Já vi muitas coisas aberrantes durante a minha curta vida. Já vi Rui Correia e Pedro Espinha jogarem no FCP. Já vi Silvino. Já vi John Terry vestir a camisola de Hilário, o gordo que nasceu para o futebol nas Antas. Já vi um jogador aplicar um rotativo em plena pequena área, enquanto a bola redonda descansava perto da bandeirola de canto. Já vi Neno no Benfica. O pobre do Marco, que, pelas suas mãos, só poderia ser Tábuas, também já vi. E sempre me espantei. Ou não. Só se espanta quem se ilude. O tábuas do Bonfim não ilude. Rui Correia, o maior mascador de pastilha a seguir a Rui Costa, também não. O que verdadeiramente me pode espantar é saber que o Postiga marca golos ou saber que João Pinto, esse grande impulsionador do romantismo (como fonte de irracionalismo), é suplente num clube com a mania das grandezas, como o Sporting de Braga.
Moretto é um guarda-redes dotado de todas as faculdades que compõem um grande jogador de futebol: ambição, qualidade técnica, imbecilidade, cara (dizem) bonita, imprevisibilidade, etc. Por isso, não me espantei quando soube que o Vieira da Luz o tinha contratado ao Vitória de Setúbal. O tipo defendia bem. Também não me surpreendeu que o presidente do Benfica tenha sido obrigado a defender a sua contratação à bolachada no aeroporto. O gajo era bom, logo, se houvesse algo ou alguém que não tivesse que ficar na Luz, só poderia ser o soco do segurança do Luís, que não é doutor mas presidente de milhões. Mas Moretto era dotado de uma característica que um idiota intelectual como eu não poderia adivinhar: a fraqueza de coração. O homem começa por defender tudo e, depois, os frangos. Um, dois, três. Isto depois de fazer pirraça com jogadores como Ronaldinho, Deco ou Eto'o (lembram-se da grande penalidade defendida em Camp Nou?). Moretto começou a sofrer e, penso eu, ninguém foi a tempo de reparar porque não se viu a barba do guarda-redes crescer à desgarrada. Acredito que, se fosse o Richie dos Tenenbaums, seria mais fácil de se perceber quando alguém sofre de tristeza.
O frango é algo que também passa pela vida dos melhores. No entanto, não é minha pretensão afirmar que Moretto é dos melhores. No que se refere a guarda-redes brasileiros recentes, só Tafarel teve para mim esse estatuto. De resto, nem Dida. E Helton já não entra nas contas porque ainda não é certeza (precisaria que ele estivesse numa equipa que sofresse golos para tirar dúvidas mais rapidamente). Moretto não é um grande guarda-redes. É bom. Mas não chega. Pode bem ser tecnicamente superior a Quim, mas não é tão seguro no que diz respeito a não fazer chichi nas cuecas. Moretto não cospe no chão, não fuma. Moretto não tem cara de desgraçado, como o pobre do Jorginho. Moretto é brasileiro e não percebe que esse tipo de gente, para chegar à invencibilidade, tem que dançar sambinha na rua ou, nos casos de maior refinação, alugar um quartel de prostitutas. Cá para mim, Moretto contentou-se com os fatos da Armani e deixou-se morrer. É pena. O meu Torreense só lá tem o Humberto.
[Paulo Ferreira]
segunda-feira, outubro 16, 2006
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