

Quando dás, esperas receber. Se dás e não esperas receber, és um idiota. Um exemplo de idiota: um lírico (leia-se apaixonado).

[Paulo Ferreira]

René Rémond (1918-2007)

Apesar de L'Introduction à l'histoire de notre temps (1974) me ter matado várias vezes, aqui fica o registo da morte da personalidade.

[Paulo Ferreira]

sábado, abril 14, 2007

Comprado, lido e enfiado na estante



Um cheirinho de Segredos do Reino Animal, de Helder Moura Pereira:

Passou por nós este tempo todo, a coisa
ridícula do estão-a-tocar-a-nossa-canção
desaba sobre nós como um trovão.
Passa-nos uma coisa pela cabeça e
lá vamos nós de cabeça meter-nos
na boca do lobo, atirar ao próprio pé,
meter um golo na própria baliza.


[Paulo Ferreira]

Édipo

Quando me doem os olhos e ao mesmo tempo me dói a memória, penso no rei Édipo e no seu castigo.

[Paulo Ferreira]

Cinco contos

Se tivesse pegado numa nota de cinco contos e ta tivesse dado para as mãos, talvez «isto» agora fosse mais que nada.

[Paulo Ferreira]

Razão

Uma coisa que me leva a ser cristão é a ideia de que o Fim será a cura de todos os males.

[Paulo Ferreira]

Distância 3


Por mais que se quisessem mexer, não se conseguiam aproximar.

[Paulo Ferreira]

Distância 2

Ele com insónias, ela a dormir como uma rocha de vinte toneladas.

[Paulo Ferreira]

Distância

Ele com o seu telemóvel ligado, ela com o seu telemóvel desligado.

[Paulo Ferreira]

Do amor 2

Quem foi o primeiro filho sem pais (o primeiro de todos)?

[Paulo Ferreira]

Do amor

Quem foi o primeiro homem? A primeira mulher? O primeiro filho?

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, abril 13, 2007

Aborrece

Saber que Helder Moura Pereira não lançará um livro todos os meses. No entanto, Segredos do Reino Animal já dá para a despesa.

[Paulo Ferreira]

De uma sms de amor poético

«Não posso fazer nada por ti.»

[Paulo Ferreira]

Nota

Uma pergunta: como poderá alguém dizer que amou, se o verbo só pode ter a sua aplicação no presente?

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, abril 12, 2007

Visão

Junto a uma fábrica de pão, um monte de entulho, escória e sucata. Crianças meio mortas de fome andam à procura de pedaços de pão. Encontram uma granada de shrapnel. Brincam com ela. A granada explode.

- Karl Kraus, Os Últimos Dias da Humanidade

[Paulo Ferreira]

Olhos que cegaram


A ler, a entrevista a Luiz Pacheco, por Miriam Assor. No Correio da Manhã.

[João Carlos Silva]

Da bala


Karl Kraus

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, abril 11, 2007

Pessimismo antropológico

Morrer de amores pelo cão. Confiar-lhe a chave de casa.

[João Carlos Silva]

Minguante nº 5

A Minguante nº5 está já, há bastantes dias, disponível online. Com qualidade cada vez mais melhor. Excepção feita a um texto meu, que também aparece neste número.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, abril 09, 2007

Intervalo

Ela queria pôr o coração a sestear.*

*Por motivos de falta de inteligência, roubei a palavra a esta senhora.

[Paulo Ferreira]

Raça

A depressão tem cor e tem cheiro. Chega a ter verniz nas unhas dos pés.

[Paulo Ferreira]

Mandamento

Fácil seria se o mandamento apenas te obrigasse a amares os teus amigos. Ama os teus inimigos. Outra vez. Ama os teus inimigos. Não pegues numa pedra de arremesso.

[Paulo Ferreira]

Justaposição

Um coração colado a outro coração não faz uma soma de um e um igual a um, que é como quem diz que um homem apaixonado nunca se poderá ver a ele próprio nos olhos de outra pessoa que não veja a sua paixão como ele a vê.

[Paulo Ferreira]

sábado, abril 07, 2007

Emprestar

Se achas que não vais gostar, não peças emprestado.

[Paulo Ferreira]

Verbo ir

Eu vou, tu vais. Ele vai. Se ele for, não irei (sabendo que irás).

Ele sempre foi, tu sempre foste, eu fui algumas vezes. Agora já não vou.

[Paulo Ferreira]

Entre a gente imbecil

Éramos, no café, entre a gente imbecil,
Apenas nós os dois adeptos do tal vil
Vício de ser «pró-macho»; e com simulação
Ríamo-nos do parvo, ar de bonacheirão,
De seus amores normais, com a moral à coca.
Punhetas mil fazendo, a desbastar a moca,
À bruta, à tripa-forra, e nisso apostados,
Plo fumo do cachimbo apenas meio velados
(Assim como Hero outrora a copular com Zeus),
As nossas piças, quais pencas e Karrogheus
Assoados à mão, aprazível limpeza,
Em jactos de langonha espirravam sob a mesa.


Paul Verlaine, Hombres*

*(trad. por Luiza Neto Jorge)

[João Carlos Silva]

O delírio simbolista



Paul Verlaine (1844-1896), algures na sua vida, perdera a noção da barreira moral. Na vida como na poesia. Caída essa barreira, entrou num mundo estético que estava quase por descobrir. Cada imagem violenta que compunha soava como música. Quase como, normalmente, acontecia com a própria vida de um grande escritor.

[João Carlos Silva]

Um haiku para Paul Verlaine

Verlaine a Rimbaud:
tudo pelo
deslumbre

[João Carlos Silva]

Demonstração de força

A ver este video no Last Breath, que me pôs a rir durante minutos a fio.

[João Carlos Silva]

Ataquem-nos, por favor

A ler o artigo de Victor Davis Hanson, na National Review Online, acerca da relação do Irão com a União Europeia e, inevitavelmente, com a grande potência americana. Hanson tem uma visão ligeiramente diferente da generalidade das pessoas, defendendo a tese do calculismo planeado do governo iraniano. A premissa? O rapto diabólico dos marinheiros britânicos. Fica aqui um excerto significativo (com sublinhados meus):

«It’s probably a good rule to do the opposite of anything the Iranian theocracy wants. Apparently, this government is now doing its darnedest to be bombed. So, for the time being, we should not grant them this wish.

(...)

What should we make of the Iranians’ behavior?

Namely that the country’s leadership is in deep political trouble. The Iranian government is desperate to provoke the West to win back friends in the Islamic world, and to quell growing unrest at home. Subsidizing food and gas, providing billions for terrorists and building nukes all cost money at a time when the state-run Iranian economy is in shambles.

Because of incompetence in their oil industry, the Iranian mullahs have achieved the impossible: Despite having among the world’s largest petroleum reserves, their production is shrinking and they have managed to earn increasingly less petrodollars even as the world price has soared.

While the Iranian theocrats understand that the entire world, including many of their own citizens, is turning against them, they also know that this could change if a Western nation would just attack them. Their strategy seems to be to find a way to provoke someone to drop a few bombs on them, on the naive assumption that such an assault would be of limited duration and damage. Such an attack, they may figure, would earn them sympathy in much of the world .

It is undeniable that the U.S., without either invading or suffering many casualties, could use its air power to send the Iranian economy and military back to the mullahs’ cherished seventh century. But there is no need to do so.

Instead, if the EU would cease all its trade with Iran, and if the West would divest entirely from the country — that is, boycott all companies that do any business with Tehran — the theocracy would face bankruptcy within months.

Even if further escalation were warranted, we could at some future date enforce a naval blockade of the Iranian coast that alone would determine what goods would be allowed into this outlaw regime.

But bomb Iran?»


[João Carlos Silva]

quarta-feira, abril 04, 2007

Insulto III

Boa pessoa: manso

Manso: corno

Corno: apaixonado

Apaixonado: burro

[João Carlos Silva]

Insulto II

Depois de dizer que um homem é boa pessoa, pode-se insultar de tudo esse homem. Pouco depois, reafirma-se: «mas é boa pessoa».

[João Carlos Silva]

Insulto I

O pior insulto que se pode fazer a um homem é dizer-lhe: és muito boa pessoa.

[João Carlos Silva]

Richard III



JOSÉ SÓCRATES
A horse! A horse! My kingdom for a horse!

PORTUGUESES
Withdraw, my lord. I'll help you to a horse.

[João Carlos Silva]

Lobby de pressão

Diz-se por aí que o Tiago já perdeu a aposta. O Força de Estilo já está de rastos.

[João Carlos Silva]

terça-feira, abril 03, 2007

Sítio ideal

Pelo que descobri, a Ota é um sítio curioso. Se Portugal fosse uma ditadura sul-americana, a Ota seria, provavelmente, o sítio escolhido para fuzilamentos políticos. Como vivemos sob um governo do Partido Socialista, é o sítio «ideal» para fazer um aeroporto novo. Muito bem.

[João Carlos Silva]

Uma ilusão

Ia escrever uma espécie de manifesto contra a dra. Odete Santos. Pedindo que alguém me explicasse o fascínio que esta mulher exerce sobre uma boa parte da população. Pedindo a alguém que me prove que ela não anda sempre com duas ou três aguardentes no bucho quando aparece na televisão ou no Parlamento. Sobretudo, gostava que alguém me explicasse o orgulho que ela é para «as mulheres» - o mais inexplicável de tudo, tendo em conta que, se eu fosse mulher, só na fase má do mês a tomaria como exemplo. Trazia todas essas questões na ponta da língua para explaná-las aqui. Mas depois, ao procurar uma imagem condizente da doutora, encontrei esta e abdiquei do manifesto.



[João Carlos Silva]

Uma desilusão



Ribeiro e Castro desiludiu-me. Eu gostava dele, da figura, pensei que seria uma lufada de ar fresco na direita portuguesa. Pensava que era mais importante ter um líder, de um partido de direita, que fosse capaz de coçar os tomates em reuniões, em vez de um pretenso gentleman como tenta ser Paulo Portas. Fui perdendo a razão. No último ano fiquei com a certeza: Paulo Portas, a sua energia, o seu timing, e a sua postura em geral são, em larga medida, inultrapassáveis do ponto de vista da eficácia. Ao menos, Portas não chorou quando o «Sim» ganhou no referendo. Eu admito: dei e dou a mão à palmatória. Ribeiro e Castro devia ter feito o mesmo há bastante tempo.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, abril 02, 2007

O estado das coisas

Fazendo planos para que Portugal saia da União Europeia e se junte aos Estados Unidos.



[João Carlos Silva]

Métodos velhos

A ler, o editorial do Expresso deste fim-de-semana, sobre o rapto dos militares britânicos pelo Irão. Ficam aqui alguns excertos (com sublinhados meus):

«(...) Após acusações mútuas, os iranianos decidiram divulgar imagens dos prisioneiros. Entre essas imagens a da militar de Sua Majestade a papaguear um texto escrito pelos seus captores, segundo o qual confessava ter entrado ilegalmente no Irão e dizia ter sido magnificamente tratada (ela e os seus camaradas de armas) pelos carcereiros.

A óbvia violação da Convenção de Genebra, que proíbe o uso de prisioneiros para estes fins, parece nada dizer ao regime de Teerão. (...) Como lidar com este tipo de regimes, com este tipo de dirigentes?

A guerra desastrada no Iraque acabou por dar uma resposta pragmática a uma das hipóteses: a intervenção militar não só não resulta como pode ser nociva. Porém, por muito que isto se proclame e repita até à exaustão, em nada resolve o problema. Há um claro desfasamento entre a linguagem, os códigos morais e o respeito pela vida e dignidade da pessoa com aquela parte do mundo. Que se torna gritante numa sociedade globalizada.

E o pior é que ninguém parece saber qual a melhor resposta do Ocidente para se defender destes ataques.
»

[João Carlos Silva]

Escrita sem mapa


Há escritores que nos fazem entrar num estranho corrupio de pensamentos enquanto os lemos. Não há uma história inteiramente perceptível, não há um final à vista, não há um clímax. Apenas um desenrolar errante da escrita. Raul Brandão, em Húmus, é um deles. Temas incertos, pelo menos para mim que nem sempre estou atento à globalidade, à «unidade» dos romances. Uma vila, algumas personagens progressivamente enriquecidas ou reveladas, e a morte. Sempre a morte. «O corpo pede-me terra», repete-se ao longo de Húmus. Aliás, a terra que engole os vivos - ou recebe os mortos, conforme o ponto de vista - é a personagem mais importante do romance, juntamente com a própria Morte: «Os túmulos estão gastos de um lado pelos passos dos vivos e do outro pelo esforço dos mortos». Corpos abandonados pela vida multiplicam-se ao longo da obra-prima de Brandão. «É a morte que regula a vida. Está sempre ao nosos lado», diz o homem. E assim é. Um génio com uma obra de génio, uma obra cheia de morte. Obra essa que nem sequer é romance, mas é o melhor livro que li este ano. Sem perceber muito bem o que é. Diário? Prosa poética? Eu diria algo original: é uma escrita sem mapa.

[João Carlos Silva]

domingo, abril 01, 2007

Schopenhauer


Filho de pai suicida.

[Paulo Ferreira]