quinta-feira, agosto 14, 2008

Os Planos Quinquenais de José Sócrates

Diz o PS que, mesmo sem as «vacas gordas» de outros tempos, o Primeiro-Ministro tem sido um herói. O problema é que o plano de governação socialista passa por nos pôr a comer relva, sugerindo que esta é, no fundo, um bife da melhor qualidade. Como dizia Mark Twain: «uma mentira consegue correr o mundo seis vezes antes da verdade conseguir sequer vestir as calças».

Que o governo socialista não convive bem com a dúvida, as reservas e o julgamento dos portugueses – que, num golpe de loucura e boa fé, puseram o Partido Socialista no poder com uma maioria confortável – já todos nós sabíamos. O que eu não queria ouvir de facto, e tão às claras, é a assumpção da total falta de lealdade dos governantes aos governados e, acima de tudo, a falta de visão típica de um governo que, por medo das próximas eleições, não tem identidade.

Passo a explicar. O Presidente da Comissão de Fiscalização Económica e Financeira da Federação de Setúbal do PS, Rogério Fernandes, lançou no Setúbal na Rede, no passado dia 11 de Julho de 2008, um artigo intitulado Qual é a dúvida? e que teria o objectivo de justificar o investimento mastodôntico planeado, manipulado e decidido pelo PS. O artigo, no entanto, esgota-se no próprio título, não sendo mais do que uma confusão de lugares-comuns, frases vazias de sentido que escondem a enorme confusão e falta de ideias que, mais do que no PSD, parece estar à vista no PS que nos governa.

Na verdade, há tanta coisa errada no artigo que não sei por onde começar e que tenho, infelizmente, de abdicar de alguns assuntos de importância duvidosa. Passemos à frente das dúvidas existenciais de Rogério Fernandes quanto à diferença entre PS e PSD. O que é realmente preocupante é a maneira como se defende, continuamente, no artigo o Partido Socialista e o seu suposto «mérito» à custa dos portugueses, os verdadeiros sobreviventes à crise que já começou. Provavelmente referindo-se aos muitos milhões que vão ser extorquidos aos contribuintes portugueses (actuais e futuros), diz Rogério Fernandes: «a existência de uma grande obra pública a decorrer num país é geradora de fluxos económicos e financeiros muito interessantes», expandido o raciocínio mais abaixo ao defender que este tipo de despesa pública permite que «o "dinheiro" circule, que se criem postos de trabalho, que o desenvolvimento tecnológico aumente, que a arrecadação de receitas fiscais seja mais favorável».

Para além de eu não conseguir perceber o que serão «fluxos económicos e financeiros interessantes», resta-me esclarecer o autor desta frase de que «uma grande obra pública» o que traz é desequilíbrio orçamental que tem de ser sempre colmatado no capítulo das receitas. Ou seja, esses fluxos «interessantes» de dinheiro de que Rogério Fernandes fala são a dívida do cidadão comum português e dos miúdos que ainda nem fizeram o 2º ciclo, que assim podem agradecer a José Sócrates poder ver os seus futuros hipotecados.

Outra falácia interessante é a da criação de postos de trabalho com estas obras. Resta a pergunta: o Estado tem dinheiro para pagar mais ordenados? Para além do investimento técnico e material inevitável, o Estado (i.e., os contribuintes portugueses) tem orçamento para prometer mundos e fundos aos portugueses que não poderá cumprir? O endividamento de Portugal foi, nos últimos anos, um dos maiores cancros da nossa balança pública, e não consigo perceber como é que o Estado combate o desemprego gastando mais das magras carteiras dos nossos trabalhadores para pagar a outros trabalhadores. Isto é, por um lado percebo o senhor Rogério Fernandes quando este diz que «um outro sinal distintivo entre a direita e a esquerda é o modelo de distribuição da riqueza, claramente mais acentuado em termos de equidade e justiça no modelo social Europeu defendido pelo PS», ou seja, que, à maneira do Xerife de Nottingham (e não do Robin dos Bosques que Sócrates queria ser), o Estado português vai roubar cada vez mais aos portugueses para criar a ilusão de uma milagrosa generosidade. De facto, o PS quer criar essa equidade de que Rogério Fernandes fala, mas será, sem dúvida, baseada na terraplanagem da riqueza em Portugal, tirando fatias cada vez maiores do fruto do trabalho do português anónimo. Por isso, a «dúvida» aqui é: onde vai o Estado buscar o dinheiro para tudo isto, para as obras titânicas e para as falsas reformas que tem feito? Só aos portugueses. Ou será que não?

Abre-se uma outra possibilidade. O PS não quer endividar os portugueses até cerca de 2012/2013, prazo máximo para a sua extinção da Assembleia da República. E, aparentemente, quer baixar os impostos a tempo de receber uma palmadinha nas costas do eleitorado. Portanto, baixa-se os impostos, ou seja, promete-se aos portugueses que não serão eles a pagar esta dívida. E esta é a maior abjecção política que já vi nos últimos anos no nosso país. A mentira.

Rogério Fernandes menciona a crise do «subprime» mas não parece fazer-lhe a melhora leitura possível, já que nós, animais pouco dotados de capacidade de aprendizagem, queremos ir pelo mesmo caminho, só que desta vez com o exemplo pioneiro do Estado português. A mentira de Rogério Fernandes (no qual personalizo o pecado enquanto porta-voz do Partido Socialista em Setúbal) prende-se, acima de tudo, com a falta de clareza e de honestidade em revelar de onde virá o eterno capital de investimento que o Estado, aparentemente, tem. Vem dos empréstimos e «da Europa», injectando mais dinheiro falso nesta economia já de si fantoche, acrescentando facturas por pagar aos portugueses.

Repare-se que o «subprime» surge de um estilo de vida que existia muito acima das reais capacidades das economias domésticas e da economia nacional nos EUA, que foi sendo sustentado com o crédito a longo prazo e aparentemente grátis que era dado sem discriminação. Em Portugal (embora com grande «culpa» no dinossauro da lei de congelamento das rendas) isso já acontece, embora em menor escala, mas nada tão grave quanto o que o nosso governo vai fazer: vivendo e sonhando acima das suas reais capacidades, vai construir aeroportos, pontes, linhas de alta velocidade, requalificações urbanas (parabéns aos planos de endividamento de António Costa em Lisboa) e, sabe-se lá, porque não, mansões à custa do «fiado» que sempre fazemos desde que entrámos na União Europeia. Tanta preocupação com a crise do «subprime» por parte de Rogério Fernandes, mas tanta falta de inteligência em interpretar essa crise.

Por isso, alguém deve vir a público acordar Rogério Fernandes, assim como os enviados do Partido Socialista que, tal como ele, se perdem em actos de fé de levar às lágrimas, dizendo que «em tempo de "vacas gordas" qualquer um governa, mas governar em tempos de crise é só para aqueles que têm a "garra" e a coragem suficiente para tal… e disso não tenhamos dúvidas que o Sr. Primeiro-Ministro tem!». Com tanta vaidade com a «ideologia mista» de liberalismo com ética social-democrata, não percebem que inseriram em Portugal o melhor (o pior) dos Planos Quinquenais de Estaline juntamente com a pior perspectiva de endividamento público desnecessário das últimas três décadas, tudo em nome da sua devoção e paixão pelo «coração europeu» (a expressão está no artigo de propaganda que estou a criticar).

Quando Rogério Fernandes, ou qualquer outro socialista, vos vier perguntar «qual é a dúvida» em relação ao investimento público suicida que o Estado vai realizar, não se esqueçam de exigir bem claro e explicado: a «dúvida» é acerca de quem paga esse investimento. Pode ser que, com muita insistência, caia o embuste e, por detrás das frases vazias, se veja a realidade: o Partido Socialista vai agravar a crise económica e assaltar os bolsos dos portugueses.

Setúbal na Rede, 14 de Agosto de 2008

4 comentários:

António disse...

Caro João,

Estas mega-obras são necessárias do ponto de vista do desenvolvimento urbano, comercial e... negocial dentro do partido.

Como no tempo do Guterres, o problema de Sócrates está na vontade de agradar ao "comité". Para o fazer precisa de novas estruturas (TGV, Ponte ou aeroporto) onde possa colocar na administração certos nomes que por acaso são a sua maior base de apoio dentro do partido. Desmoronando-se esse apoio, caem em público todas as verdades necessárias para levar este governo ao fosso.

Não é do voto dos portugueses que Sócrates tem medo, assim como não é a oposição que o impede de dormir: é sim o apoio dos padrinhos do partido que o faz tremer.

Abraço

João Carlos Santana da Silva disse...

Caro António,

Neste ponto da «carreira» política de José Sócrates, não acho que seja já o seu próprio partido que o prende. Isso viu-se bem com a facilidade com que descartou (e tentou humilhar) os protestos de figuras razoavelmente carismáticas como Manuel Alegre e Helena Roseta, entre outras disputas internas.

A questão aqui é que estas obras se relacionam muito bem cmo uma «doença crónica» portuguesa: em vez de se fazer obras estruturais, aposta-se na construção de grandes monumentos ao progresso que, pelo seu «pioneirismo», possam deixar marcado o nome de meia dúzia de homens em tabuletas de ouro.

A infeliz verdade é que são estas obras de superfície, e não aquelas «subterrâneas» (que sustentam a sociedade), que ganham votos. A não ser que o próprio feitiço se vire contra o feiticeiro.

Um abraço.

Anónimo disse...

Legal

semeandotransformação disse...
Este comentário foi removido pelo autor.