Quem já viu o «programa sobre livros» (como disse?) de Bárbara Guimarães na SIC Notícias já terá notado, certamente, que aquele é um dos locais onde mais frequentemente se pode encontrar o irritante hábito de tratar os livros por tu. Talvez por isso o programa seja saturante e monótono, por ser um fundo poço de frases impessoais como: sempre vivi com os livros; escrever é uma necessidade como respirar; gosto muito, desde pequenino. Para além disso, e o mais mesquinho de tudo, é tratar os autores (clássicos ou contemporâneos) como se fossem o vizinho do 4º esquerdo. «A» Sophia, «o» Pessoa, «o» Camilo e «o» Eça.
É, precisamente, por ter visto umas quantas vezes o programa de Bárbara Guimarães (que, apesar de ler romances tristes com aquele sorriso sempre aberto e de ter casado com o dr. Carrilho, também merece ser vista) que eu já sonhei que era convidado para esse programa para falar de livros. A conversa seria qualquer coisa como isto:
-Boa noite, João.
-Boa tarde, Bárbara.
-Sei que tem um profundo amor aos livros.
-Uma paixoneta, vá lá.
-É por isso que refere os livros como a sua maior fonte de aprendizagem na vida?
-Não.
-Respirar, viver, dormir, sentir. A seguir vem o acto de ler?
-Vem antes.
-É portanto o momento mais importante dos seus dias...
-Não. Escrevo quando não tenho mais nada que fazer ou nada para ler.
-Escolheu um livro de referência. «Servidão Humana».
-De Somerset Maugham.
-É um livro com um olhar muito frio sobre a vida de um homem.
-Não, é mais um livro sobre um corno crónico.
-Uma sua outra referência é, disse há dias, um livro de Jack London.
-Exacto.
-É um escritor problemático. Um homem perturbado pelas questões mais básicas da humanidade.
-É um bêbado.
-Realçaria um episódio elementar para a compreensão desse autor e da sua obra?
-Sim, um em que o Jack London apanha uma cadela e se atira à água para se suicidar. Com o impacto na água, desperta e arrepende-se.
-Ah ah ah, hm hm hmm. Um episódio hilariante, sem dúvida. Jack London é, portanto, um ícone.
-Não, é um bêbado.
-Na poesia portuguesa destacou Vasco Graça Moura como um poeta subvalorizado.
-Sim, vendo-o na vida política esquecem o excelente poeta.
-Traz à memória a ideia do «fingidor», de Pessoa.
-Não traz não.
-Gosta de Pessoa?
-Muito.
-Defina-o.
-É um bêbado.
-E da poesia da Sophia, não gosta?
-A Sofia nunca me disse que escrevia.
-Sophia de Mello Breyner?
-Ah sim. Pensei que era outra Sofia, uma assim meio... Não. A poetisa respeito imenso.
-Boa noite, João.
-Até amanhã.
[João Carlos Silva]
domingo, setembro 03, 2006
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1 comentário:
Adorei!!! Não costumo ver,mas sim, já vi! E, na verdade... mesmo sem ver todos qpara poder documentar, não deve fugir á regra. Quero ver a tua entrevista; adoraria! Sabes? Isto é um pouco a tal cena de as pessoas serem intelectuais,pseudo ou não; alguns, aé são sinceros; e também mostramq ue ganharam o estatuto de se dirigirem dessa forma. E,porque não escreves algo sobre os livros, o que sentes!!! Vou ficar á espera!beijos
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