sábado, janeiro 14, 2006

O espírito provinciano

Já Ernst Jünger dizia: «Não são os inúmeros golpes desferidos ao lado que pregam o prego, mas aquele que lhe acerta.» No caso português, pode-se dizer uma coisa um pouco semelhante, mas com significado completamente contrário: De tanto bater na madeira, o prego acabará por saltar. Ora, Portugal, por muito que se diga e que se escreva, continua a ser o país pequeno, limitado, provinciano, perdido, de há muitos decénios atrás. Claro que já não se passa fome. Claro que o acesso à universidade agora é para todos. Porém, enquanto existirem jornalistas que escrevam estórias mal condensadas sobre figuras lendárias como Colombo (isto para não me referir à sopa de leite de mama), Portugal continuará a ser o mesmo país de sempre. Repare-se nos telejornais dos canais generalistas: num canal encontra-se a história de um camponês que matou a sua mulher com a enxada, noutro canal encontra-se a feliz história de um casal que queria ter filhos mas que, por desatinos da vida, nunca conseguiu passar a ideia para o papel. Enfim, quanto mais se procurar, mais serão as certezas de que Portugal continua mesmo a ser um país provinciano, quase a esbarrar nos limites da barbárie.


Sem puxar muito pela memória, consigo encontrar três ou quatro nomes de pessoas que, embora possam nem saber ler ou escrever, têm perfeita noção de que o que Portugal gosta é de festa, de coiratos e de tiro ao prato (não esquecer o jogo da malha). Refiro-me, por exemplo, a personagens como Ruth Marlene, Claudisabel, Emanuel ou Graciano Saga. Todas estas figuras trabalham para comer. Todas estas figuras gostam de entreter. São portuguesas. Vivem para os portugueses (embora muitas vezes sejam rejeitadas por esses mesmos portugueses, que, mal vêem um sinal europeísta vindo de Bruxelas, desatam a pensar que são ricos e, por conseguinte, cultos). Não sei qual será o caminho de Portugal nos próximos anos, no entanto, estaria para apostar que o caminho, se não for rochoso, será enevoado. Assim sendo, para que os portugueses ganhassem uma nova consciência do que é ser português integrado na União Europeia, deveríamos todos voltar as costas ao novo-riquismo que nos tem contaminado a alma. Quando falo de novo-riquismo, falo, concretamente, do português que não tem dinheiro para comer mas que se encalacra de forma abrupta para comprar o palácio dos seus sonhos; falo do português que enche as estantes de sua casa com volumes e volumes de Camões e de Herculano para depois ir jogar uma sueca com os amigos e emborcar umas cervejas no bar de alterne da freguesia («O Canhoto», por exemplo, seria um bom nome, não seria?).

No final, chega-se à conclusão de que os portugueses são, na sua maioria, envergonhados, medrosos, pois nem conseguem admitir que o que gostam mesmo é de pão com presunto. Desenvolvimento? Só mesmo na Inglaterra.

[Paulo Ferreira]