terça-feira, outubro 31, 2006

O senhor Arnolfini

O doutor Eduardo Prado Coelho, para muitos conhecido como Inquisidor-Mor do reino, decidiu soltar a sua férrea lança sobre a populaça. No Público de ontem, o homem que me ensinou o significado de «orgasmo horizontal», criticou Luís Aguiar-Conraria, autor do A destreza das dúvidas por razões que não se percebem muito bem. Por esse motivo, e sendo também eu um apreciador do estilo “tu cá tu lá”, permito-me a tecer algumas considerações.

Eduardo Prado Coelho, um amante das artes e dos céus arroxeados, no seu artigo, comete a disparate de afirmar que «puxa da pistola» sempre que ouve alguém criticar aqueles que gastam o dinheiro dos contribuintes em coisas que o doutor Prado Coelho aprecia, como aquilo a que em Portugal se costuma chamar de artes, etc. A revolta fica mal em alguém que passou grande parte da sua vida a sugar dinheiro do Estado, sem nada de relevante fazer. Quer dizer, no meu anónimo entendimento, quando se passa uma vida a falar de temáticas como o amor e a realizar estudos abstractamente definidos como filosófico-literários, não se faz muito que seja digno de pensão estatal.

Outra questão levantada pelo artigo do doutor Prado Coelho é a do meu próprio devir. Não me refiro propriamente ao aparecimento do lexema «aparvalhado» no meio do belo texto. Refiro-me à parte em que o doutor Prado Coelho confunde o blogger Luís Pedro Coelho com um mero funcionário do Continente. Essa questão do devir do Eu torna-se importante, e de inadiável discussão, uma vez que tenho perdido algumas horas de sono por causa do assunto. Simplificando: será que o Estado me vai deixar entrar? Patrocínios? Verbas loucas escondidas debaixo do espesso manto da Cultura? Dinheiro para mim? Estado? Ou terei eu que pendurar as botas e vestir a camisola do Modelo ou do Pingo-Doce, se me disserem que a investigação em História ou a publicação de literatura não me dá comida? Bem, o doutor Prado Coelho, do alto da sua toga inquisitorial, tocou num ponto bastante importante, que é o da arrogância do funcionalismo público quando comparado com quem não está ou não pode estar «lá dentro».


Existem certas situações na vida do ser humano que fazem duvidar da integridade mental dos que nos rodeiam. Saramago, por exemplo, parece um céptico (exilado em Lanzarote). Manuel Maria Carrilho dá a sensação de ser um basbaque com um doutoramento (logo, superior ao meu anonimato e com capacidades para, se quiser, me desfazer). Enfim, o cérebro não acompanha os tempos que mudam. Não sei se a isso se chama paralisia. Não sei. Mas sei que o doutor Prado Coelho vai a conferências que um cidadão que não receba bolsas governamentais vitalícias não pode ir. Ele é tertúlias no Brasil, ele é romances imaginários em Paris. Ele é livros escritos às três pancadas. Muita razão tinha Miguel Sousa Tavares quando dizia que não se punha num avião com o doutor Prado Coelho para as jornadas literárias que, para alguns, são quase semanais.

[Paulo Ferreira]

1 comentário:

Anónimo disse...

"Wenn ich Kultur höre ... entsichere ich meinen Browning!"