Uma coisa curiosa em relação ao Desobediência Civil, do Thoreau, é a capacidade morfológica que as ideias e frases lá contidas têm para se adaptar à vontade de cada leitor. O livro é um tratado libertário, extremo. Defende uma militância - com o autor a acusar-se a si mesmo de não ter essa atitude - que tem apenas como objectivo impedir que o indivíduo e o próximo não sejam subjugados por qualquer tipo de poder, e que sejam implicados em qualquer tipo de comunidade ou «associação» à qual eles não se integrem voluntariamente. Implicando isto, claro, a total isenção de impostos até saber para que servem esses mesmos impostos que paga, recusando-se a financiar guerras das quais nada sabe e pelas quais não se interessa minimamente. O «espírito» do texto não sai muito disto.
No entanto, os lobos comem os cadáveres. Thoreau está morto há muito e tornou-se um clássico pouco debatido e muito citado. E, já se sabe, quando os lobos atacam, atacam em grupo. O Desobediência Civil tem sido utilizado por liberais (gritando pela defesa da liberdade individual), socialistas (invocando o combate à injustiça), comunistas (pela ideia de luta contra a tirania e o imperialismo), anarquistas (pelo desprezo para com o Estado). Dá para tudo. Não faz mal, tudo bem, o texto de Thoreau é, realmente, inspirador e fica retido na permanência da memória. E é claro que isso nos leva a querer integrá-lo nas nossas concepções políticas e sociais. Mas não será uma contradição, por exemplo, o prefácio do já falecido Manuel João Gomes (que muito respeito pelas traduções que me trouxe de obras cruciais, incluindo Sade e esta mesma obra de Thoreau) no qual ele elogia a crítica que o autor faz ao dinheiro? O problema aqui é que eu não vi tal coisa no texto. Manuel João Gomes também aplaude o desprezo que Thoreau lança aos homens ricos - ah, essa burguesia gorda e ociosa! - que compram a sua liberdade e mancham o dinheiro de sangue. Eu não li o texto assim, onde anda isso?
Os problemas dos clássicos são precisamente esses. São o que nós queremos, tal como Orwell, que dava uma multitiplicidade de outras leituras e de outros posts. Platão, outro. Hobbes, mais um. Nem sei quantos mais autores perderam a identidade ao longo dos tempos. Intelectualmente, nós homens somos ladrões de tumbas.
No entanto, os lobos comem os cadáveres. Thoreau está morto há muito e tornou-se um clássico pouco debatido e muito citado. E, já se sabe, quando os lobos atacam, atacam em grupo. O Desobediência Civil tem sido utilizado por liberais (gritando pela defesa da liberdade individual), socialistas (invocando o combate à injustiça), comunistas (pela ideia de luta contra a tirania e o imperialismo), anarquistas (pelo desprezo para com o Estado). Dá para tudo. Não faz mal, tudo bem, o texto de Thoreau é, realmente, inspirador e fica retido na permanência da memória. E é claro que isso nos leva a querer integrá-lo nas nossas concepções políticas e sociais. Mas não será uma contradição, por exemplo, o prefácio do já falecido Manuel João Gomes (que muito respeito pelas traduções que me trouxe de obras cruciais, incluindo Sade e esta mesma obra de Thoreau) no qual ele elogia a crítica que o autor faz ao dinheiro? O problema aqui é que eu não vi tal coisa no texto. Manuel João Gomes também aplaude o desprezo que Thoreau lança aos homens ricos - ah, essa burguesia gorda e ociosa! - que compram a sua liberdade e mancham o dinheiro de sangue. Eu não li o texto assim, onde anda isso?
Os problemas dos clássicos são precisamente esses. São o que nós queremos, tal como Orwell, que dava uma multitiplicidade de outras leituras e de outros posts. Platão, outro. Hobbes, mais um. Nem sei quantos mais autores perderam a identidade ao longo dos tempos. Intelectualmente, nós homens somos ladrões de tumbas.
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