segunda-feira, janeiro 30, 2006

E eu a pensar na pobreza

Carlota, brasileira de gema, quando olhava para as etiquetas das camisolas caras, pensava em ganhar dinheiro para parar de sofrer com certos pensamentos que podem deixar uma pessoa transtornada. Certo dia, ao ver uma etiqueta em que aparecia a famosa expressão «Made in USA», Carlota pensou: «Quando tiver uma filha, ela terá nome de gente grande!» E foi assim que, revoltada, a filha de Carlota veio ao mundo com o nome de Madinusa.

[Paulo Ferreira]

domingo, janeiro 29, 2006

Aquecimento global (ou neve escatológica)

Por esta altura, devem andar muitos lisboetas a pensar que mal fizeram a Deus para verem neve a cair em cima das suas casas. No entanto, a verdade é que a neve cai em Lisboa e não há deus que possa alterar a situação. Se a minha pessoa fosse dotada de qualquer tipo de preocupação ambientalista, diria, como muitos, que a culpa de nevar em Lisboa é «do» Bush. Mas como sou um simples canastrão, pouco preocupado com o futuro da espécie ou do planeta,limito-me a observar a neve que cai na minha varanda, sem me preocupar com nada. Se me quisesse fazer de artista de imprensa, escreveria aqui que tenho um pensamento escatológico, quase agostiniano. Porém, como a teoria das sete idades do mundo nunca me convenceu muito e como tenho muitas dúvidas sobre o que se possa passar depois do momento em que a vida termina, limito-me a mostrar regozijo pelo facto de, pela primeira vez na vida, terem nevado umas pequenas pedras de gelo em Lisboa.

[Paulo Ferreira]

sábado, janeiro 28, 2006

She


Roy Liechtenstein, Drowning Girl

[João Carlos Silva]

sexta-feira, janeiro 27, 2006

O país das maravilhas

Esta manhã, ouvi uma senhora peixeira gritar, com todas as suas forças, que este país é uma vergonha. Eu, que de manhã não costumo ouvir nada nem ninguém, fiquei espantado. Só passadas umas horas é que comecei, com a ajuda de um valente café, a pensar nas palavras da senhora peixeira. Portugal é uma vergonha, Portugal é uma vergonha. Já estou a ficar envergonhado. Mas, para que não me comecem a insultar, passo a explicar as razões que me levam a concordar com a peixeira, que é uma grande senhora, como já referi.

Portugal começa por ser uma vergonha logo no seu centro do poder. José Sócrates, por muito feminista que seja (sim, feminista, porque todo o homem que é histérico só pode ser feminista), não consegue convencer nem um cego a deixar de tentar de ler como as pessoas que podem desfrutar da dádiva que é a visão. Com efeito, a incompetência do nosso primeiro-ministro é demasiadamente grande para que possa ser descrita detalhadamente. Mesmo assim, fica a menção.

As eleições. Na semana passada, assistiu-se à maior parolice que se podia assistir num país supostamente civilizado como o nosso. As eleições presidenciais. Quem é que disse a Manuel Alegre que ficava bem a um trovador armar-se em Knight Rider dos fracos e oprimidos? Pelo que sei, andar pelas ruas a pregar a desagregação dos sistemas partidários ainda é a mesma coisa que dizer que a política é um grande, mas mesmo grande, monte de palha pronto a comer pelos burros famintos. Manuel Alegre não tinha uma sequer ideia para o país. Tinha ódio. Queria vingança. Ou o reconhecimento que nunca lhe deram. Por outro lado, as eleições presidenciais também serviram para se perceber que Portugal, apesar de já não ser um país às direitas, é um país onde qualquer labrosta pode advogar a santidade e a pureza da alma. Veja-se o caso do infame «Olhos nos olhos» de Francisco Louçã. Sinceramente, depois de olhar para o cartaz do Bloco de Esquerda, tive a sensação de que as forças do mal me queriam devorar a alma sem piedade ou misericóridia. Porém, apesar de todas as contrariedades, lá estava o homem, impávido e sereno, a dizer, sem qualquer tipo de vergonha na cara, que para ele é tudo olhos nos olhos. Finalmente, e para não se pensar que neste país só se vive de circo, tivemos o caso de um homem que ganhou as eleições presidenciais sem dizer uma palavra. Só por isso mereceu a maioria.


Fugindo um pouco da política, sabe-se que em Portugal as coisas não são melhores porque as pessoas não querem que nada melhore. Por exemplo, todo o mundo sabe que o melhor que aconteceu ao país nos últimos tempos foi Pedro Santana Lopes. Ora, Santana, o Breve, embora mal sabendo ler ou escrever, tinha jeito como poucos para divertir a malta. Nunca me esquecerei de um dos seus mais famosos discursos enquanto primeiro-ministro, que começava e acabava com as seguintes palavras: «O meu nome é Pedro Santana Lopes.» Saber de economia para quê? O país não melhora de qualquer maneira.


Quanto à burocracia, nem são precisas muitas palavras, já que também eu me começo a envergonhar. Sem mais demoras, deixo aqui um pequeno exemplo de como as coisas por aqui demoram tempo e dinheiro. No outro dia, precisei de contactar com um serviço de acção social qualquer, já não me lembro bem por que razão. Porém, para começar, a chefe de secção da burocracia, espantem-se, chamava-se Gina. Isso mesmo. Não é de imaginar que, com uma pessoa com esse nome, apareça uma actriz pornográfica a querer trocar um felácio por meia dúzia de tostões? É, não é? Pois é. Depois, a Gina tratou-me mal e disse que o Estado não chega para tudo, embora eu saiba que o Estado por aqui é tudo, o que me leva a pensar que há aqui qualquer tipo de contradição. Seguidamente, fui despachado para um corredor onde me disseram, horas depois, que a secção ia fechar. Fui para casa sem ter feito nada. Enfim.


Julgo que não serão precisos mais argumentos para que o leitor perceba que está a ler uma pessoa que tem de viver num país que é uma vergonha. Mas mais vergonha tenho eu, que nem dinheiro tenho para comprar um bilhete de avião.

[Paulo Ferreira]

Messias

Hoje, 250 anos depois de Mozart nascer, o meu caro amigo G., pianista brilhante, sentiu-se mal disposto. Tenho de confessar, eu vejo nisso um certo messianismo.

[João Carlos Silva]

Algo que vale a pena

Há que referir a qualidade do novo suplemento das sextas-feiras do Diário de Notícias: muito convenientemente, a . Esta , e ficou confirmado hoje ao terceiro número de bastante qualidade, é, sem dúvida, uma boa «revista», que se vem juntar ao bem mais errante e nem sempre bem tratado Mil Folhas (Público ao sábado). Dentro do que há de artes, e de boas análises a edições recentes e não só, é um suplemento efémero mas que vale muito a pena. Está de parabéns o DN*.

*muito embora os números «dedicados a» (algum artista), como hoje, sejam dispensáveis, pela repetição e saturação do espaço da revista.

[João Carlos Silva]

A bondade de um escritor

Não é a primeira vez que afirmo que a principal característica que encontro na obra de Fernando Namora tem pouco que ver com assuntos literários. Com efeito, da mesma maneira que não se pode analisar um escritor a partir daquilo que faz fora da literatura, também não se pode dizer que a bondade seja algo que se englobe nas veredas literárias. Isto porque a bondade não é nem nunca será um recurso de estilo. Mesmo assim, não hesito em escrever que o principal traço criativo de Namora é a bondade. Não hesito, em primeiro lugar, porque, como é do conhecimento de muitos, Namora tinha, acima de tudo, um bom coração. Um coração enorme. Depois, sabendo-se que o autor de Retalhos da Vida de um Médico primava essencialmente pelas criações neo-realistas, não será difícil comprovar-se que, realmente, não existe descrição da pobreza portuguesa que não inclua uma espécie de comoção por parte de quem a faz. Simplificando as coisas: Fernando Namora foi, ao longo da sua vida, um escritor que sempre se preocupou com a desgraça alheia. Isso talvez se deva ao facto de também ter exercido a profissão de médico.

Costumo dizer a amigos mais próximos que Namora foi um escritor sem maldade. Embora isso seja, normalmente, afirmado em conversas de café, não deixo de pensar que talvez a coisa tenha o seu sentido. Vejamos: quando me refiro à ausência de maldade na obra de Namora, refiro-me, por exemplo, à preocupação extrema que por vezes trespassa do autor para as suas personagens. Assim, mesmo a mais nauseabunda das personagens é sempre dotada de um cariz humanista ou, se se preferir, de um cariz dotado daquilo a que muitas vezes se dá o nome de piedade. Dir-se-ia que Namora, em vez de expor as suas personagens à humilhação, expõe-as a um sofrimento piedoso. As suas personagens sofrem de fome ou de doença mas nunca deixam de ser pessoas. É essa a memória que me fica dos livros de um médico que, antes de ser escritor, já era homem.

[Paulo Ferreira]

O monstro

Conheço um monstro que passa as tardes sentado num banco de café a ler. Por vezes, quando não está a ler, o monstro deleita-se a observar o fio do horizonte. Sem mais. O fio do horizonte enegrecido por um rasto de fumo de cigarros é o que o monstro vê quando não lê. Pelo monstro passam pessoas e animais, no entanto, para o monstro pessoas e animais são a mesma coisa e, por conseguinte, a diferença entre uns e outros, por vezes, torna-se mínima, quase nula. O monstro é monstro porque vive como se fosse uma formiga a tentar desviar-se do dedo humano que a quer esmagar. O monstro tem medo da vida e, principalmente, do mundo. Se eu não conhecesse o monstro diria que o monstro sou eu. Uma sombra. Uma beata de cigarro.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Hamas no poder (primeira declaração de intenções)


Conferência do partido político recentemente eleito na Palestina

Durante algum tempo, em alturas de «decisão para o Iraque», tive sempre algumas reticências em relação às operações militares. A minha dúvida - que, para ser justo, é antes uma crença pessimista, mas firme - era a de que um sistema democrático (electivo, ocidental) «implantado», mesmo que virtualmente, num país muçulmano com pouca tradição de liberdade, paz ou contacto com outra cultura que não a do Corão armado, falharia. Ou seja, que a guerra justa para retirar Saddam, ditadorzinho petulante da região, do poder político do Iraque, e consequentemente retirar-lhe o poder pessoal sobre as armas que teria ao seu dispor, só seria «feliz» pela iniciativa e pelos resultados a curto prazo. Ainda assim, apoiei a decisão. Pela acção. Mesmo que o planeamento estratégico e político (para o território iraquiano) tenha sido um fracasso. Ainda que, surpreendentemente, o povo iraquiano tenha mostrado sinais, mais que louváveis, de maturidade e inteligência, ignorando os ortodoxos islâmicos, continuo com a crença de que eleições em países povoados por políticos fundamentalistas ou alucinados são uma faca de dois gumes. E esse pessimismo foi «correspondido» hoje: o Hamas ganhou na Palestina.

Enquanto Jesus Cristo se sentava numa pedra e falava de amor a todos (mesmo romanos), Maomé, num dos seus famosos ataques epilépticos, entrou num estranho transe no qual contactou com o arcanjo Gabriel, que lhe ordenou a pregação. A pregação, é claro, teria de implicar expansão. Pela espada. Ora, o Profeta Maomé escolhera a espada, e na História não se pode mexer na raiz das «coisas». Essa foi a via escolhida para os seus seguidores, segundo expresso no Corão.
Por isto, poder-se-ia dizer que um muçulmano moderado é alguém que não quer ser muçulmano, ainda que acredite num Deus único. Também por isto, chamar fundamentalista a um ortodoxo não é, de facto, um insulto. Os fundamentos estão lá desde o séc. VII. E, como é óbvio, o Corão não prevê qualquer coexistência pacífica com qualquer povo que interfira no devir muçulmano.
Kofi Annan, como sempre, falou de negociações de paz e de desarmamento, mas como negociar com um governo que acredita ainda no que referi? Sobretudo, como falar de acordos com um governo terrorista agora legitimado pelos próprios palestinianos? Algo está errado, é verdade, mas apenas para os ocidentais. Porque não há, decerto, anormalidade nos projectos (do Hamas) para os tempos que se seguem.

Diz Joel C. Rosenberg hoje na National Review Online: «In the end, while Sharon won widespread international plaudits by retreating from Gaza, he also sent the dangerously destabilizing message to the Palestinian people that terror, not negotiations, is the only way to regain territory. Was this not precisely the opposite of the message Mr. Bush has been trying to communicate in the War on Terror? [...] Specifically, President Bush should greet the Hamas victory with a policy of "Three No's" — no recognition, no negotiations, and no funding».
Rosenberg tem a visão correcta sobre o assunto, ainda que reticente quanto à capacidade do governo americano de segurar mais um «ponto quente» no Médio Oriente. Esse, parece-me, é a circunstância mais grave dos tempos actuais. Com um líder alucinado no Irão e com um partido como o Hamas no poder na Autoridade Palestiniana, o mundo parece estar a dar uma grande volta. E, porque esta é uma altura de decisões, há que definir o que cada um quer, o que cada um de nós está disposto a dar pelas escolhas. Porque, a menos que se queiram converter ao Islão ou tenham um burguês repúdio pelo Estado livre de Israel, só há um lado a escolher. E eu há muito que escolhi o meu.

[João Carlos Silva]

Um desastre



A vitória do Hamas. Um desastre.

[Paulo Ferreira]

O caso do prefácio

No dia 10 deste mês, quando começou este blogue, colocou-se a hipótese de se convidar Eduardo Lourenço para aqui fazer um pequeno prefácio. Porém, como não conheço nem nunca conheci o senhor, achei por bem ficar sossegado. Além disso, Eduardo Lourenço, o mais que provável recordista português de prefácios, deveria estar, como sempre, ocupado na elaboração de um prefácio para algo mais interessante do que um blogue de dois perfeitos desconhecidos. Mesmo assim, aqui fica o recado: se alguém, por acaso, ler este post e se, por outro acaso, esse alguém for ou conhecer Eduardo Lourenço,a direcção deste blog disponibiliza-se para aceitar um pequeno textinho que sirva de prefácio ou, quem sabe, de posfácio.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, janeiro 25, 2006

A coluna de JAD

Tem-se dito que Joana Amaral Dias está entre os grandes derrotados da noite. Penso que não. Pelo menos, nesta campanha, graças a uma ou outra aparição pública mais física aqui perto, tive oportunidade de, finalmente, examinar com mais atenção a sua coluna. E, pelo menos pela impressão prática que a sua coluna deixou, é impossível sair derrotada.

[João Carlos Silva]

Retaliar

Chirac disse, há cerca de uma semana atrás, que retaliaria com armas nucleares contra qualquer ataque terrorista em solo francês.
Ora, Chirac, ao dizer tal cretinice, não se apercebera disto: abrira um precedente. Mas não me refiro ao facto de sugerir às organizações e mecenas terroristas uma nova arma - precedente desnecessário porque já aberto no dia em que a própria arma nuclear surgiu, ao dispor dos mesmos. Nem me refiro sequer, se tivesse um laivo de antiamericanismo, à possibilidade de «abrir caminho» para as outras potências terem a mesma posição.

Não, refiro-me, é claro, a um problema bem mais simples. Bem mais «nosso». Logo, bem mais grave. Ou seja, o impacto que aquelas declarações tiveram em Portugal. Ao dizer que responderia com martelo a uma violenta picada de alfinete, Chirac deu, aos portugueses mais castiços, uma nova visão de defesa do país.
Tomemos como exemplo o senhor Joaquim, do café (e aproveito aqui, num instante, para lhe mandar um abraço). Agora, é vê-lo responder, à menor desconfiança, da forma mais violenta. De facto, à semelhança dos gauleses, também nós não queremos que mexam no que é nosso, no qual está incluído está incluído o nosso corpo (o senhor Joaquim sublinha este ponto) e a nossa «terra». E esta é demasiado pequena para correr esse risco.
Ora, ainda outro dia, o senhor Joaquim, ao ver surgir na televisão a face carismática do senhor presidente do Irão, bradou de imediato: «Ah, pantomineiro! No meu Portugal não te atrevas a mexer! Aqui é que não vais rezar...». E atirou uma colher de café ao écrã.

Mas este fervor defensivo também acontece a nível pessoal. Agora, ao menor sinal de calote, o senhor Joaquim, bem haja, não hesita, no seu café, em usar dos mais surpreendentes meios de retaliação para contornar o hábito de crédito ultraesticado dos clientes. Isto é, não hesita, no seu café, em tirar, de trás do balcão, um pau de marmeleiro enrolado no 24 Horas: «Na minha casa não! Ai isso é que não!», sendo casa o termo afectuoso, de levar às lágrimas, para se referir ao seu café.
De facto, até Portugal se tornou um país demasiado pequeno para não se dar ao luxo de se defender a todo o custo, com tudo o que tem. E, para além de se defender com tudo o que tem, de retaliar com mais do que tem. Aliás, quando Durão Barroso, herói homérico dos subsídios da União Europeia, promete um futuro melhor para os portugueses, o senhor Joaquim não perdoa. Em cada coçar do interior da orelha há um pensamento subentendido, ressabiado com a caridade dos «outros» para com a nossa humilde mas esforçada terriola: «Não perdes pela demora...».

Aliás, acerca de nós, não deixa de ser revelador que, de um português que emigre, por exemplo, para Paris ou Salamanca, nós digamos que «foi trabalhar para a Europa». Então e nós? Ficámos no Norte de África?
E porque Portugal é tão pequeno, o senhor Joaquim protege-o agora contra tudo e contra tudos. Para mais, graças ao exemplo de Chirac, sonha fazê-lo com um poderio militar dos tempos áureos dos Descobrimentos. Isto num país europeu que já era, ele mesmo, limítrofe, alheio. A ser protegido a martelo. E, ao contrário do caso francês, esta adorável pequenez deve ser protegida, defendida e retaliada. E, já que vem aí o choque tecnológico, não tardará que o senhor Joaquim, assim como outros compatriotas, exija, também, o choque tecnológico. Até porque no outro dia, enquanto armava o pau de marmeleiro à cintura, a sua crença, dizia, era esta: «Votei Cavaco porque ele nos prometeu a todos um Portugal Maior. Até que enfim. Vem aí outra vez a expansão portuguesa!».

[João Carlos Silva]

Blogs

Adicionados três novos links, dos que faltavam, na lista do lado: segundo-Impacto, Poesia & Lda. e Royale With Cheese (que, de forma mais justa, poderia ser, apenas, cinephilus).

[João Carlos Silva]

Chris Penn 1965-2006


[João Carlos Silva]

terça-feira, janeiro 24, 2006

Paus & pedras

Ontem, ao ver as imagens em Fafe, julguei que se estava a iniciar a Quarta Grande Guerra, que, segundo Einstein, se faria com paus e pedras, como na Pré-História. Depois, acordei e apercebi-me de que estávamos em Portugal, o país mais norte-africano da Europa.

[Paulo Ferreira]

Espera-se por 9 de Março

Espero, sinceramente, que a partir de agora os meus pesadelos com a frase «Estou muito preocupado!» se acabem de uma vez por todas.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Cavaco Silva

A vitória de ontem de Cavaco Silva não me traz grandes alegrias. Com efeito, não me agrada nada saber que um homem que defende o projecto europeu da maneira que defende acaba de ser eleito Presidente da República. Já nos bastava ter um primeiro-ministro que parece governar a partir de Bruxelas. Seguidamente, vem a questão do Estado. Ou muito me engano ou Cavaco Silva continua a alimentar a ilusão de um Estado despesista em relação a todos, isto é, em relação aos que podem pagar o seu bem-estar social através do seu próprio bolso e em relação aos que não o podem fazer, os mais desfavorecidos. Pelo menos foi com esta ideia que fiquei depois de ler uma entrevista sua na Atlântico. Além disso, pelos dois mandatos que Cavaco teve enquanto primeiro-ministro, só se pode pensar num panorama tenebroso, no qual o Estado é a principal entidade existente para se poder fazer política. Parece-me que a burocracia estatal ainda hoje está deveras ligada a Aníbal Cavaco Silva. Dir-se-ia, até, que, daqui por muitos anos, os filhos de Cavaco Silva ainda estarão vivos. Refiro-me, como não poderia deixar de ser, aos milhares de funcionário públicos que actualmente são factor de fraco desenvolvimento para o nosso país. Porém, a verdade é que não existia nenhum candidato melhor.


Por outro lado, muito se tem discutido a questão dos poderes presidenciais. Ora, sabendo-se, à partida, que os poderes do Presidente variam sempre, consoante o homem em funções, seria de bom tom referir-se que, independentemente do nosso sistema ser semi-presidencialista, não se pode esperar «obra» de um homem que não a pode fazer. Isto vai de encontro à ideia de que o Presidente não deverá servir para travar reformas comprometedoras de um hipotético governo. Porquê? Em primeiro lugar, porque o Presidente da República não deverá desempenhar o papel de polícia governamental. Se existe lugar para esse policiamento ser feito, esse lugar está precisamente nas bancadas parlamentares que dizem respeito à oposição. É, pois, a oposição que deverá ser a voz ameaçadora e não o Presidente. Fica mal a um Presidente que, por hábito ou costume, se costuma sentar à mesa com o primeiro-ministro, dizer constantemente que está preocupado. Então, admitir-se que o Presidente da República serve para vigiar ou minar os passos do Governo, é admitir-se que se desconfia do regime político em que estamos inseridos, neste caso, do regime democrático. Depois, já se viu que o estoicismo fica mal a um presidente. O General Eanes, com a sua inflexibilidade moral, nada de bom fez por Portugal ou pela política portuguesa. Pelo contrário.


Assim sendo, espera-se que Cavaco Silva tenha confiança e maturidade suficientes para exercer o seu mandato sem grandes movimentações. Espera-se uma boa articulação com o Governo e com a oposição, sem qualquer tipo de policiamento ou de ameaça a pairar no ar. Espera-se, enfim, que exista um Presidente da República paciente, sereno e disposto a melhorar a imagem do país.

[Paulo Ferreira]

domingo, janeiro 22, 2006

A vitória

Apesar de não ser um apoiante convicto de Cavaco Silva, confesso: gostei da vitória do senhor à primeira volta. Isto, apesar de saber que nem eu nem ninguém que goste realmente de política à inglesa (esqueçamos o Tony)apreciará as ideias de Cavaco no que se refere à União Europeia e ao Estado. Mesmo assim, é como diria o outro, mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.

[Paulo Ferreira]

Sócrates & Vitorino

Depois do hediondo acto de José Sócrates, só faltava aparecer-me António Vitorino a dizer que a partir de agora será tudo diferente.«Estão mal habituados, pois estão, não estão?».

[Paulo Ferreira]

A ler

Um post do Bruno Alves sobre 99,06 %(e o Garcia?) dos candidatos presidenciais.

[Paulo Ferreira]

Sobre o discurso de Jerónimo

«Apoderar» não é sinónimo de «receber», nem «eleições» é sinónimo de «Gulag».

[Paulo Ferreira]

Falta de educação II

Concordo com Pacheco Pereira quando, no Abrupto, afirma: «Se fosse Alegre repetia a declaração.»

[Paulo Ferreira]

Falta de educação

José Sócrates, o esquerdista moderno, agora coxo, ao «interromper» Manuel Alegre, mais não fez do que revelar toda a sua prepotência. É por estas e por outras que digo sempre que desenvolvimento só na Inglaterra.

[Paulo Ferreira]

À espera dos bárbaros

Um dos meus poemas preferidos, aqui.

[Paulo Ferreira]

Reflexão

Nestas horas de reflexão, aparecem-me duas pequenas dúvidas: emigrar ou votar?

[Paulo Ferreira]

Gordos e gordas

«Um gordo é divertido pela mesma razão que um homem traído é cínico: por defesa. Tem graça com quem compensa. Como quem se protege. O gordo é como o anão: precisa de transformar a sua aparente inferioridade em entretenimento. E os outros (os magros, os normais) adoram isso. Não querem outra coisa. O gordo é como um urso de circo: basta a condição de urso para garantir a vossa atenção.»

- Pedro Mexia, Notícias Sábado, 21/01/2006

[João Carlos Silva]

Referências criativas


Johnny Cash

When I was just a baby, my mama told me, "Son,
Always be a good boy; don't ever play with guns."
But I shot a man in Reno, just to watch him die.
When I hear that whistle blowin' I hang my head and cry.


(Folsom Prison Blues)

[João Carlos Silva]

sábado, janeiro 21, 2006

Ai Jesus, apaga a luz !

De bandeira do partido na mão, a rapariga gritava o nome do seu candidato presidencial, como se este fosse alguém que, pela noite, entra nas casas das donzelas desprotegidas com a palavra sexo no corpo.

[Paulo Ferreira]

Agradecimento

Quero, desde já, dizer que a partir de amanhã começo a ler Maria Velho da Costa.

[Paulo Ferreira]

De um só fôlego

De cada vez que leio um livro de Pedro Paixão, fico com a sensação de que não estou a ler nada de novo. E, se calhar, não estou mesmo. As histórias inventadas por Pedro Paixão são sempre semelhantes umas às outras. Englobam-se todas num quadro deveras intimista, no qual Pedro Paixão expõe as vidas das suas opacas personagens ao olhar inquisidor do leitor. Vê-se isso, por exemplo, em livros como Boa Noite, Amor Portátil, A Noiva Judia ou Histórias Verdadeiras. Em quase todos estes livros existe a descrição de um sentimento amoroso prestes a esvair-se em nada, em solidão. Esta descrição tanto pode ser feita por um homem ou por uma mulher, já que o amor é algo um tanto ou quanto universal. Ora, indo de encontro ao que acabei de referir, acrescentaria ainda que a sensação de desgaste de uma relação amorosa pode ter efeitos iguais num homem ou numa mulher, embora não seja comum que duas pessoas pensem ou sintam exactamente da mesma maneira. Isto porque cada um tem a sua maneira de se exprimir em situações idênticas.

Muitos são os que afirmam que Pedro Paixão é um autor light. Devido a algumas circunstâncias que me são alheias, chego, por vezes, a concordar com tal ideia. De facto, desde o cinzento prateado a dar cor às capas de alguns dos seus livros a títulos escolhidos como Nos Teus Braços Morreríamos, existe toda uma ambiência que leva o leitor comum a pensar que Paixão possui um não sei quê de leve. No entanto, a verdade é que Paixão possui uma escrita fluida, corrida, que faz com que a maior parte da sua ficção não necessite de um conteúdo muito aprofundado. O estilo de escrita ligeiro, cheio de silêncios e de frases por dizer, é o que faz com que Pedro Paixão seja, neste momento, um autor português que vale a pena ser lido. Nem que seja pela piada. É por isso que leio sempre Pedro Paixão de um só fôlego.

[Paulo Ferreira]

Sentido inverso

«Tanto o espaço como o tempo criam ilusões de óptica. Imagina-se Picasso sempre famoso e rico, porque tendemos a projectar a sua vida do fim para o princípio, no sentido inverso em que foi vivida. Para começar a contar qualquer história é já preciso saber-lhe o fim. Julgamos o que acontece como se tivesse de acontecer porque de facto aconteceu, uma crença num destino que é uma forma de superstição.»

- Pedro Paixão, Saudades de Nova Iorque

[João Carlos Silva]

Democracia

Na rua, um senhor mais castiço que os comuns dizia, entre dentes e entre bigode, que não quer que M.S. ganhe porque não lhe apetece que ele ganhe. O que, em democracia, é - assustem-se - um argumento tão bom como os outros. Ou melhor.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Mundo velho

Um bom artigo de José Cutileiro no Expresso, que nos faz compreender a necessidade de combater um fanático como o iraniano Ahmadinejad. Aqui fica um excerto:

Há 73 anos, um megalómano anti-semita foi eleito chanceler da Alemanha. Seis anos depois começou a Segunda Guerra mundial. No intervalo, apesar do megalómano ter escrito um livro em que anunciava o que faria se tomasse o poder, as outras potências europeias da altura – o Reino Unido e a França – foram encontrando razões para não o confrontarem e foram cedendo aos seus ímpetos expansionistas, sacrificando de caminho a Checoslováquia, convencidos de que assim assegurariam para si paz e sossego. Só no verão de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polónia, perceberam que, para sua própria sobrevivência, teriam de liquidar Hitler.

[Paulo Ferreira]

Cavaco

Visto serem eleições presidenciais as que aí estão à porta, e nelas se votar no homem, poder-se-ia, num país menos europeu ou menos caciquista, esquecer os partidos, e respectivas máquinas partidárias, que estão por detrás de cada um dos candidatos, à excepção de um ou dois. Nessa hipotética conjunção, tenho de admitir que, à excepção do perigosíssimo Garcia Pereira e do inenarrável Francisco Louçã, há quatro candidatos «votáveis» nestas eleições, tendo eu um enorme respeito por cada um deles. Por causa deste respeito, coibi-me de disparatar o máximo possível (como fizeram alguns outros blogues) sobre os candidatos da esquerda, ao contrário dos que se esforçaram por criticar a idade, a profissão, o nariz, a gravata e até a percentagem de votos prevista dos outros. Foi, por isso, uma campanha com poucos argumentos, baseada na simpatia (ou antipatia) por esta ou aquela personalidade.

Mas a simpatia não resvalou para a parte política, e aí vence o «menos mal». Ao contrário do que dizia uma senhora num telejornal ontem, Cavaco Silva não é um «homem frio e calculista» (sic). Se prestassem mais atenção às entrevistas mais informais do senhor, descobririam algo mais sobre ele. Foi uma campanha pensada, de facto (bem antes da campanha real começar), mas o «homem» mesmo é muito mais simples do que isso.

Talvez por isso eu seja obrigado a concordar com Cavaco quando ele diz que «não é um político». De facto, não é. É demasiado honesto e bem-intencionado para tal. Não no sentido mole, como Jorge Sampaio. Mas no sentido do trabalhador de escritório, dedicado, física e moralmente, ao trabalho. E ao país. E é por essa dedicação que mantenho a minha convicção e opção de Outubro.

[João Carlos Silva]

Post mortem

Como é que se elogia um morto? Será que é possível «dignificar a memória» de um homem? Há algo de terrivelmente mórbido na consolação católica mais beata de beijar a imagem ou velar pela alma, não deixando, no entanto, de ser uma consolação muito nossa, muito humana (e, diria mesmo, muito portuguesa, segundo a nossa tradição religiosa). Uma consolação de fé, baseada num mundo ininteligível. E nisto deve-se recorrer sempre a um génio, numa incerteza tão certa, e no entanto tão sólida:

«Palavreado. Como julgar-me para depois de morto se então não estarei vivo? Depois de morto estou morto mesmo, e isso é que eu tenho de pensar, enquanto respiro. Morrendo, não penso em mim. Os outros também não pensam. Que é para nós a luta dos que morreram ignorados? Nada. Nem uma tabuleta. E que é positivamente para eles a mesma luta, agora que são terra? Nada, caramba. Ao menos esses pensariam que a morte os poderia liquidar: mas não às certezas que os habitavam.»

- Vergílio Ferreira, Mudança

[João Carlos Silva]

A economia niilista

Durão Barroso, velho conhecido, aquando das votações «negativas» desta última semana, propôs ao Parlamento Europeu uma «visão realista» do orçamento da União Europeia. Ora, eu proponho, por outro lado, uma «visão niilista» do orçamento: saudavelmente pessimista, sem acreditar em predestinados, sem acreditar em mecanismos absolutos que nos defendam das maleitas exteriores. Para quem anseia por mais uma avalanche de subsídios e «ajudas» (que sustentam, normalmente, sabe-se lá quem e como), tenho de lembrar que o hábito português tem sido esse. E é esse mesmo hábito, aliado à terrivelmente justa lógica do «devedor-pagador», que nos levou a este ponto da nossa história económica. Não me parece que um país possa, teoricamente, falir. Mas as economias podem, de facto, ser conduzidas (sublinho conduzidas) para um precipício. Sobretudo aquelas que não se sabem mexer sozinhas. Como a nossa.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, janeiro 19, 2006

A ler

«O pupilo sem qualidades», texto de João Paulo Sousa, no Da literatura.

[Paulo Ferreira]

O cidadão do mundo

Para todos os basbaques que apreciam o cosmopolitismo das ideias, aqui fica uma pequena definição para a expressão «cidadão do mundo»:

Trabalha, trabalha.
Perdido na multidão, agora é apenas um homem como os outros. E sofre...


- Blaise Cendrars, Rum

[Paulo Ferreira]

A juventude

Diz-se que a juventude é a melhor fase pela qual passa o ser humano. Na minha opinião, a juventude é a pior das coisas que nos podem acontecer. Que nos podem acontecer, exactamente. Se formos a ver as coisas como elas são, ninguém escolhe nascer bebé ou morrer velho. Ninguém escolhe ser jovem ou passar pela fase da juventude. Não. A juventude, como a morte, é uma fatalidade. Com efeito, é na juventude que se cometem os erros mais deprimentes (como o erro continuado da masturbação, por exemplo). É na juventude que a vida mais custa a suportar. É na juventude que se aprende a ser animal.


Numa outra perspectiva, podemos dizer que a juventude sempre se relacionou mal com a política. Isto, apesar de se saber que são os jovens que mais se interessam pelo mundo político. Porém, a política a sério, aquela que é feita por pessoas sérias, decentes e informadas, não se aplica aos jovens. É por isso que afirmo que a juventude sempre se relacionou mal com a política. Os jovens nem sempre têm a noção exacta do que é ser-se um actor político, com responsabilidades e obrigações. Na maior parte dos casos, para os jovens a política é uma fonte de hipotético rendimento, é um contrato que se tem que tomar com o futuro. Veja-se o exemplo das juventudes partidárias, veja-se o caso do sempre medíocre João Almeida, um imberbe que, antes de ter terminado a sua licenciatura, preferiu integrar-se no «letrado» mundo da política. Tanto João Almeida como os seus companheiros das juventudes partidárias são pessoas desprovidas de qualquer tipo de sentido de orientação. Não têm sentido de posição no mundo. Falta-lhes massa cinzenta. Falta-lhes livros. Falta-lhes vergonha.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Eco-Eco

Se cortares lenha na floresta, o eco repete-o.

- Blaise Cendrars, Contos negros para os filhos dos brancos

[Paulo Ferreira]

Aurora


Se há realizador onde o Mal tem cara, onde a face mais escura do Homem tem expressão física, é F.W. Murnau. E Aurora (ou Sunrise - A Song Of Two Humans) é um exemplo extremamente «humano» dessa tentativa de mostrar o Mal. Na verdade, um dos elementos subtis que surgem neste filme são os impulsos obscuros que perturbam o espírito do pilar central do filme: o «homem» (George O'Brien). Este «homem» sofre, permanentemente, o assédio moral da corrupção, personificada pela «mulher da cidade» (Margaret Livingston). Por outro lado, a beleza apolínea da «mulher», da «esposa» (Janet Gaynor), traz um certo horizonte positivo ao equilíbrio moral da personagem principal. Esta beleza revela-se, no momento do crime anteriormente perpetrado, uma muralha contra a maldade motivada no «homem».

De facto, ao longo do filme, é excepcional o trabalho de Murnau, mas com enorme mérito também de O'Brien e de Gaynor, em realçar as alterações físicas que o estado de espírito de cada personagem (personagens universais, note-se - sem nomes) efectua. Há, de facto, uma «continuidade absoluta» na acção, como dissera em tempos Vinicius de Moraes. Murnau tenta, pois, reduzir os cortes de cenas quase ao mínimo possível. Nota-se uma quase ausência dos momentos de day after, de quebras de ritmo. O pensamento do «homem» (e do Homem também) é, portanto, algo contínuo, embora com evoluções diferentes. A face de George O'Brien sofre alterações radicais, desde a barba feita e cabelo penteado enquanto em pleno dia na cidade com a esposa, até à grande desolação dos seus olhos quando julga a sua mulher afogada no lago. De um estado de espírito/expressão física para outro vai uma longa mas contínua evolução. E a emotividade desta evolução parece-me apenas ter sentido, e realmente grandiosidade na época e tipos de filmes de 1927. Para mais, é preciso ver este filme na grande tela para realmente nos rendermos ao sublime tratamento que Murnau ali dá ao filme. E aos humanos.

[João Carlos Silva]

Três nomes

Anda por estas bandas, uma discussão assaz interessante sobre os três nomes. Nomeadamente sobre os meus três nomes: «Tiago Apolinário Baltazar».
Aparentemente existe um vasto, pequeno, consenso de que eu deveria apresentar-me apenas como «Tiago Baltazar». Afirmam-me, juram-me, que, «Apolinário», de certo modo, não conjuga entre «Tiago» e «Baltazar».
Lembro-me ainda dos tempos em que, pedindo-me as senhoras para que revelasse o meu nome completo, o simples trauteamento do nome «Apolinário» era sinónimo de risada geral, vai-se lá saber porquê. Agora, a risada, deu lugar a um simples olhar esbugalhado, seguido de uma simples pergunta: «Apolinário?», como que, repetindo a injúria, ela pareça menor. Santo Deus.

Vejamos uma coisa, o nome é aquilo que somos. Sem nome não somos nada. Não existimos. Já os índios das Américas – antes da chegada dos Europeus – sabiam isto, ora não preferissem eles chamar-se «tipo com cara de cu», a não terem qualquer tipo de nome.

Renegar o nosso nome, é a coisa mais triste que existe. É como renegar a nossa casa. Pode ser a maior merda a cair de podre. Pior, pode estar cheia de familiares a ver a TVI. Mas é a «nossa» casa. E só por isso, é a melhor do mundo. Eu, pessoalmente, tenho o maior orgulho do meu nome. Ora não fora a minha mãezinha que mo dera.

Gente que é gente, tem três nomes. Basta abrir o jornal para ver que é mesmo assim. Que diabo, se até, repito, se até, o Eduardo Prado Coelho e a Clara Ferreira Alves têm direito a três nomes, porque não o deverei eu ter também?

Vamos por partes: «Tiago» é nome famoso. Quem não se lembra dos Apóstolos? Existia um Tiago, pois claro. Pregador incansável, a quem ninguém ligou puto, excepto no dia em o decidiram matar; «Apolinário», a quem não traz à memória o grande Guillaume Apollinaire, poeta Francês, mas que afinal nascera em Itália? Ou então, quem não ouviu já falar dessa grande empresa portuguesa de transportes de seu nome «Apolinário»? Se não conhecem é porque andam distraídos, porque ela passeia-se por ai; Por fim, «Baltazar», esse grande Rei Mago que ofereceu ao menino Jesus uma prenda que, visto bem as coisas, nem interessava ao menino Jesus. Felizmente, não era o preto, só e apenas, porque, naquela zona, eram todos monhés.

O meu nome tem história. «Tiago Apolinário Baltazar». Nome de apóstolo. Nome de poeta. Nome de Rei. De tudo isso, só tenho nome. E até já isso me querem tirar. Cruzes.

[Tiago Apolinário Baltazar]

terça-feira, janeiro 17, 2006

Fatalidades

Os seus braços brancos tornaram-se todo o meu horizonte.

- Max Jacob, O copo dos dados


Não querendo cair na patetice de escrever de forma demasiado azul-bebé, vou divagar um pouco sobre a minha ideia de amor. Pois bem, a ideia de amor, já muito discutida por vários autores, é uma ideia antiga, que sempre inquietou as mentes mais sensatas. Por exemplo n' O Banquete de Platão, encontramos, da primeira à última página, várias e diferenciadas definições para este sentimento abstruso mas sempre inquietante. Na literatura, não poucos são os autores que passam a vida a discorrer sobre assunto tão melindroso. Na música, então, perde-se a conta aos inúmeros jovens sofredores que cantam para compreender a busca de determinada perfeição sentimental.

Da minha parte, a questão processa-se de modo bastante simples: o amor, embora seja um sentimento de difícil compreensão (enquanto conceito), é, para mim, já não uma forma pré-adolescente de negação existencial, mas um sentimento que faz com que o indivíduo se sinta humano, vivo, útil. Trocando isto por miúdos, o amor, se na adolescência era para mim algo que pertencia aos pobres e oprimidos, tornou-se, agora, num objecto máximo de perseguição (para não dizer de contemplação). É como se também eu me sentisse um desses fracos e oprimidos que precisam de algumas (nem que sejam poucas) migalhas de pão para envaidecer o estômago. O pão é necessário, mas o amor não o é menos. É essa a ideia principal.

Há uns tempos, dizia-me um vetusto senhor que só se apaixonara um única vez na vida. Eu, imberbe, tentei compreender a mensagem da melhor maneira possível. E, sinceramente, acho que a compreendi extraordinariamente bem. Também eu só me apaixonarei uma vez na vida, já que o amor é isso mesmo, o único, o verdadeiro.

[Paulo Ferreira]

domingo, janeiro 15, 2006

Referências criativas


David Bowie

What are we coming to
No room for me, no fun for you
I think about a world to come
Where the books were found by the Golden ones
Written in pain, written in awe
By a puzzled man who questioned
What we were here for
(...)

(Oh! You Pretty Things)

[João Carlos Silva]

Yskor Elohim

«Se dormir é esquecer, esquecer é também dormir e dormir é para o consciente o que a morte é para a vida. Por issso, os Judeus pedem a Deus para que se lembre, Yskor Elohim.»

- Saul Bellow, A Organização Bellarosa

[Paulo Ferreira]

Uma história das mil e uma noites

Mahmoud Ahmadinejad, Presidente do Irão, deseja “riscar Israel do mapa”. História antiga. E que melhor maneira de o fazer, que não com a bomba atómica.
Até à data, todas as diligências diplomáticas tidas, quer pela União Europeia, quer pelos Estados Unidos, falharam. Aclama-se por uma acção da ONU. Boa sorte.
A ONU está podre por dentro. A sua credibilidade jaz na lama faz tempo e, já ninguém, no seu perfeito juízo, a leva a sério. A União Europeia, essa, depende de tudo e de todos. E, ninguém, (in)felizmente, depende dela seja para o que for. Os Estados Unidos estão embrenhados no Iraque e não têm meios logísticos, ou sequer financeiros, para se apresentarem como uma ameaça dissuasora, seja a quem for, neste momento.
Ahmadinejad sabe isto. Tal como sabe que o petróleo Iraniano é um bem que nenhuma nação está disposta a dispensar.
Para juntar a cereja ao bolo, em Israel, vivem-se tempos conturbados sob um, aparente, nevoeiro de acalmia. Sharon está morto politicamente. Todos já o disseram. O Kadima poderá sobreviver sem ele. Mas, Israel viverá tempos difíceis (com uma Palestina à beira de eleições, onde não é de excluir uma vitória ou, pelo menos, uma demonstração de força, por parte do Hamas) sem um líder carismático.
Por tudo isto, o Irão sabe que pouco tem a perder. E, apesar de, internamente, Ahmadinejad parecer não reunir um total apoio (há quem fale, até, de um apoio minoritário), o facto de o Irão bater o pé às potências ocidentais, não deve desagradar totalmente às fanáticas criaturas peregrinas de Meca.
Assim, tudo aponta para que, o Irão, inevitavelmente, acabe por adquirir capacidade nuclear dentro de quatro a cinco anos. O fatalismo, aqui, conta pouco. É o realismo que me amedronta. Se não for com este Ahmadinejad, será com outro da mesma raça. Que Alá nos ajude.
[Tiago Apolinário Baltazar]

sábado, janeiro 14, 2006

Efeméride

Por acaso, concordo.

[Paulo Ferreira]

A inocência das alcunhas portuguesas

As alcunhas pegam-se ao quotidiano como doenças à pele. Surgem da forma mais volátil mas, sem aviso, ganham identidade própria. E Portugal parece-me, assim, um local apropriado para retirar os melhores espécimes destes casos patológicos. Atente-se numa inocente conversa entre dois portugueses: «olha lá, quem vimos ontem aqui mesmo?» «Acho que foi o Cego» «Mas o Cego andava sozinho?» «Não, estava com o Maluco» «Não era o Maluco, era o Cigano». Ora, para os mais desatentos cronologicamente, esta poderia ser uma civlizadíssima e formal conversa de trabalho entre duas altas patentes do III Reich. Mas não, são dois portugueses quebrando gelo nas horas livres, enquanto se refastelam na esplanada de pernas esticadas para o passeio, em tom de desafio às beldades que passam apressadas e altivas.

No entanto, há que, urgentemente, analisar a conversa destes dois amigos. Repare-se que o português não é um homem especialmente racista - nem é uma personagem tipicamente xenófoba. Em primeiro lugar, antes de mais, colonizámos os índios do Brasil de forma violenta mas honestamente isenta. Ou seja, se massacrávamos os nativos ou esmagávamos a resistência era para o bem de um povo pré-civilizado. Pela cabeça do português, já então citadino mas de complexo rural, nunca passou a ideia de superioridade racial, mas sim uma sincera vontade de expandir território. Em segundo lugar, tivemos um ditador sui generis. Ora, não só Salazar achava que África era um sítio especialmente agradável para os portugueses (ao contrário da petulância republicana), como Marcello tinha em grande conta as tradições e valores dos nativos das colónias. Ou seja, nem Salazar, homem do campo, sabia ser racista. Em terceiro lugar, Portugal gosta de sair de Portugal. Ao contrário do que muitas vezes dizemos, a verdade é que não só gostamos de receber estrangeiros, como o nosso mais íntimo desejo é deixar o país entregue (e bem entregue) aos brasileiros, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos e por aí fora, enquanto nós nos mudamos para os países deles.

Dito isto, só se pode depreender que quando o português chama «Cigano» a alguém, não é, decerto, com malícia. Provavelmente, no contexto do local de trabalho, a palavra «Cigano» surgirá para classificar um colega delator ou um outro que tenha métodos de trabalho mais obscuros, com grande probabilidade de esse «Cigano» ser, portanto, um da mais clara e lusitana tez possível - só assim se perceberia a genética do bandido.
Já em relação ao «Maluco», duvida-se que seja uma opinião médica devidamente fundada em exames psicológicos. O mais provável é que o «Maluco» seja o rapaz mais trabalhador da vizinhança do escritório. Que é como quem diz: «Aqui ninguém trabalha e vou eu pôr-me a trabalhar para eles, não? Mas julgas que eu sou como o Maluco? Está bem sim, trabalhar é bom para o Preto» (note-se aqui que os que trabalham perdem a identidade para serem uma alcunha). Sendo assim, o «Maluco» será o mais são, que ganhará mais no fim do mês.
Já o «Cego» é alguém mais complexo. Quando o português chama a alguém «Cego» é preciso uma grande afeição, ou uma grande compaixão. Ainda assim, muitas serão as hipóteses: o que não vê; o que não vê bem; o que vê não lá muito bem; o que perdeu uma boa oportunidade de ser alguém na vida; o que não gosta da mulher que tem; o fiscal enganado; o cobrador mais velho do estádio; o árbitro sem jeito; o míope; o adepto de um mau clube de futebol; um sindicalista honesto; etc. Muitas serão as hipóteses de ser «Cego». Por todas elas, tem o português uma profunda compaixão.

Portanto, não há que ter preocupações ao deparar com alcunhas ofensivas. Pelo que vejo, o mais provável é que seja o português a praticar um vasto e natural conhecimento da riqueza dos vocábulos portugueses. Ou isso ou inveja do vizinho.

[João Carlos Silva]

O espírito provinciano

Já Ernst Jünger dizia: «Não são os inúmeros golpes desferidos ao lado que pregam o prego, mas aquele que lhe acerta.» No caso português, pode-se dizer uma coisa um pouco semelhante, mas com significado completamente contrário: De tanto bater na madeira, o prego acabará por saltar. Ora, Portugal, por muito que se diga e que se escreva, continua a ser o país pequeno, limitado, provinciano, perdido, de há muitos decénios atrás. Claro que já não se passa fome. Claro que o acesso à universidade agora é para todos. Porém, enquanto existirem jornalistas que escrevam estórias mal condensadas sobre figuras lendárias como Colombo (isto para não me referir à sopa de leite de mama), Portugal continuará a ser o mesmo país de sempre. Repare-se nos telejornais dos canais generalistas: num canal encontra-se a história de um camponês que matou a sua mulher com a enxada, noutro canal encontra-se a feliz história de um casal que queria ter filhos mas que, por desatinos da vida, nunca conseguiu passar a ideia para o papel. Enfim, quanto mais se procurar, mais serão as certezas de que Portugal continua mesmo a ser um país provinciano, quase a esbarrar nos limites da barbárie.


Sem puxar muito pela memória, consigo encontrar três ou quatro nomes de pessoas que, embora possam nem saber ler ou escrever, têm perfeita noção de que o que Portugal gosta é de festa, de coiratos e de tiro ao prato (não esquecer o jogo da malha). Refiro-me, por exemplo, a personagens como Ruth Marlene, Claudisabel, Emanuel ou Graciano Saga. Todas estas figuras trabalham para comer. Todas estas figuras gostam de entreter. São portuguesas. Vivem para os portugueses (embora muitas vezes sejam rejeitadas por esses mesmos portugueses, que, mal vêem um sinal europeísta vindo de Bruxelas, desatam a pensar que são ricos e, por conseguinte, cultos). Não sei qual será o caminho de Portugal nos próximos anos, no entanto, estaria para apostar que o caminho, se não for rochoso, será enevoado. Assim sendo, para que os portugueses ganhassem uma nova consciência do que é ser português integrado na União Europeia, deveríamos todos voltar as costas ao novo-riquismo que nos tem contaminado a alma. Quando falo de novo-riquismo, falo, concretamente, do português que não tem dinheiro para comer mas que se encalacra de forma abrupta para comprar o palácio dos seus sonhos; falo do português que enche as estantes de sua casa com volumes e volumes de Camões e de Herculano para depois ir jogar uma sueca com os amigos e emborcar umas cervejas no bar de alterne da freguesia («O Canhoto», por exemplo, seria um bom nome, não seria?).

No final, chega-se à conclusão de que os portugueses são, na sua maioria, envergonhados, medrosos, pois nem conseguem admitir que o que gostam mesmo é de pão com presunto. Desenvolvimento? Só mesmo na Inglaterra.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, janeiro 13, 2006

O carnaval

Num país pitoresco como o nosso, não é de estranhar que algumas coisas que deveriam acontecer não aconteçam. Por outro lado, sucedem-se coisas neste país que nunca vi acontecerem em mais lado nenhum. Por exemplo, há uns dias atrás, um idoso senhor aproxima-se de Mário Soares e, sem demoras, dá-lhe um beijo na testa, como se quisesse santificá-lo. Mário Soares, o vetusto, sabendo que em política até um franzir de sobrancelhas conta, fingiu ter gostado muito de ter recebido aquele beijo. Já Cavaco Silva, com o seu estilo fotogénico de sempre, decidiu quebrar a rotina e sair do seu politicamente correcto. Refiro-me concretamente à carantonha assustadora que o senhor fez quando alguns jornalistas o confrontaram com as geniais declarações de Santana Lopes.

Tanto Mário Soares como Cavaco Silva sabem muito bem em que país vivem. Por conseguinte, ninguém se espanta por andarem ambos a fazer campanhas pouco valorizadoras no sentido cívico. Dando mais um exemplo, Cavaco Silva, durante todo o período de pré-campanha esforçou-se por ser politicamente correcto ao máximo. Chegou, até, a dizer que não revelava o nome do autor do último livro que lera porque não competia a um candidato a Presidente da República fazer juízos de valor. Uns dias depois, Cavaco Silva, o homem que não comia nem bebia em público, não fosse parecer mal, aparece na Madeira de Alberto João a dançar um bailinho nhó nhó (pois é, habituei-me a ler Nuno Galopim) com a rapaziada. Ora, estes pequenos acontecimentos não deixam de ser reveladores do país que temos (ou do país que não temos). Afinal, num país hipoteticamente civilizado, já não se fazem campanhas políticas baseadas em tão grande carnaval.

[Paulo Ferreira]

Cinquenta e seis anos de vida



Lord, here comes the flood
Here we'll say goodbye to flesh and blood
If again the seas are silent
In any still alive
It'll be those who gave their island to survive
Drink up, dreamers, you're running dry.


- Peter Gabriel, Here Comes The Flood


[Paulo Ferreira]

Leituras

Não são os inúmeros golpes desferidos ao lado que pregam o prego, mas aquele que lhe acerta.

- Ernst Jünger, O Coração Aventuroso

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Palavras que definem um povo

Acepipe; pitéu.

[Paulo Ferreira]

Sofrer

De uma vez por todas, admito que sofro. Admito que sofro com a «bola», que sofro com o desfecho de alguns livros ou filmes, que sofro por amor ou pela sua ausência, que sofro por sofrer. Admito ainda que sofro, principalmente, por viver neste país.

[Paulo Ferreira]

Foi o destino

Ao falar de Cavaco Silva, Santana Lopes volta a ser notícia. Ora, eu que choro muito de saudades, à semelhança de muitos conterrâneos meus, já sentia falta. Já sentia falta, por exemplo, de ouvir o senhor ex-primeiro ministro (o Menino-Guerreiro, não o outro ex) afirmar coisas como: «O doutor Cavaco Silva... bem, eu vou voltar para a Assembleia da República e o meu filho acabou agora a licenciatura.» Fico, sinceramente, à espera de mais novidades sobre o homem e sobre o seu «Eu».

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade

Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade, ou Freedom and its Betrayal - Six Enemies of Human Liberty no original. é o mais recente livro de Isaiah Berlin lançado em Portugal. Nele se pode encontrar uma série de ensaios bastante digeríveis, sobre figuras como Hegel, Fichte, Rousseau, Saint-Simon ou De Maistre. Aqui fica um pequeno excerto:

Os homens podem ser divididos entre os que são a favor da vida e os que são contra ela. Entre aqueles que se lhe opõem, encontram-se indivíduos inteligentes, sensatos e perspicazes, demasiado magoados e desanimados com a imperfeição da espontaneidade, com a falta de ordem entre os seres humanos e que desejam viver as suas próprias vidas, não obedecendo a qualquer padrão comum. Entre eles encontra-se Maistre.No seu conjunto, não possui qualquer doutrina positiva e se tiver de escolher entre a liberdade e a morte, rejeita a liberdade.


[Paulo Ferreira]

Descrença crónica

Um dia de manhã saiu-se-me com essa. A ideia dela é simples. Se não houvesse homens, Deus era um taradinho a brincar com o mundo sem ninguém. E isso não podia ser, porque Deus não pode ser um idiota. Ora o homem nasceu por acaso, podia portanto não nascer. E Deus ficou assim idiota à mesma. Logo, não existe. Mas pergunta-lhe lá porque é que ela às horas da missa se vira para a parede.

Vergílio Ferreira, Até Ao Fim

[João Carlos Silva]

terça-feira, janeiro 10, 2006

Famous Blue Raincoat

I hear that you're building
your little house
deep in the desert
you're living for nothing now
I hope you're keeping
some kind of record.

- Leonard Cohen, Famous Blue Raincoat

[Paulo Ferreira]