quinta-feira, novembro 16, 2006
fanny
fanny, a grande
amiga de minha mãe,
ossuda, esgalgada,
de cabelo escuro e curto, e
filha de uma inglesa,
tinha um sentido prático
extraordinário e era
muito emancipada, para
os costumes da foz
daquele tempo.
uma vez, estando
sozinha no cinema, sentiu
a mão do homem a
seu lado deslizar-lhe
pela coxa. prestou-se a isso e
deixou-a estar assim,
com toda a placidez. mas abriu
discretamente a carteira de pelica,
tirou a tesourinha das unhas
e quando a mão no escuro
se imobilizou mais tépida,
apunhalou-a num gesto
seco, enérgico, cirúrgico.
o homem deu um salto
por sobre os assentos e
fugiu num súbito
relincho da
mão furada.
fanny foi sempre
de um grande despacho,
na sua solidão muito
ocupada num escritório. um dia
atirou-se da janela
do quinto andar
e pronto.
Vasco Graça Moura, Antologia dos Sessenta Anos
[João Carlos Silva]
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