Na Visão História (que curiosamente, pouco tem de história mas não deixa de ser interessante) deste mês, dedicada aos 50 anos da revolução castrista em Cuba, a serem completados no próximo dia 1 de Janeiro, vem acoplado um artigo de opinião que me baralhou: eu não sabia se era parte da revista ou se era apenas publicidade, do género da que vem no saco do Expresso. Por via das dúvidas, e porque estava mesmo agarrado à revista, decidi deixá-lo por lá e lê-lo. A razão pela qual fiquei confuso vou passar a explicá-la.
O artigo é assinado pelo antigo embaixador português em Cuba (1999-2004) Alfredo Duarte Costa - que, curiosamente, agora foi designado embaixador em Atenas, em plena «guerra civil» (revela pontaria para se meter em cada trinta e um) - e é das coisinhas mais doces e comoventes que já li acerca de um ditador, neste caso o de Cuba, país e homem sobre os quais o artigo do Duarte Costa versa. Apesar de tudo, as suas primeiras impressões de Fidel Castro como sendo «um homem superiormente inteligente, intuitivo, dotado de grande perspicácia, consciente do carisma que possui» e «acima de tudo, um sedutor» provavelmente estarão inteiramente correctas. Fidel nunca me sugeriu inferioridade intelectual, mas sinceramente Estaline também não. Já acerca da atitude de contemplação que o embaixador deve a Fidel por este ser «afectuoso e cortês» com ele em jantares a dois (talvez fosse o vinho na cabeça do doutor, não sei) e acerca do suposto «sentido de humor», devo dizer que tanto Al Capone como Pinto da Costa são conhecidos por ter piada e por saber ter piada nos momentos certos, quebrando gelo e baixando defesas. Muito bem, Fidel Castro tem o perfil de um psicopata no poder. Excelente. O que tem mais o embaixador Duarte Costa para nos contar?
Diz ele que o povo cubano «não o vê como um ditador, mas como um familiar mais velho, que na maior parte dos casos admira e respeita» e que, surpreendentemente, «não era comum ouvi-los criticar o seu Presidente». Eu sempre tive consciência de que os embaixadores, na sua maioria, são escolhidos para essas posições por não fazerem ondas e por não primarem pela inteligência e sentido crítico, mas esta era demais: um diplomata sem a capacidade de perceber que numa ditadura nunca se vê contestação. Nunca. Pelo menos nada que realmente comprometa o poder e a imagem do poder.
Duarte Costa deve ter chorado de emoção quando escreveu que Fidel viajava num carro velho dos anos 70 e num avião decrépito, que recusou trocar porque «considera que seria inaceitável que se gastassem milhões de dólares na aquisição de uma nova aeronave, quando esse dinheiro pode ser utilizado na compra de medicamentos ou material escolar». É um gesto muito bonito. Por vezes, durante a leitura do artigo, pensei que se escrevia sobre Jesus Cristo ou sobre o Padre Américo.
Todo o artigo é fenomenal como extensão da propaganda oficial de Cuba e poderia estar aqui imenso tempo a dissecá-lo. O embaixador diz que não há «esquadrões da morte» nem tortura, diz que recebeu líderes da oposição e que estes nunca referiram essas torturas e assassinatos (risível se avaliarmos as condições em que vive e «existe politicamente» a possível oposição), diz que não há perseguições a padres e que os homossexuais, longe de ser perseguidos, até são protegidos e que «existe um bairro na capital cubana, perto do Capitólio, onde estes se reúnem e convivem em total liberdade». Isto é só uma hipótese e uma completa especulação, mas este «bairro» soa-me mais a gueto que a outra coisa.
Mas, entre todas estas barbaridades que saíram da caneta de Alfredo Duarte Costa, a que mais me chocou e levou à náusea foi este ter dito que a prostituição existe em Havana, sim, «como em qualquer outra cidade do mundo» mas «em muito menor número» comparativamente (suponho) a essas grandes urbes do mundo desenvolvido. E, o pior de tudo, é o ex-embaixador em Havana dizer isto: «as que recorrem a este tipo de vida são jovens que não querem trabalhar e que aspiram a comprar artigos de luxo, como roupas de marca, perfumes e outros bens de consumo estrangeiros». Que a estupidez fazia parte do carácter do embaixador e do património português que o homem aparentemente levou para Havana já eu tinha percebido, mas não pensei que chegasse a uma atitude que tem tanto de machista como de desumano como de ignorante. Porque ofende centenas ou milhares de pessoas que vivem na miséria. Pessoas que se prostituem por mais uns quantos sabonetes ou bens de consumo alimentar (não esquecer o racionamento) ou mesmo médicas que, por não ganharem o suficiente para se sustentarem a si e às suas famílias, escolhem a via da prostituição (com turistas, suponho) como a única maneira de terem uns dólares ou pesos extra ao fim do mês.
Alfredo Duarte Costa pode ser visto como «doutor» e «Sua Excelência» pela lente institucional, mas de mim não me merece um pingo de respeito. Não por ser amigo de Fidel Castro - já que a amizade, sempre aleatória, não escolhe propriamente o carácter ou a obra - mas por ser completamente cego, ignorante, desumano e desrespeitador do sacrifício que milhões de cubanos têm feito para sustentar, uns com esperança e outros com uma enorme angústia, a «Revolução» de Castro que supostamente lhes traria uma sociedade justa. O antigo embaixador acaba mesmo com uma frase da Grécia clássica que revela bem como o cérebro veio de lá impregnado de propaganda: «é desejável alcançar a felicidade individual, mas é muito mais belo alcançar o bem comum». Do ponto de vista psicológico, é curioso ver como alguém atribui a Fidel Castro um carisma do outro mundo e não se consegue enxergar como uma «vítima» desse carisma, como um apaixonado por Fidel.
Até posso estar a atirar no escuro, mas algo me diz que, se Alfredo Duarte Costa tivesse vivido uns cinquenta ou sessenta anos antes e tivesse sido embaixador na Alemanha de Hitler, teria saído de lá nazi e com uma carteira de pele judaica no bolso, oferta de Adolf, que afinal se tinha revelado uma excelente companhia para jantar. E nunca ninguém disse o contrário. Se calhar Adolf até teria umas piadas giras sobre judeus que animassem uma bela ceia de rosbife com um licor qualquer da Bavária.
O artigo é assinado pelo antigo embaixador português em Cuba (1999-2004) Alfredo Duarte Costa - que, curiosamente, agora foi designado embaixador em Atenas, em plena «guerra civil» (revela pontaria para se meter em cada trinta e um) - e é das coisinhas mais doces e comoventes que já li acerca de um ditador, neste caso o de Cuba, país e homem sobre os quais o artigo do Duarte Costa versa. Apesar de tudo, as suas primeiras impressões de Fidel Castro como sendo «um homem superiormente inteligente, intuitivo, dotado de grande perspicácia, consciente do carisma que possui» e «acima de tudo, um sedutor» provavelmente estarão inteiramente correctas. Fidel nunca me sugeriu inferioridade intelectual, mas sinceramente Estaline também não. Já acerca da atitude de contemplação que o embaixador deve a Fidel por este ser «afectuoso e cortês» com ele em jantares a dois (talvez fosse o vinho na cabeça do doutor, não sei) e acerca do suposto «sentido de humor», devo dizer que tanto Al Capone como Pinto da Costa são conhecidos por ter piada e por saber ter piada nos momentos certos, quebrando gelo e baixando defesas. Muito bem, Fidel Castro tem o perfil de um psicopata no poder. Excelente. O que tem mais o embaixador Duarte Costa para nos contar?
Diz ele que o povo cubano «não o vê como um ditador, mas como um familiar mais velho, que na maior parte dos casos admira e respeita» e que, surpreendentemente, «não era comum ouvi-los criticar o seu Presidente». Eu sempre tive consciência de que os embaixadores, na sua maioria, são escolhidos para essas posições por não fazerem ondas e por não primarem pela inteligência e sentido crítico, mas esta era demais: um diplomata sem a capacidade de perceber que numa ditadura nunca se vê contestação. Nunca. Pelo menos nada que realmente comprometa o poder e a imagem do poder.
Duarte Costa deve ter chorado de emoção quando escreveu que Fidel viajava num carro velho dos anos 70 e num avião decrépito, que recusou trocar porque «considera que seria inaceitável que se gastassem milhões de dólares na aquisição de uma nova aeronave, quando esse dinheiro pode ser utilizado na compra de medicamentos ou material escolar». É um gesto muito bonito. Por vezes, durante a leitura do artigo, pensei que se escrevia sobre Jesus Cristo ou sobre o Padre Américo.
Todo o artigo é fenomenal como extensão da propaganda oficial de Cuba e poderia estar aqui imenso tempo a dissecá-lo. O embaixador diz que não há «esquadrões da morte» nem tortura, diz que recebeu líderes da oposição e que estes nunca referiram essas torturas e assassinatos (risível se avaliarmos as condições em que vive e «existe politicamente» a possível oposição), diz que não há perseguições a padres e que os homossexuais, longe de ser perseguidos, até são protegidos e que «existe um bairro na capital cubana, perto do Capitólio, onde estes se reúnem e convivem em total liberdade». Isto é só uma hipótese e uma completa especulação, mas este «bairro» soa-me mais a gueto que a outra coisa.
Mas, entre todas estas barbaridades que saíram da caneta de Alfredo Duarte Costa, a que mais me chocou e levou à náusea foi este ter dito que a prostituição existe em Havana, sim, «como em qualquer outra cidade do mundo» mas «em muito menor número» comparativamente (suponho) a essas grandes urbes do mundo desenvolvido. E, o pior de tudo, é o ex-embaixador em Havana dizer isto: «as que recorrem a este tipo de vida são jovens que não querem trabalhar e que aspiram a comprar artigos de luxo, como roupas de marca, perfumes e outros bens de consumo estrangeiros». Que a estupidez fazia parte do carácter do embaixador e do património português que o homem aparentemente levou para Havana já eu tinha percebido, mas não pensei que chegasse a uma atitude que tem tanto de machista como de desumano como de ignorante. Porque ofende centenas ou milhares de pessoas que vivem na miséria. Pessoas que se prostituem por mais uns quantos sabonetes ou bens de consumo alimentar (não esquecer o racionamento) ou mesmo médicas que, por não ganharem o suficiente para se sustentarem a si e às suas famílias, escolhem a via da prostituição (com turistas, suponho) como a única maneira de terem uns dólares ou pesos extra ao fim do mês.
Alfredo Duarte Costa pode ser visto como «doutor» e «Sua Excelência» pela lente institucional, mas de mim não me merece um pingo de respeito. Não por ser amigo de Fidel Castro - já que a amizade, sempre aleatória, não escolhe propriamente o carácter ou a obra - mas por ser completamente cego, ignorante, desumano e desrespeitador do sacrifício que milhões de cubanos têm feito para sustentar, uns com esperança e outros com uma enorme angústia, a «Revolução» de Castro que supostamente lhes traria uma sociedade justa. O antigo embaixador acaba mesmo com uma frase da Grécia clássica que revela bem como o cérebro veio de lá impregnado de propaganda: «é desejável alcançar a felicidade individual, mas é muito mais belo alcançar o bem comum». Do ponto de vista psicológico, é curioso ver como alguém atribui a Fidel Castro um carisma do outro mundo e não se consegue enxergar como uma «vítima» desse carisma, como um apaixonado por Fidel.
Até posso estar a atirar no escuro, mas algo me diz que, se Alfredo Duarte Costa tivesse vivido uns cinquenta ou sessenta anos antes e tivesse sido embaixador na Alemanha de Hitler, teria saído de lá nazi e com uma carteira de pele judaica no bolso, oferta de Adolf, que afinal se tinha revelado uma excelente companhia para jantar. E nunca ninguém disse o contrário. Se calhar Adolf até teria umas piadas giras sobre judeus que animassem uma bela ceia de rosbife com um licor qualquer da Bavária.
4 comentários:
então e que dizer do embaixador João Hall Themido?
Desse senhor nunca li uma linha bem composta, exceptuando talvez os excertos escolhidos em algumas recensões (da sua suposta autobiografia). Mas se tiver tanto espírito crítico como o senhor Duarte Costa, estamos bem representados, estamos...
I was looking for Men's Fragrances and was wondering if Agent Provocateur is the best designer for Men's Fragrances?
Quem escreveu esta "prosa" é um reaccionário primário...
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