sábado, agosto 02, 2008

Obama promete ser um Presidente preto



No Diário de Notícias de hoje, uma carta de um leitor, Victor Morbey Aleixo, acerca de Obama e da «questão da raça» (do próprio candidato), chamou-me a atenção. Por várias razões, mas sobretudo por esta: o leitor falha em tudo o que diz. Mas não está sozinho, nem terá propriamente culpa.

Quando Obama se destacou na corrida pela nomeação democrata, também eu fiquei sorridente. Embora fosse um entusiasta de Giuliani, recebi com simpatia a figura de Obama, um tipo inseguro acerca do que acredita e das suas decisões, mas cheio de boas intenções e de um discurso inspirador pela «Mudança» («a change we can believe in» é o lema principal), que quase todos aceitarão como inevitável e, a nível doméstico, necessária. Obama era, por isso, o candidato Democrata que melhor nos daria uma ideia de crítica ao governo republicano dos últimos oito anos, ou seja, a candidatura que melhor faria pensar o próprio Partido Republicano. Pelo menos era nisto que eu acreditava.

No entanto, assim que Obama ganhou a nomeação (dificilmente conquistada contra a «velha raposa» Hillary Clinton), as incoerências foram surgindo. Na política externa, Obama iscilava entre a retirada total e imediata do Iraque e a manutenção da lei e da ordem naquele país, entre «trazer os rapazes para casa» e o reforço dos contingentes no Afeganistão, entre o «diálogo» com o Irão e a promessa de atacá-los. Nos assuntos domésticos, e entre outros, muito recentemente veio a questão da perfuração petrolífera em casa, defendida por McCain, e que Obama agora admite «poder vir a apoiar». Em vários assuntos específicos, matérias de facto, importantes, Obama tem «deslizado» e mesmo assustado quem o ouve (sobretudo com a sua visão irrealista do mundo e da natureza humana).

Mas a minha embirração com a carta de Victor Mobley Aleixo é, sobretudo, com a questão da cor da pele de Barack Obama, que, supostamente, tem sido criticada. O problema aqui é claro: o Sr. Aleixo, como 90% dos portugueses, só vê as notícias pelos olhos dos portuguesas ou, quando muito, pelos olhos dos europeus. Nos EUA, a realidade é outra, a atenção é outra: McCain nunca referiu a cor da pele de Obama, não só na sua identificação com um eleitorado (apesar do democrata ser, pela razões óbvias de identificação, mais apetecível para os negros) mas, sobretudo, na desvalorização de algo que ele defenda. Diz o Sr. Aleixo que «já não é a primeira vez que se ressalta nas peças jornalísticas a cor da pele do candidato, como sendo uma primeiríssima questão. Se fosse branco também se falaria disso? Esta é precisamente uma das questões que Barack Obama combate, ou seja, sobretudo somos todos pessoas, seres humanos, ponto final!». A questão é que acontece precisamente o contrário, ou seja, é errado que «precisamente Barack Obama, não faz bandeira disso, candidata-se como senador que é, como político, de acordo com a sua consciência e de ponderação racional e culta». O que Obama tem feito, cada vez mais, é aproveitar a história dos direitos civis, e a imagem de outros excelentes oradores negros (como o Dr. Martin Luther King) para lhe dar o carisma do paladino negro.

Obama, saltando por cima do conteúdo, tem focado a retórica da mudança e do sonho de um mundo melhor, numa perspectiva da diplomacia suicida para os Estados Unidos, perigosa para os aliados do seu país e caótica para o Mundo. E, ao contrário do que diz o leitor, tem focado o facto de ser um candidato afro-americano. Muito recentemente, penso que em Jerualém, referiu que sabe que «não se parece com os Presidentes americanos que por lá têm passado» como quem poderia dizer: «serei o primeiro Presidente preto na Casa Branca». Repetiu a gracinha na Europa e tem andado a fazer o mesmo em algumas campanhas domésticas. As pessoas querem ver realizada a sua concepção ideal de um país que oferece oportunidades iguais a todos, e Obama sabe-o bem.

A retórica de Barack Obama deu agora uma volta, e para além de querer fazer lembrar JFK, quer agora fazer lembrar o «sonho» de Luther King... encarnando o «sonho» na sua própria pessoa. Quando a campanha de McCain refere, e com razão, que Obama tem utilizado, isso sim, o facto de ser negro em seu favor (como uma vantagem moral e competitiva) sublinhando-o em discursos seus, o candidato Democrata defende-se, dizendo que os Republicanos só sabem atacar (a «low road politics»), numa auto-vitimação desnecessária e sem razão. Nós é que, cegos pela ideia gira de ver os Americanos liderados por quem nós queremos e pela falta de informação e de imparcialidade dos jornais portugueses, não conseguimos ver isto. Por cá, quem já viu sessões da Assembleia da República com as participações defensivas e histéricas de José Sócrates sabe que o valor e a validade das críticas são o que nós quisermos fazer delas.

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