Oitenta e seis quilos. Nem queria acreditar. Pesar setenta e nove, oitenta, vá lá que não vá. Agora, oitenta e seis quilos é algo que só está ao alcance de poucos. Pesei-me e pensei: acabei de regressar dos Estados Unidos, logo, é normal que o meu peso não corresponda à minha grande beleza. Mas não. Antes de viajar para a civilização, já gozava de uma considerável protuberância no lugar dos abdominais, no entanto, como todos os grandes sedutores, encolhia-a sempre que não estávamos a sós (eu e ela, minha barriga e possível futura companheira). Sempre que entrava alguém nas nossas conversas, ela, envergonhada,escondia-se. Cobarde, como quem lhe deu comida para a boca.
Realmente, a minha deslocação ao Garden State (ficou-me a alcunha do Estado) pode explicar o facto de este menino que aqui escreve possuir mais seis quilos do que possuía nos tempos em que apenas navegava pela costa africana (Portugal, mais precisamente). Um país rico oferece, para além de inteligência e educação, comida. Ora, eu, que nunca fui enjoado, fartei-me de comer (desde as «bagels» aos deliciosos aperitivos da Dunkin'Donuts, desde as marisqueiras da grande Red Lobster aos petisquinhos dos barzinhos de Nova Iorque). Tudo o que fiz nos Estados Unidos no mês de Agosto teve relação com a comida. Até a ler comia. Ia ao mar nadar e, três a quatro braçadas depois, o ataque cardíaco chamava por mim. Deste modo, e sabendo que quem vai às américas fica logo melhor da constipação intelectual, posso dizer, sem medos de ironias dos senhores doutores pátrios, que fiquei um boi. Há quem diga que até mamas ganhei. E eu observo-me ao espelho e penso: és bonito.
Um desgraçado da aldeia da minha avó costuma avisar que «bonitos são os bois.»Pois bem, admito, sou um boi. Mereço: quem engorda assim ou é boi ou é cavalo. Por via das dúvidas, escolho o título de boi, diferente do cavalo, conhecido por cheirar mal. Já me chamaram também de chibo. Mas não me vejo como cabrito. Nem pensar. Parolo é que não. Já ouviram falar de Miura, o touro? Torga sabia sobre o que escrevia. Prefiro ter farpas e cornos a cheirar mal. Pelo menos, a dignidade permanece dentro de mim.
Hoje corri. Ia morrendo. Transpirei, transpirei, transpirei. No final, oitenta e seis quilos. Levanto pesos. Leio livros, a ver se perder estupidez também dá direito a perder peso. Penso e aborreço-me. E o coração bate. O que vai ser das fãs? Dos milhares e milhares de jovens a delirarem por uma aparição pública? O que vai ser de mim ? Pára lá com isso.
Um amigo meu diz que «elas», as mulheres, pérfidas ladras de sentimentos, gostam de «nós» assim, gordos. Contudo, a minha opinião é a de que ele só me dá esse tipo de revelações por ser magro, muito magro, e, claro, por não ter nada que se aproxime do conceito de namorada. É um bom rapaz, no entanto, o meu amigo.
Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues,Moacyr Scliar, entre outros brasileiros sábios e razoáveis (que contradição, falar-se em brasileiros e sábios), põem a mulher em segundo plano. Ela é a mulher que leva na tromba porque não faz as coisas (dos homens) a tempo e horas, ela é a mulher supérflua que pinta as unhas e pensa imediatamente em orgasmos e em músculos. Ela é a mulher, que por ser mulher, nunca será grande coisa. Pode ser que, no meio de várias verdades, estes autores levem a coisa na brincadeira e que atribuam real e merecido valor à mulher. Fica, no entanto, a mensagem: se perdes a barriga por causa das mulheres, és traído e, por conseguinte, tornas-te num eterno marido, num corno. Esta é uma das mensagens do anjo pornográfico.
Gordo ou magro, não morrerei, para já. Continuarei a seguir os passos dos outros, a tentar sobreviver num país onde a nutrição é feita a sopro de ar e a «sandes» (raio de palavra). O pior são as saudades da América. América.
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, setembro 13, 2006
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1 comentário:
Eu que sou magra e de magra não passo, coma o que comer, posso dar alguns conselhos: comer devagar, muito devagar, moderadamente e várias vezes ao dia. Pão só ao pequeno-almoço e ao deitar, torrado claro. Andar a pé e sempre que se olhar para o elevador opta-se pelas escadas. Entre outros... Boa dieta!
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