sexta-feira, agosto 29, 2008

Dos corretores



O corretor é (...), de acordo com a ideia que preside à sua actividade profissional, o instrumento que faz com que as mãos estendidas da oferta e da procura se possam encontrar. O carácter indispensável do corretor deve-se à circunstância de o grande número de frequentadores da bolsa - nas maiores, circulam vários milhares - tornar diminuta a probabilidade de se encontrarem os que desejam comprar e os que desejam vender, o que, a acontecer, seria em todo o caso extremamente moroso.

Max Weber, A Bolsa

Obama caminhando sobre as águas

Ontem ouvi o discurso de Barack Obama dirigido à Convenção Democrata e não consegui deixar de torcer o nariz à retórica messiânica. É que há tanta coisa que cheira mal naquele discurso, naquela atitude, que nem sei muito bem por onde pegar. Para começar, fala-se muito em «políticas do passado», em esquecer «a política do passado» e pensar no «futuro», ou seja, a presunção de que a política vai ser mudada para melhor assim que o homem pisa a Casa Branca.

Depois, é a hipocrisia do «esta campanha não é acerca de mim [Obama] mas acerca de vós [povo americano]», que é como quem diz «estamos todos contra McCain e o Partido Republicano, eu simplesmente sou o resultado da vontade do povo». Ao menos Hillary Clinton, uma das figuras políticas americanas mais inteligentes e capazes - logo, mais manipuladoras, ambiciosas e intolerantes -, admitia que a campanha era sobre ela e sobre a sua caminhada até este ponto, em que podia concorrer à Casa Branca. A retórica desresponsabilizadora de Obama iliba-o, é claro, de todos objectivos pessoais e políticos. A sua campanha baseia-se no facto de ele poder chegar à Presidência, e não no que pode fazer depois de lá chegar. Se se analisar bem os últimos meses e os seus discursos, vai-se chegar, facilmente, a esta conclusão.

Finalmente, tentando ser sucinto, é toda a promessa global e oca de uma «mudança» para melhor. Mas não apenas uma mudança estratégica. Não. Obama promete, repare-se, mudar a moral americana, a maneira como os americanos olham uns para os outros, baixar os impostos, investir na energia doméstica e abandonar a dependência de fornecedores externos, uma política de saúde melhor, o fim da guerra no Iraque (ao mesmo tempo que proseegue a «guerra ao terrorismo, à al-Qaeda e aos Talibãs»), o fim da gravidez indesejada nas adolescentes, o fim da fome, da pobreza, da doença, da negligência ambiental, da chuva ácida e da maldade humana. Barack Obama, no fundo, promete isto: antes do galo cantar três vezes, há-de separar as águas no Mar Vermelho e caminhar no seu fundo.

Por muito que eu tenha alguma simpatia pelo simbolismo que consegue criar e pela inspiração que dá a muitos americanos, a verdade é que, substancialmente, Barack Obama não existe enquanto futuro Presidente. Ele existe, apenas e só, enquanto símbolo. E isso é das coisas mais perigosas que pode acontecer a um país. Especialmente a um país como os Estados Unidos da América. O candidato democrata ainda não se apercebeu foi do seguinte: este é o seu momentum. Se Obama não ganhar estas eleições, duvido que alguma vez volte a ter a mesma preponderância e as mesmas hipóteses na corrida à Casa Branca. O que é pena, porque depois da caminhada pelo deserto, haveria a hipótese remota de ele voltar com mais bagagem, mais moderação e, sejamos francos, mais humildade.

quinta-feira, agosto 28, 2008

Petição contra a colocação de chips nas matrículas


Foi recentemente anunciada a intenção do governo de criar o Sistema de Identificação Electrónica de Veículos (SIEV), que torna obrigatória a colocação de chips electrónicos nas matrículas de todos os veículos automóveis.

Estes chips, designados de Dispositivos Electrónicos de Matrícula, emitem um sinal (RFID), que é lido e identificado por leitores de vigilância presentes ao longo da estrada; permitindo a identificação de cada veículo que passa nas suas imediações.

Esta tecnologia dá duas capacidades aos serviços, estatais e privados, comissionados para operar o SIEV:

- controlar a circulação de automóveis nas vias sob monitorização, pela identificação de cada veículo;

- após detecção, fazer cobranças automáticas aos proprietários dos veículos pela circulação nessas vias.

As intenções do governo de levar a cabo este projecto implicam, para além de mais um gasto desnecessário do dinheiro dos contribuintes, uma ameaça às liberdades individuais dos cidadãos e uma afronta directa à privacidade de cada um.

Devido a este cenário, achámos que era altura de fazer alguma coisa. O resultado disso, curiosamente, surge hoje, com uma petição online que um grupo de amigos (no qual estou incluído) decidiu elaborar. Desta forma, convidava todos os que se opõem a este projecto a assinarem:

www.ipetitions.com/petition/siev


*um texto bastante mais extenso pode ser encontrado na morada acima, onde também será possível, aos interessados, subscrever a petição

Jogos de palavras

Neste momento, está Rui Pereira - Ministro da Administração Interna - na RTP, em entrevista a Judite de Sousa, e eu não consigo entrever uma única resposta ou um único «ponto da situação» nas suas palavras confusas. Não varia, em nada, dos políticos que erguem folhas com números e estatísticas aparentemente em queda no crime violento, enquanto no mundo real as pessoas comuns, sem escolta policial, continuam com medo de sair à rua depois do cair da noite. É que pagar uma televisão pública que não pede responsabilidades a um homem que, por sua vez, não consegue ser claro (com quem o elegeu, claro está) nem faz um esforço para tal, já devia fartar. «Então não se fez nada, sr. Ministro?» «Não, não! Fez-se... e muito... mas apenas não tanto como queríamos».

Leaves of Grass (III)

Shut not your doors to me proud libraries,
For that which was lacking on all your well-fill'd shelves, yet needed most, I bring
Forth from the war emerging, a book I have made,
The words of my book nothing, the drift of it everything,
A book separate, not link'd with the rest nor felt by the intellect,
But you ye untold latencies will thrill to every page.


Walt Whitman, Leaves of Grass

Leaves of Grass (II)



Take my leaves America! take them South and take them North,
Make welcome for them everywhere, for they are your own offspring,
Surround them East and West, for they would surround you,
And you precedents, connect lovingly with them, for they connect lovingly with you.


Walt Whitman, Leaves of Grass

Leaves of Grass (I)

To the States or any one of them, or any city of the States,
Resist much, obey little,
Once questioning obedience, once fully enslaved,
Once fully enslaved, no nation, state, city of this earth, ever afterward resumes its liberty.


Walt Whitman, Leaves of Grass

quarta-feira, agosto 27, 2008

O estado das coisas

terça-feira, agosto 26, 2008

Madness

Por razões semi-profissionais, ou por amizade, tive de passar pelo Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa. É um sítio estranho, devo dizer. As pessoas que se podem ver por ali, a passear, a observar ou, simplesmente, a aguardar não se sabe bem o quê, todas têm uma história misteriosa por detrás, que esconde, sem dúvida, as causas dos comportamentos curiosos que têm. Umas pedem cigarros a todas as pessoas que encontram, outras simplesmente olham o vazio, outras fitam-nos de forma ameaçadora (mas sem consequência), outros fazem pequenas cerimónias satânicas, enquanto outros caminham pelos corredores da instituição escolhendo apenas as lajes escuras, evitando pisar o branco sujo dos mosaicos do chão. É um sítio estranho, como dizia, mas que nos diz mais sobre as nossas próprias possibilidades emocionais e psicológicas (entre elas, a possibilidade de desvio) do que dos «problemas» dos outros. O que mais assusta numa visita ao Miguel Bombarda é saber que todas aquelas pessoas, internadas, são iguaizinhas a nós. E faz-me perceber o porquê de muitos «tiques» na escrita de António Lobo Antunes, que, sem dúvida, já viu desfilar centenas de pessoas pelos jardins desta instituição.

Tropa de Elite e o narcotráfico



Tropa de Elite (2007), de José Padilha, é um bom filme. Mas atenção, não tem o humor de Cidade de Deus (de Fernando Meirelles) nem uma visão optimista das «áreas cinzentas» da moral humana. Ou seja, as pessoas não são vilões com consciência social ou inocentes apanhados no fogo cruzado. Na sua maioria, as pessoas que se cruzam «acidentalmente» no caminho das missões do BOPE (unidade especial e paramilitar da polícia brasileira) são cúmplices do maior crme colectivo do Brasil: o tráfico de droga. Na visão do Capitão Nascimento (um papel brilhante de Wagner Moura), o narcotráfico e a miséria nas favelas são ambos alimentados pela própria «solidariedade social» de uma certa classe média que consome o produto de figuras como o Baiano, manda-chuva do morro dos Prazeres que deixa a ONG de Maria assentar na zona e tem uma «amizade» interesseira com Edu, estudante que, no fundo, é um traficante menor que consome e vende alguma da droga de Baiano ao mesmo tempo que marcha contra a violência policial.

Contrariando as acusações de fascista, Tropa de Elite é, no fundo, apenas uma visão desiludida, zangada e crítica do mundo da droga no Brasil, trazendo o narcotráfico - e a consequente guerra - dos morros e das favelas para a porta das classes médias, mostrando o exemplo dos consumidores que alimentam a máquina de gente como Baiano. No fundo, a droga existe para estes consumidores mais ricos, que na sua maioria revelam a hipocrisia de acusar a polícia antes sequer de pensarem em acusar-se a eles mesmos.

A história de Neto e Matias, hipotéticos substitutos do Capitão Nascimento (Neto o agente corajoso a quem falta inteligência, Matias o racionalista que hesita em arriscar tudo), só vem dar um enredo mais atraente e mais ficcional, abrilhantando no argumento um filme que já é forte na mensagem. Mas se fosse só pela mensagem, não valia assim tanto o tempo passado em frente ao écrã. Neste caso, vale: é um filme muito bem construído.

domingo, agosto 24, 2008

Franco-atirador

Por não «assumir posição», ou seja, não assumir uma evidente militância partidária, fui apelidado de franco-atirador por um ferranho militante comunista de Setúbal. A lógica da acusação, pus-me eu a pensar, afinal até é bem louvável: os franco-atiradores não se misturam com a infantaria normal, fardada e agrupada, que enche os campos de batalha, mas escolhem pôr-se em locais estratégicos (camuflados, calculo) para eliminar os seus alvos. O que aquele militante do PCP não se lembra é de que os franco-atiradores são aqueles que atiram sempre sobre as figuras-chave do opositor, sem nunca trair lealdades. Mais do que isso, esquece-se de que uma guerra pode ser ganha por eliminar uma figura-chave do inimigo, seja um general, um Hitler, um Saddam ou outro qualquer. E eu, humilde liberal sem um mínimo de pontaria, não me arrogo essa capacidade.

sábado, agosto 23, 2008

Colbert Report



Para mim, Stephen Colbert é um clássico moderno americano em duas vertentes: comédia em geral, e sátira política. O seu programa Colbert Report (um spin-off de Daily Show, baseado na sua rubrica neste mesmo programa) é umas lufadas de ar fresco do panorama internacional e merece ser visto sempre que possível (para os portugueses, apenas disponível online, na Comedy Central). Uma boa maneira de começar é com este programa de 14 de Agosto, muito «inspirado» nas então recentes notícias do conflito entre Rússia e Geórgia.

E depois tem a qualidade de ser um comediante inteligente a fazer sátira política em vez de ser um colunista de política a tentar fazer piadas. Este último nunca seria capaz de, por exemplo, deixar cair uma piada simples e «limpinha» como esta no meio da sua apresentação inicial: «If I had a quarter every time I said I had a nickel, I'd have five times as much theoretical money». Ou então a pérola: «Sarajevo is famously where World War I started. Unfortunately Sarajevo couldn't keep the fame going. I blame their tourism slogan: 'Sarajevo is for lovers... of trench warfare'». Vale a pena deixar de ser anti-americano para melhor rir.

quarta-feira, agosto 20, 2008

Brutti sporchi e cattivi



Ettore Scola, Feios, Porcos e Maus, 1976

A terrível verdade

Viver sem leitura é perigoso, obriga a pessoa a viver a sua vida, comporta realmente muitos riscos.

Michel Houellebecq, Plataforma

sábado, agosto 16, 2008

Duas situações

Em dois pontos distintos do mundo, duas causas de instabilidade universal. Na Economist podem-se ler dois excelentes artigos:

- um artigo sobre a «crise» da habitação e do crédito sobre imóveis nos EUA, na qual é de prestar atenção à interpretação mais detalhada do alarme da queda dos preços e das suas causas («rapid growth is itself largely to blame. Moreno Valley had the misfortune to swell at a time of lax lending practices. Whole neighbourhoods were built on cheap credit and inflated expectations—palaces for the middle class»), que nos orienta no sentido de que foi o próprio crescimento que minou o desenvolvimento sustentado das economias e do crédito regionais, focando neste caso os subúrbios da Califórnia;

- nos antípodas, continuam russos e georgianos - vulgo, Putin e Saakashvili - firmes na sua firmeza, passe a redundância. E, embora seja importante ouvir e «valorizar» as pretensões dos separatistas no interior da Geórgia, o balanço final do confronto parece-me relativamente claro: «Mr Saakashvili is an impetuous nationalist who has lately tarnished his democratic credentials. His venture into South Ossetia was foolish and possibly criminal. But, unlike Mr Putin, he has led his country in a broadly democratic direction, curbed corruption and presided over rapid economic growth that has not relied, as Russia’s mostly does, on high oil and gas prices. America’s George Bush was right, if rather slow, to declare on August 11th that it was unacceptable in the 21st century for Russia to have invaded a sovereign neighbouring state and to threaten a democratically elected government». Não deixa de ter razão a consideração que é feita na conclusão deste mesmo artigo: «the worst outcome of this war would be for the West to allow Russia a veto over any sovereign country’s membership of either NATO or the EU».

sexta-feira, agosto 15, 2008

Memórias: MARSAPO



Quando os palavrões na TV eram humor revolucionário. E funcionavam.

O estado das coisas: psicoterapia literária



A tua influência sobre mim foi o que tinha de ser, mas acho que devias deixar de ver como uma forma particular de maldade da minha parte o facto de eu não poder fugir a essa influência.

Franz Kafka, Carta ao Pai

quinta-feira, agosto 14, 2008

«The buck stops here!»

Até os adeptos de um Estado intervencionista podem ser bons presidentes para todas as «facções» e todos os «credos ideológicos». Harry Truman foi um destes homens - talvez o homem mais honesto a alguma vez ocupar a Casa Branca num passado (relativamente) recente. Para essa presidência saudável, contribuiu, no entanto, um equilíbrio desafiante entre um grande Presidente e um Congresso Republicano protector de princípios conservadores quanto ao funcionamento da economia (que é a única coisa que pode vir a salvar uma presidência desastrada e inexperiente por parte de Obama, se este vencer). Uma coisa é certa: o que se gastou nos EUA durante a sua presidência foi, principalmente, para melhorar as infra-estruturas básicas e melhorar a qualidade de vida do povo americano, apoiando a economia sem a liderar. Um dos defeitos disto: o precedente ficou criado para um peso maior do Estado americano na economia (sobretudo no mercado imobiliário). O mérito: criou uma classe média que reconstruiu o país. Seja qual for o julgamento do seu legado, o que é inegável é que Truman recriou a América, e que eu não consigo deixar de gostar do homem.

(foto LC-USZ62-98170 retirada daqui)

Os Planos Quinquenais de José Sócrates

Diz o PS que, mesmo sem as «vacas gordas» de outros tempos, o Primeiro-Ministro tem sido um herói. O problema é que o plano de governação socialista passa por nos pôr a comer relva, sugerindo que esta é, no fundo, um bife da melhor qualidade. Como dizia Mark Twain: «uma mentira consegue correr o mundo seis vezes antes da verdade conseguir sequer vestir as calças».

Que o governo socialista não convive bem com a dúvida, as reservas e o julgamento dos portugueses – que, num golpe de loucura e boa fé, puseram o Partido Socialista no poder com uma maioria confortável – já todos nós sabíamos. O que eu não queria ouvir de facto, e tão às claras, é a assumpção da total falta de lealdade dos governantes aos governados e, acima de tudo, a falta de visão típica de um governo que, por medo das próximas eleições, não tem identidade.

Passo a explicar. O Presidente da Comissão de Fiscalização Económica e Financeira da Federação de Setúbal do PS, Rogério Fernandes, lançou no Setúbal na Rede, no passado dia 11 de Julho de 2008, um artigo intitulado Qual é a dúvida? e que teria o objectivo de justificar o investimento mastodôntico planeado, manipulado e decidido pelo PS. O artigo, no entanto, esgota-se no próprio título, não sendo mais do que uma confusão de lugares-comuns, frases vazias de sentido que escondem a enorme confusão e falta de ideias que, mais do que no PSD, parece estar à vista no PS que nos governa.

Na verdade, há tanta coisa errada no artigo que não sei por onde começar e que tenho, infelizmente, de abdicar de alguns assuntos de importância duvidosa. Passemos à frente das dúvidas existenciais de Rogério Fernandes quanto à diferença entre PS e PSD. O que é realmente preocupante é a maneira como se defende, continuamente, no artigo o Partido Socialista e o seu suposto «mérito» à custa dos portugueses, os verdadeiros sobreviventes à crise que já começou. Provavelmente referindo-se aos muitos milhões que vão ser extorquidos aos contribuintes portugueses (actuais e futuros), diz Rogério Fernandes: «a existência de uma grande obra pública a decorrer num país é geradora de fluxos económicos e financeiros muito interessantes», expandido o raciocínio mais abaixo ao defender que este tipo de despesa pública permite que «o "dinheiro" circule, que se criem postos de trabalho, que o desenvolvimento tecnológico aumente, que a arrecadação de receitas fiscais seja mais favorável».

Para além de eu não conseguir perceber o que serão «fluxos económicos e financeiros interessantes», resta-me esclarecer o autor desta frase de que «uma grande obra pública» o que traz é desequilíbrio orçamental que tem de ser sempre colmatado no capítulo das receitas. Ou seja, esses fluxos «interessantes» de dinheiro de que Rogério Fernandes fala são a dívida do cidadão comum português e dos miúdos que ainda nem fizeram o 2º ciclo, que assim podem agradecer a José Sócrates poder ver os seus futuros hipotecados.

Outra falácia interessante é a da criação de postos de trabalho com estas obras. Resta a pergunta: o Estado tem dinheiro para pagar mais ordenados? Para além do investimento técnico e material inevitável, o Estado (i.e., os contribuintes portugueses) tem orçamento para prometer mundos e fundos aos portugueses que não poderá cumprir? O endividamento de Portugal foi, nos últimos anos, um dos maiores cancros da nossa balança pública, e não consigo perceber como é que o Estado combate o desemprego gastando mais das magras carteiras dos nossos trabalhadores para pagar a outros trabalhadores. Isto é, por um lado percebo o senhor Rogério Fernandes quando este diz que «um outro sinal distintivo entre a direita e a esquerda é o modelo de distribuição da riqueza, claramente mais acentuado em termos de equidade e justiça no modelo social Europeu defendido pelo PS», ou seja, que, à maneira do Xerife de Nottingham (e não do Robin dos Bosques que Sócrates queria ser), o Estado português vai roubar cada vez mais aos portugueses para criar a ilusão de uma milagrosa generosidade. De facto, o PS quer criar essa equidade de que Rogério Fernandes fala, mas será, sem dúvida, baseada na terraplanagem da riqueza em Portugal, tirando fatias cada vez maiores do fruto do trabalho do português anónimo. Por isso, a «dúvida» aqui é: onde vai o Estado buscar o dinheiro para tudo isto, para as obras titânicas e para as falsas reformas que tem feito? Só aos portugueses. Ou será que não?

Abre-se uma outra possibilidade. O PS não quer endividar os portugueses até cerca de 2012/2013, prazo máximo para a sua extinção da Assembleia da República. E, aparentemente, quer baixar os impostos a tempo de receber uma palmadinha nas costas do eleitorado. Portanto, baixa-se os impostos, ou seja, promete-se aos portugueses que não serão eles a pagar esta dívida. E esta é a maior abjecção política que já vi nos últimos anos no nosso país. A mentira.

Rogério Fernandes menciona a crise do «subprime» mas não parece fazer-lhe a melhora leitura possível, já que nós, animais pouco dotados de capacidade de aprendizagem, queremos ir pelo mesmo caminho, só que desta vez com o exemplo pioneiro do Estado português. A mentira de Rogério Fernandes (no qual personalizo o pecado enquanto porta-voz do Partido Socialista em Setúbal) prende-se, acima de tudo, com a falta de clareza e de honestidade em revelar de onde virá o eterno capital de investimento que o Estado, aparentemente, tem. Vem dos empréstimos e «da Europa», injectando mais dinheiro falso nesta economia já de si fantoche, acrescentando facturas por pagar aos portugueses.

Repare-se que o «subprime» surge de um estilo de vida que existia muito acima das reais capacidades das economias domésticas e da economia nacional nos EUA, que foi sendo sustentado com o crédito a longo prazo e aparentemente grátis que era dado sem discriminação. Em Portugal (embora com grande «culpa» no dinossauro da lei de congelamento das rendas) isso já acontece, embora em menor escala, mas nada tão grave quanto o que o nosso governo vai fazer: vivendo e sonhando acima das suas reais capacidades, vai construir aeroportos, pontes, linhas de alta velocidade, requalificações urbanas (parabéns aos planos de endividamento de António Costa em Lisboa) e, sabe-se lá, porque não, mansões à custa do «fiado» que sempre fazemos desde que entrámos na União Europeia. Tanta preocupação com a crise do «subprime» por parte de Rogério Fernandes, mas tanta falta de inteligência em interpretar essa crise.

Por isso, alguém deve vir a público acordar Rogério Fernandes, assim como os enviados do Partido Socialista que, tal como ele, se perdem em actos de fé de levar às lágrimas, dizendo que «em tempo de "vacas gordas" qualquer um governa, mas governar em tempos de crise é só para aqueles que têm a "garra" e a coragem suficiente para tal… e disso não tenhamos dúvidas que o Sr. Primeiro-Ministro tem!». Com tanta vaidade com a «ideologia mista» de liberalismo com ética social-democrata, não percebem que inseriram em Portugal o melhor (o pior) dos Planos Quinquenais de Estaline juntamente com a pior perspectiva de endividamento público desnecessário das últimas três décadas, tudo em nome da sua devoção e paixão pelo «coração europeu» (a expressão está no artigo de propaganda que estou a criticar).

Quando Rogério Fernandes, ou qualquer outro socialista, vos vier perguntar «qual é a dúvida» em relação ao investimento público suicida que o Estado vai realizar, não se esqueçam de exigir bem claro e explicado: a «dúvida» é acerca de quem paga esse investimento. Pode ser que, com muita insistência, caia o embuste e, por detrás das frases vazias, se veja a realidade: o Partido Socialista vai agravar a crise económica e assaltar os bolsos dos portugueses.

Setúbal na Rede, 14 de Agosto de 2008

quarta-feira, agosto 13, 2008

Lovecraft

H. P. Lovecraft não será, nem por sombras, o meu escritor favorito. Mas Herbert West: Reanimador não deixou de me surpreender pelo interesse em mim estimulado, algo impensável num género que normalmente desprezo, tanto na literatura como no cinema: o terror. Acaba por ser um conto especialmente giro, que parece até ter correspondência no grande écrã. Outra coisa que me despertou a atenção, no entanto, foi a «atenção especial» que Lovecraft dá às raças não-brancas, numa visão marcadamente diferente de como vê Herbert West, o médico «calmo, loiro, de olhos azuis». A dado ponto, Lovecraft deixa cair uma descrição que não envergonharia nenhum líder do Ku Klux Klan:

O negro tinha sido derrotado por K.O., e após um rápido exame concluímos que ele permaneceria prostrado para sempre. Era repugnante, parecido com um gorila, com os braços anormalmente longos, aos quais não poderia deixar de chamar pernas dianteiras, e uma face que evocava inexprimíveis cerimónias secretas do Congo e batidas de tam-tam à luz de uma lua misteriosa. O corpo deveria ter ainda pior aspecto em vida - mas o mundo contém muitas coisas horríveis.

terça-feira, agosto 12, 2008

A ler

Três artigos interessantes sobre o «barril de pólvora» que se tornou a Ossétia do Sul nos últimos dias:

- Anne Applebaum sublinha a imprevisibilidade das acções e da diplomacia da Rússia;

- Victor Davis Hanson alinha mais na tese, que já aqui subscrevi, duma provocação continuada e planeada da Rússia para chegar à situação desejada, na qual seriam obrigados a «intervir» na Geórgia;

- e Svante E. Cornell leva a acusação mais além, numa avaliação moral do dever (enquanto aliado da Geórgia) do Ocidente em trazer os russos à «mesa» para apresentarem explicações, ameaçando-os com sanções reais.

Acquaintance



Actualmente a conhecer um autor e um género literário inteiramente novos. A ver o que sai daqui.

segunda-feira, agosto 11, 2008

Os Jogos Olímpicos de Putin

Não tenho uma especialização em geopolítica ou geoestratégia, mas a mim não me bate certo que os georgianos fossem atacar soldados de uma nação com quarenta vezes o seu tamanho e poder militar.

Antes de mais, há que saber porque raio tinha a Rússia preparado forças e respectiva logística para sustentar um ataque aquele país, feito assim tão rápido, no preciso dia em que se abriam os Jogos Olímpicos.

Do conflito na Geórgia

Antes sequer de entrar na questão de já se saber mais ou menos como funciona a Rússia em termos de relações com os países soberanos que faziam parte da União Soviética, deve-se partir principalmente para a reflexão acerca disto: o que faziam tropas russas em território da Geórgia?

Se tivéssemos tropas espanholas, de repente, nas Beiras, também não iríamos gostar. E, sobretudo, o mundo iria desconfiar quando os «espanhóis» dissessem que, afinal de conta, tínhamos começado um ataque em massa às forças espanholas espalhadas pela fronteira, num claro ataque suicida. Se estas coisas não me fazem sentido, assim como a proliferação da «tese russa» do conflito na Geórgia, porque haverá de fazer sentido para tanta gente que a Geórgia é o novo «estado-fantoche» para legitimar a expansão do «Império Americano» (vulgo EUA, NATO, ONU, UE) para a região?

domingo, agosto 10, 2008

Soljenitsin



Para muitos, a morte de Soljenitsin trouxe, assim como a sua vida, uma carga política enorme. Para mim, trouxe-me um sentimento de perda ao ver partir um dos últimos grandes escritores russos do século XX, senão o último. Em memória do homem a quem já fiz aqui neste mesmo blog alguns comentários, uns de elogio, outros críticos, fica a inamovível fotografia do lendário Alexander Soljenitsin (1918-2008).

Ah, e começou uma guerra...

O Bruno tirou-me as palavras da boca:

A Geórgia e a Rússia entraram hoje em guerra, quando forças militares russas avançaram para a região da Ossétia do Sul, onde as forças georgianas haviam realizado ontem uma intervenção contra grupos separatistas locais. Esta notícia, do início de uma guerra no continente europeu, não foi mencionada no telejornal das 20 horas da RTP a não ser aos 40 minutos de emissão, imagino que por não ter considerada tão relevante como a conferência de imprensa (em directo) de um novo jogador do Benfica.

sábado, agosto 09, 2008

The american way


Norman Rockwell, The American Way, 1944

sexta-feira, agosto 08, 2008

«O Um Dividiu-se em Dois»

«Nas ruínas do imperialismo, os povos vitoriosos criariam rapidamente uma civilização mil vezes superior ao sistema capitalista e um futuro verdadeiramente belo para si próprios». Este vaticínio, fruto de uma «visão apocalíptica e messiânica da História», na qual o confronto nuclear tem um papel catártico na confrontação entre o proletariado e a burguesia, ou seja, entre os países comunistas ou socialistas e os países capitalistas, surge em Viva o Leninismo!, documento público produzido pelo Partido Comunista Chinês que revela as primeiras grandes divergências com o Partido Comunista da União Soviética.

O ardor destrutivo, defensor de uma guerra nuclear purificadora do domínio capitalista sobre o proletariado, que é reclamado pelos comunistas chineses é um dos primeiros grandes temas de «O Um Dividiu-se em Dois», trabalho recente de José Pacheco Pereira na sua luta «arqueológica» pelo desbravar dos arquivos da extrema-esquerda e do PCP, e consequente interpretação. O «subtítulo» do livro é explicativo do conteúdo: Origens e enquadramento internacional dos movimentos pró-chineses e albaneses nos países ocidentais e em Portugal (1960-65). Confesso que sou um admirador do trabalho e do tema, e por isso não posso deixar de aplaudir a seriedade (seriedade crítica, refira-se) com que Pacheco Pereira aborda a história dos movimentos revolucionários em Portugal.

No livro, é bastante sublinhada a crítica chinesa à linha política adoptada pela União Soviética perto de 1960. A viragem para a dètente, a «coexistência pacífica», é tomada pelo PCC como uma espécie de «revisionismo moderno» que tenta anular toda a doutrina marxista-leninista. A análise desta cisão gradual entre China e URSS, «dividindo em dois» o movimento comunista internacional, ou bipolarizando-o, é talvez o melhor capítulo de «O Um Dividiu-se em Dois». No Viva o Leninismo! afirmava-se com ironia: «Eles [PCUS] defendem que a coexistência pacífica entre países com regimes sociais diferentes significa que o capitalismo pode pacificamente evoluir para o socialismo, que o proletariado nos países governados pela burgesia pode renunciar à luta de classes e entrar em "coexistência pacífica" com a burguesia e os imperialistas». Não se faz «luta de classes» sem «luta», é a tese chinesa.

Outro aspecto importante desta cisão pública é a «projecção» das críticas para partidos nacionais secundários. Ou seja, os chineses, ao criticarem o «revisionismo moderno» do PCUS, personalizavam as maiores críticas nos jugoslavos e, de certa forma, na crítica pessoal que Tito fazia a Stalin. Já os russos apontavam baterias para os «cisionistas europeus» do Partido Trabalhista da Albânia (PTA) de Enver Hoxha, os supostos traidores da unidade do movimento comunista internacional ao criticarem Krutchev. Desta forma, não criavam um conflito directo público que pudesse destabilizar os dois maiores pólos do comunismo internacional.

Mas, diz JPP no livro: «Face ao conflito sino-soviético, o ambiente político do início dos anos sessenta era favorável à radicalização. Em muitos países europeus conhecia-se um recrudescimento dos conflitos, em França com a guerra da Argélia, e em Portugal com o início da guerra colonial. Na América Latina tinha havido a vitória castrista, em África o ascenso dos movimentos de libertação e a descolonização, seguidos da crise dos mísseis, da guerra do Vietname, do conflito fronteiriço entre a China e a Índia. Tudo isto criava um pano de fundo favorável à contestação das doutrinas krutchevianas da coexistência pacífica pelos sectores mais radicais dos partidos comunistas». A «revolução» internacionalizava-se cada vez mais, e a busca de novos apoios tornava-se premente. Assim se vão multiplicar as adesões às teses «dogmáticas» (segundo os soviéticos) do PCC por parte de várias figuras e de novos movimentos: os M-L, marxistas-leninistas que renovavam a fidelidade à bíblia dos pioneiros alemães do movimento comunista.

Uma nota ainda para o capítulo dedicado à ruptura no seio do PCP. Álvaro Cunhal passara a ter de lidar, a partir de certa altura, com noos desvios: para além do «desvio de direita» de Fogaça, agora tinha um núcleo pró-chinês aparentemente (e realmente) a formar-se. É com este núcleo, claramente encabeçado por Francisco Martins Rodrigues, que não se revia nas escolhas de alianças de Cunhal (a ver no livro também as interessantes referências ao «equilibrismo estratégico» que o secretário-geral do PCP fez com União Soviética e China),que se vai formar a Frente de Acção Popular / Comité Marxista-Leninista Português (FAP/CMLP), o primeiro grupo forte a que se viria a chamar, simplesmente, «maoísta».

quinta-feira, agosto 07, 2008

Fuzilamento

- Temos de fuzilar - disse o médico dirigindo-se ao coronel. - Os diabetes são demasiado lentos para acabar com os ricos.

Gabriel García Márquez, Ninguém Escreve ao Coronel

segunda-feira, agosto 04, 2008

A Minguante de parabéns



A Minguante nº 11 já está online. Entre outros textos, está lá uma tentativa minha de literatura, retirada da feia gaveta do «destalento». Para além disso, a revista faz dois anos, o que é sempre um feito notável para uma publicação de qualidade no nosso país. Parabéns à Minguante, e que resista a Portugal.

Match Point

domingo, agosto 03, 2008

O estado das coisas

sábado, agosto 02, 2008

Obama promete ser um Presidente preto



No Diário de Notícias de hoje, uma carta de um leitor, Victor Morbey Aleixo, acerca de Obama e da «questão da raça» (do próprio candidato), chamou-me a atenção. Por várias razões, mas sobretudo por esta: o leitor falha em tudo o que diz. Mas não está sozinho, nem terá propriamente culpa.

Quando Obama se destacou na corrida pela nomeação democrata, também eu fiquei sorridente. Embora fosse um entusiasta de Giuliani, recebi com simpatia a figura de Obama, um tipo inseguro acerca do que acredita e das suas decisões, mas cheio de boas intenções e de um discurso inspirador pela «Mudança» («a change we can believe in» é o lema principal), que quase todos aceitarão como inevitável e, a nível doméstico, necessária. Obama era, por isso, o candidato Democrata que melhor nos daria uma ideia de crítica ao governo republicano dos últimos oito anos, ou seja, a candidatura que melhor faria pensar o próprio Partido Republicano. Pelo menos era nisto que eu acreditava.

No entanto, assim que Obama ganhou a nomeação (dificilmente conquistada contra a «velha raposa» Hillary Clinton), as incoerências foram surgindo. Na política externa, Obama iscilava entre a retirada total e imediata do Iraque e a manutenção da lei e da ordem naquele país, entre «trazer os rapazes para casa» e o reforço dos contingentes no Afeganistão, entre o «diálogo» com o Irão e a promessa de atacá-los. Nos assuntos domésticos, e entre outros, muito recentemente veio a questão da perfuração petrolífera em casa, defendida por McCain, e que Obama agora admite «poder vir a apoiar». Em vários assuntos específicos, matérias de facto, importantes, Obama tem «deslizado» e mesmo assustado quem o ouve (sobretudo com a sua visão irrealista do mundo e da natureza humana).

Mas a minha embirração com a carta de Victor Mobley Aleixo é, sobretudo, com a questão da cor da pele de Barack Obama, que, supostamente, tem sido criticada. O problema aqui é claro: o Sr. Aleixo, como 90% dos portugueses, só vê as notícias pelos olhos dos portuguesas ou, quando muito, pelos olhos dos europeus. Nos EUA, a realidade é outra, a atenção é outra: McCain nunca referiu a cor da pele de Obama, não só na sua identificação com um eleitorado (apesar do democrata ser, pela razões óbvias de identificação, mais apetecível para os negros) mas, sobretudo, na desvalorização de algo que ele defenda. Diz o Sr. Aleixo que «já não é a primeira vez que se ressalta nas peças jornalísticas a cor da pele do candidato, como sendo uma primeiríssima questão. Se fosse branco também se falaria disso? Esta é precisamente uma das questões que Barack Obama combate, ou seja, sobretudo somos todos pessoas, seres humanos, ponto final!». A questão é que acontece precisamente o contrário, ou seja, é errado que «precisamente Barack Obama, não faz bandeira disso, candidata-se como senador que é, como político, de acordo com a sua consciência e de ponderação racional e culta». O que Obama tem feito, cada vez mais, é aproveitar a história dos direitos civis, e a imagem de outros excelentes oradores negros (como o Dr. Martin Luther King) para lhe dar o carisma do paladino negro.

Obama, saltando por cima do conteúdo, tem focado a retórica da mudança e do sonho de um mundo melhor, numa perspectiva da diplomacia suicida para os Estados Unidos, perigosa para os aliados do seu país e caótica para o Mundo. E, ao contrário do que diz o leitor, tem focado o facto de ser um candidato afro-americano. Muito recentemente, penso que em Jerualém, referiu que sabe que «não se parece com os Presidentes americanos que por lá têm passado» como quem poderia dizer: «serei o primeiro Presidente preto na Casa Branca». Repetiu a gracinha na Europa e tem andado a fazer o mesmo em algumas campanhas domésticas. As pessoas querem ver realizada a sua concepção ideal de um país que oferece oportunidades iguais a todos, e Obama sabe-o bem.

A retórica de Barack Obama deu agora uma volta, e para além de querer fazer lembrar JFK, quer agora fazer lembrar o «sonho» de Luther King... encarnando o «sonho» na sua própria pessoa. Quando a campanha de McCain refere, e com razão, que Obama tem utilizado, isso sim, o facto de ser negro em seu favor (como uma vantagem moral e competitiva) sublinhando-o em discursos seus, o candidato Democrata defende-se, dizendo que os Republicanos só sabem atacar (a «low road politics»), numa auto-vitimação desnecessária e sem razão. Nós é que, cegos pela ideia gira de ver os Americanos liderados por quem nós queremos e pela falta de informação e de imparcialidade dos jornais portugueses, não conseguimos ver isto. Por cá, quem já viu sessões da Assembleia da República com as participações defensivas e histéricas de José Sócrates sabe que o valor e a validade das críticas são o que nós quisermos fazer delas.

O escândalo da ambição aos vinte anos

Uma boa parte dos telejornais tem dado uma atenção desmedida à vontade de dois ou três jogadores portugueses saírem dos seus clubes. Estão danados para sair do país, portanto. A verdade é que não lhes posso censurar isso. Dois deles são Moutinho (Sporting) e Quaresma (Porto), que já treinam e jogam nos jogos de preparação com a vontade e o esforço físico iguais aos do Garfield. Querem sair e ganhar mais dinheiro no estrangeiro, para se reformarem mais cedo e voltarem cá, quem sabe para investir em pequeninas empresas ligadas ao futebol.

Não percebo é porque é que tanta gente fica revoltada com estas notícias relativas a rapazes que ainda nem terão vinte e cinco anos, quando, há pouquíssimos anos, um primeiro-ministro já com idade para ter juízo e responsabilidade, deixou o país de pantanas a sacrificar-se sozinho, enquanto ele (que nunca pecou por inteligência) se juntava a um novo projecto de «harmonia europeia». Pior ainda, temos um governo que navega na crista da onda das mentiras de campanha eleitoral, com «carta verde» para fazer «o que é preciso» e os «sacrifícios» e «reformas» que «fazem falta», sem dar satisfações a ninguém. Devíamos pensar se andamos a exigir o necessário às pessoas certas.