O novo presidente dos Estados Unidos da América chama-se Barack Hussein Obama, é negro e inspira as pessoas com o seu discurso, prometendo novamente uma Terra Prometida que já apenas parecia um mito sem fundamento. Poder-se-ia resumir a semana política, e a vitória de Obama, nestas poucas palavras. Até porque, se formos ver com atenção e sem politicamente correcto, não há muito mais. Pelo menos à vista.
O facto de vir do lado democrata ajudou muito. A palavra «Republicano», depois dos dois mandatos de Bush, parece agora mais amarga na boca de muita gente, e poucos se atreveram a proferi-la senão para expressar desilusão. E têm razão. O segundo mandato republicano, principalmente, foi terrivelmente mau, sobretudo a nível interno. Uma desilusão. O orçamento continua de rastos. Uma guerra arrastando-se durante cinco anos no Iraque e, com intensidade intermitente, cerca de sete anos no Afeganistão. Num tom mais geral, uma concentração de poder num «war president» que não agradará a ninguém com cabeça para pensar e que valorize a liberdade acima da segurança. Bush sai mal, quando podia ter saído um herói.
Com isto, dá que pensar: e se McCain tivesse sido o candidato dos Democratas? Eu acredito que teria mais hipóteses. Uma maioria dos americanos queria uma alternativa, e o próprio McCain poderia ter sido uma boa escolha, se puxasse a retórica certa. Assim não aconteceu, e a hora de Obama chegou. Com uma retórica inspiradora para quase toda a gente - e é impossível negar que os discursos tocam muito do essencial do «sonho americano» -, Obama chegou e conquistou. Propõe a união de todos contra os obstáculos e adversidades, assume as suas raízes africanas e parece um tipo honesto, directo e generoso. Incorruptível. Que vai acabar com os males do mundo. O que mais um americano poderia querer? O problema é esse: muito mais.
O presidente Obama que é necessário só a partir de Janeiro poder-se-á mostrar. Nem só de palavras se faz a política. Estas só servem numa campanha. Kennedy abriu mentalidades e portas (mais as primeiras que as segundas) em relação aos direitos civis, mas em relação a tudo o resto é um mito. Por causa do que fez na presidência? Não, pelas suas palavras. Barack Obama, que espero não vir a ser vítima de atentado algum (que morbidamente bastante gente tem vindo a augurar), provavelmente terá de enfrentar a maior das provações num futuro próximo: perder o «estado de graça», em nome do dever de chefe de estado. O que é mau para alguém que ganhou as eleições não por um programa mas precisamente pela simpatia e esperança que inspira. Tanto simpatia como esperança são coisas que não duram muitos anos em Washington. Está Obama preparado para lidar com as críticas? E importante saber.
Um aspecto curioso na questão da «entrada numa nova era da América», expressão que muitos têm cunhado, é que esta só se faz no que concerne à figura de Obama, um self-made man de Chicago, um negro com um nome «pouco americano» (o «árabe» que uma mulher num rally de McCain viu). É bom para os EUA e é uma lição para a superioridade moral da Europa. Mas faltam ainda muitos anos para saber se foi mesmo a escolha certa. E falta saber no que vai diferir ele de Bush. O grande paradoxo disto é o seguinte: em termos de política interna, não havia candidato que «melhor» (pior) seguisse a via de desequilíbrio orçamental que Bush seguiu do que... isso mesmo, o próprio Obama. A levar a cabo metade do que prometeu, a América continuará afogada em dívidas. Já na política externa, limitar-se-á a mexer homens do Iraque para o Afeganistão (é já ali ao lado), aproveitando os recentes e únicos sucessos da campanha no Iraque, conseguidos com base no planeamento dos generais Petraeus e Odierno e, ironicamente, do próprio McCain (sobre este aspecto, é interessante ler este artigo de Bill Kristol).
Mas, enfim, isto é o meu pessimismo a falar. Fico sempre com medo quando o consenso chega à aldeia e alguém é coroado Messias. Na verdade, gostava de ver que estava enganado e que Obama, afinal, é um líder a sério e que está preparado para os desafios que estão no horizonte, que não excluem estar ao lado de nações aliadss em caso de conflito. Embora isto possa implicar que muitos dos que votaram nele na América e quase todos os que votaram «virtualmente» nele deste lado do Atlântico acabem desiludidos. Em parte, é preferível. Como John McCain costuma dizer: «I'd rather lose an election than lose a war». É esse Obama que faz falta não só à América mas também a nós. Que sejam uns quatro anos construtivos, então.
1 comentário:
João, o Petraeus foi o mesmo tipo que apareceu a tentar simular um novo Gulf of Tonkin com as lanchas iranianas, e que apareceu nos media a dizer que o Irão financiava a Al-Qaeda (lolololol); e que todos os dias encontravam armas iranianas no Iraque (e essa afirmação foi *sempre* desmentida pelos especialistas do US Army - as armas eram geralmente sauditas ahah).
A 'vitória' de Petraeus (e McCain) no terreno foi uma: a farsa que foi "the surge!". Um pretexto para colocar 30.000 tropas às portas do Irão e da Síria, ao mesmo tempo que se colocavam mais mercs pagos a peso de ouro no terreno (good ol' Blackwater USA, now offshore lol), e se pagavam milhões aos líderes sunitas no Iraque *para pararem hostilidades*.
E, diga-se, 'the surge!' providenciou o caos burocrático suficiente para que, no meio, desaparecessem 3 triliões (!!!) dos fundos de pensões do Pentágono. Patriotismo e a red white and blue...oh sure.
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