quinta-feira, janeiro 26, 2006

Hamas no poder (primeira declaração de intenções)


Conferência do partido político recentemente eleito na Palestina

Durante algum tempo, em alturas de «decisão para o Iraque», tive sempre algumas reticências em relação às operações militares. A minha dúvida - que, para ser justo, é antes uma crença pessimista, mas firme - era a de que um sistema democrático (electivo, ocidental) «implantado», mesmo que virtualmente, num país muçulmano com pouca tradição de liberdade, paz ou contacto com outra cultura que não a do Corão armado, falharia. Ou seja, que a guerra justa para retirar Saddam, ditadorzinho petulante da região, do poder político do Iraque, e consequentemente retirar-lhe o poder pessoal sobre as armas que teria ao seu dispor, só seria «feliz» pela iniciativa e pelos resultados a curto prazo. Ainda assim, apoiei a decisão. Pela acção. Mesmo que o planeamento estratégico e político (para o território iraquiano) tenha sido um fracasso. Ainda que, surpreendentemente, o povo iraquiano tenha mostrado sinais, mais que louváveis, de maturidade e inteligência, ignorando os ortodoxos islâmicos, continuo com a crença de que eleições em países povoados por políticos fundamentalistas ou alucinados são uma faca de dois gumes. E esse pessimismo foi «correspondido» hoje: o Hamas ganhou na Palestina.

Enquanto Jesus Cristo se sentava numa pedra e falava de amor a todos (mesmo romanos), Maomé, num dos seus famosos ataques epilépticos, entrou num estranho transe no qual contactou com o arcanjo Gabriel, que lhe ordenou a pregação. A pregação, é claro, teria de implicar expansão. Pela espada. Ora, o Profeta Maomé escolhera a espada, e na História não se pode mexer na raiz das «coisas». Essa foi a via escolhida para os seus seguidores, segundo expresso no Corão.
Por isto, poder-se-ia dizer que um muçulmano moderado é alguém que não quer ser muçulmano, ainda que acredite num Deus único. Também por isto, chamar fundamentalista a um ortodoxo não é, de facto, um insulto. Os fundamentos estão lá desde o séc. VII. E, como é óbvio, o Corão não prevê qualquer coexistência pacífica com qualquer povo que interfira no devir muçulmano.
Kofi Annan, como sempre, falou de negociações de paz e de desarmamento, mas como negociar com um governo que acredita ainda no que referi? Sobretudo, como falar de acordos com um governo terrorista agora legitimado pelos próprios palestinianos? Algo está errado, é verdade, mas apenas para os ocidentais. Porque não há, decerto, anormalidade nos projectos (do Hamas) para os tempos que se seguem.

Diz Joel C. Rosenberg hoje na National Review Online: «In the end, while Sharon won widespread international plaudits by retreating from Gaza, he also sent the dangerously destabilizing message to the Palestinian people that terror, not negotiations, is the only way to regain territory. Was this not precisely the opposite of the message Mr. Bush has been trying to communicate in the War on Terror? [...] Specifically, President Bush should greet the Hamas victory with a policy of "Three No's" — no recognition, no negotiations, and no funding».
Rosenberg tem a visão correcta sobre o assunto, ainda que reticente quanto à capacidade do governo americano de segurar mais um «ponto quente» no Médio Oriente. Esse, parece-me, é a circunstância mais grave dos tempos actuais. Com um líder alucinado no Irão e com um partido como o Hamas no poder na Autoridade Palestiniana, o mundo parece estar a dar uma grande volta. E, porque esta é uma altura de decisões, há que definir o que cada um quer, o que cada um de nós está disposto a dar pelas escolhas. Porque, a menos que se queiram converter ao Islão ou tenham um burguês repúdio pelo Estado livre de Israel, só há um lado a escolher. E eu há muito que escolhi o meu.

[João Carlos Silva]

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