Num país pitoresco como o nosso, não é de estranhar que algumas coisas que deveriam acontecer não aconteçam. Por outro lado, sucedem-se coisas neste país que nunca vi acontecerem em mais lado nenhum. Por exemplo, há uns dias atrás, um idoso senhor aproxima-se de Mário Soares e, sem demoras, dá-lhe um beijo na testa, como se quisesse santificá-lo. Mário Soares, o vetusto, sabendo que em política até um franzir de sobrancelhas conta, fingiu ter gostado muito de ter recebido aquele beijo. Já Cavaco Silva, com o seu estilo fotogénico de sempre, decidiu quebrar a rotina e sair do seu politicamente correcto. Refiro-me concretamente à carantonha assustadora que o senhor fez quando alguns jornalistas o confrontaram com as geniais declarações de Santana Lopes.
Tanto Mário Soares como Cavaco Silva sabem muito bem em que país vivem. Por conseguinte, ninguém se espanta por andarem ambos a fazer campanhas pouco valorizadoras no sentido cívico. Dando mais um exemplo, Cavaco Silva, durante todo o período de pré-campanha esforçou-se por ser politicamente correcto ao máximo. Chegou, até, a dizer que não revelava o nome do autor do último livro que lera porque não competia a um candidato a Presidente da República fazer juízos de valor. Uns dias depois, Cavaco Silva, o homem que não comia nem bebia em público, não fosse parecer mal, aparece na Madeira de Alberto João a dançar um bailinho nhó nhó (pois é, habituei-me a ler Nuno Galopim) com a rapaziada. Ora, estes pequenos acontecimentos não deixam de ser reveladores do país que temos (ou do país que não temos). Afinal, num país hipoteticamente civilizado, já não se fazem campanhas políticas baseadas em tão grande carnaval.
[Paulo Ferreira]
sexta-feira, janeiro 13, 2006
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