Chirac disse, há cerca de uma semana atrás, que retaliaria com armas nucleares contra qualquer ataque terrorista em solo francês.
Ora, Chirac, ao dizer tal cretinice, não se apercebera disto: abrira um precedente. Mas não me refiro ao facto de sugerir às organizações e mecenas terroristas uma nova arma - precedente desnecessário porque já aberto no dia em que a própria arma nuclear surgiu, ao dispor dos mesmos. Nem me refiro sequer, se tivesse um laivo de antiamericanismo, à possibilidade de «abrir caminho» para as outras potências terem a mesma posição.
Não, refiro-me, é claro, a um problema bem mais simples. Bem mais «nosso». Logo, bem mais grave. Ou seja, o impacto que aquelas declarações tiveram em Portugal. Ao dizer que responderia com martelo a uma violenta picada de alfinete, Chirac deu, aos portugueses mais castiços, uma nova visão de defesa do país.
Tomemos como exemplo o senhor Joaquim, do café (e aproveito aqui, num instante, para lhe mandar um abraço). Agora, é vê-lo responder, à menor desconfiança, da forma mais violenta. De facto, à semelhança dos gauleses, também nós não queremos que mexam no que é nosso, no qual está incluído está incluído o nosso corpo (o senhor Joaquim sublinha este ponto) e a nossa «terra». E esta é demasiado pequena para correr esse risco.
Ora, ainda outro dia, o senhor Joaquim, ao ver surgir na televisão a face carismática do senhor presidente do Irão, bradou de imediato: «Ah, pantomineiro! No meu Portugal não te atrevas a mexer! Aqui é que não vais rezar...». E atirou uma colher de café ao écrã.
Mas este fervor defensivo também acontece a nível pessoal. Agora, ao menor sinal de calote, o senhor Joaquim, bem haja, não hesita, no seu café, em usar dos mais surpreendentes meios de retaliação para contornar o hábito de crédito ultraesticado dos clientes. Isto é, não hesita, no seu café, em tirar, de trás do balcão, um pau de marmeleiro enrolado no 24 Horas: «Na minha casa não! Ai isso é que não!», sendo casa o termo afectuoso, de levar às lágrimas, para se referir ao seu café.
De facto, até Portugal se tornou um país demasiado pequeno para não se dar ao luxo de se defender a todo o custo, com tudo o que tem. E, para além de se defender com tudo o que tem, de retaliar com mais do que tem. Aliás, quando Durão Barroso, herói homérico dos subsídios da União Europeia, promete um futuro melhor para os portugueses, o senhor Joaquim não perdoa. Em cada coçar do interior da orelha há um pensamento subentendido, ressabiado com a caridade dos «outros» para com a nossa humilde mas esforçada terriola: «Não perdes pela demora...».
Aliás, acerca de nós, não deixa de ser revelador que, de um português que emigre, por exemplo, para Paris ou Salamanca, nós digamos que «foi trabalhar para a Europa». Então e nós? Ficámos no Norte de África?
E porque Portugal é tão pequeno, o senhor Joaquim protege-o agora contra tudo e contra tudos. Para mais, graças ao exemplo de Chirac, sonha fazê-lo com um poderio militar dos tempos áureos dos Descobrimentos. Isto num país europeu que já era, ele mesmo, limítrofe, alheio. A ser protegido a martelo. E, ao contrário do caso francês, esta adorável pequenez deve ser protegida, defendida e retaliada. E, já que vem aí o choque tecnológico, não tardará que o senhor Joaquim, assim como outros compatriotas, exija, também, o choque tecnológico. Até porque no outro dia, enquanto armava o pau de marmeleiro à cintura, a sua crença, dizia, era esta: «Votei Cavaco porque ele nos prometeu a todos um Portugal Maior. Até que enfim. Vem aí outra vez a expansão portuguesa!».
[João Carlos Silva]
quarta-feira, janeiro 25, 2006
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