segunda-feira, janeiro 23, 2006

Cavaco Silva

A vitória de ontem de Cavaco Silva não me traz grandes alegrias. Com efeito, não me agrada nada saber que um homem que defende o projecto europeu da maneira que defende acaba de ser eleito Presidente da República. Já nos bastava ter um primeiro-ministro que parece governar a partir de Bruxelas. Seguidamente, vem a questão do Estado. Ou muito me engano ou Cavaco Silva continua a alimentar a ilusão de um Estado despesista em relação a todos, isto é, em relação aos que podem pagar o seu bem-estar social através do seu próprio bolso e em relação aos que não o podem fazer, os mais desfavorecidos. Pelo menos foi com esta ideia que fiquei depois de ler uma entrevista sua na Atlântico. Além disso, pelos dois mandatos que Cavaco teve enquanto primeiro-ministro, só se pode pensar num panorama tenebroso, no qual o Estado é a principal entidade existente para se poder fazer política. Parece-me que a burocracia estatal ainda hoje está deveras ligada a Aníbal Cavaco Silva. Dir-se-ia, até, que, daqui por muitos anos, os filhos de Cavaco Silva ainda estarão vivos. Refiro-me, como não poderia deixar de ser, aos milhares de funcionário públicos que actualmente são factor de fraco desenvolvimento para o nosso país. Porém, a verdade é que não existia nenhum candidato melhor.


Por outro lado, muito se tem discutido a questão dos poderes presidenciais. Ora, sabendo-se, à partida, que os poderes do Presidente variam sempre, consoante o homem em funções, seria de bom tom referir-se que, independentemente do nosso sistema ser semi-presidencialista, não se pode esperar «obra» de um homem que não a pode fazer. Isto vai de encontro à ideia de que o Presidente não deverá servir para travar reformas comprometedoras de um hipotético governo. Porquê? Em primeiro lugar, porque o Presidente da República não deverá desempenhar o papel de polícia governamental. Se existe lugar para esse policiamento ser feito, esse lugar está precisamente nas bancadas parlamentares que dizem respeito à oposição. É, pois, a oposição que deverá ser a voz ameaçadora e não o Presidente. Fica mal a um Presidente que, por hábito ou costume, se costuma sentar à mesa com o primeiro-ministro, dizer constantemente que está preocupado. Então, admitir-se que o Presidente da República serve para vigiar ou minar os passos do Governo, é admitir-se que se desconfia do regime político em que estamos inseridos, neste caso, do regime democrático. Depois, já se viu que o estoicismo fica mal a um presidente. O General Eanes, com a sua inflexibilidade moral, nada de bom fez por Portugal ou pela política portuguesa. Pelo contrário.


Assim sendo, espera-se que Cavaco Silva tenha confiança e maturidade suficientes para exercer o seu mandato sem grandes movimentações. Espera-se uma boa articulação com o Governo e com a oposição, sem qualquer tipo de policiamento ou de ameaça a pairar no ar. Espera-se, enfim, que exista um Presidente da República paciente, sereno e disposto a melhorar a imagem do país.

[Paulo Ferreira]