quarta-feira, fevereiro 22, 2006

O diabo ao volante

«Esqueço que andar - a pé, de gatas ou mesmo de rastos - é um direito natural absoluto, e que conduzir um carro é uma mera concessão dos altos poderes. E eu que, entregue a mim mesmo e desarmado, não faço mal a uma mosca; eu, que, no eléctrico ou no autocarro, cedo o lugar às senhoras (em especial no seu estado interessante), aos velhos e aleijados, e acaricio a cabeça das crianças, trato por Vssa Excelência a mais humilde esfregadeira e me desfaço todo em desculpas se piso o calcanhar de um sujeito na rua, e à mais leve expressão de enfado ou irritação do próximo me sinto humilhado ou culpado - quando empunho o volante julgo-me no direito super-humano (ou desumano) de atravancar praças e ruas, de passar adiante de todos, de pôr mulheres, velhos, paralítcos e crianças em fuga desordenada!»

- José Rodrigues Miguéis, A Amargura dos Contrastes

[João Carlos Silva]