domingo, dezembro 30, 2007

Colombo e a viagem falhada

Hoje, se pegarmos um avião da Espanha para Calcutá e aterrisarmos no Caribe, só há duas possibilidades: ou o piloto bebeu, ou sequestraram o avião. Claro, você também pode estar no avião errado. Chance remotíssima, os embarques são controlados electronicamente.
No entanto, foi exactamente isto que aconteceu a Cristóvão Colombo (...).


Angela Dutra de Menezes, O Português que nos Pariu

Combater o Mal

Para combater o Mal, afastamo-nos de Deus.

John Patrick Shanley, A Dúvida

A Dúvida



O cenário: uma escola católica no Bronx, Nova Iorque - no ano de 1964 -, depara-se com o dilema da inocência ou culpa de um padre, acusado de assediar sexualmente um rapaz de doze anos. Ir ver A Dúvida ao Teatro Maria Matos teve logo o sucesso inicial de me levar ao teatro, coisa que, por maldade ou cautela, evito. Talvez seja preconceito não ir mais vezes. Talvez seja ignorância. Ou talvez eu apenas não acredite na qualidade geral do nosso teatro. Mas A Dúvida, de John Patrick Shanley, teve o dom de me colocar em permanente dúvida (perdoem-me o trocadilho). Ver Diogo Infante - um dos melhores actores portugueses vivos - e Eunice Muñoz - carisma impermeável à idade - juntos no mesmo palco deixa-nos de boca aberta e sem noção do tempo. O teatro pode-nos deixar agarrados horas e horas e horas seguidas, sem sequer pensar em levantar o rabo do assento. Aprendi isso hoje, com a peça de Shanley. E aprendi que o cinema não deve monopolizar a minha atenção. Há espaço para eu admirar o palco.

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Zelig



Zelig é um filme «muito cá de casa», e revi-o há dias com a maior das euforias. Tem o humor mais subtil de Woody Allen e uma viagem de reflexão/desafio/respeito/gozo à personalidade humana e à psicanálise. Ainda por cima tem figuras como Saul Bellow ou Bruno Betelheim a participarem no filme da forma mais convincente possível. É um dos grandes filmes do século XX e sobre o século XX.

Menezes isn´t there



Quando Marques Mendes estava à frente do PSD, fazia-se oposição na Assembleia. As vozes logo se levantaram contra o homem que, para além de ser «muito piquenino para ir a algum lado», não fazia «oposição como deve ser». Quis-se Luís Filipe Menezes, que prometia dar uma nova cara à oposição. Dizia-se que ele iria «abanar o barco». O próprio Menezes dizia que iria trazer uma mudança radical «já». E trouxe: a oposição do PSD praticamente desintegrou-se. Afinal, tinha razão quando falava da rapidez do seu trabalho. É até, na verdade, um recorde memorável: nunca um político desapareceu tão depressa.

O dono da faca

O dono da faca nem sempre é o verdadeiro criminoso.

Graham Greene, O Terceiro Homem

Holanda

A Holanda é um país que não inspira amantes. Todos os homens usam chapéu e cumprimentam em protocolo translúcido -, as crianças fumam cigarrilhas, todos talhos são floridos em contraste português,- se um carniceiro em Portugal pusesse flores nas montras do talho passava a ser considerado como pederasta oficialmente reconhecido pelo grémio.

Ruben A., Páginas I

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Na Consoada, acampar no Cambodja



Antes do Pai Natal chegar, ainda há tempo para exprimir aqui a minha gratidão para com Rui Ramos por nos ter trazido as palavras sábias de Luís Filipe Menezes. É de louvar, sobretudo, a coragem e paciência de Rui Ramos ao mergulhar no livro Coragem de Mudar, da autoria da referida personagem política. Por exemplo, esta passagem do artigo matou-me a sobriedade cinzenta de Consoada: «O livro de Menezes inclui uma entrevista especialmente reveladora sobre a sua pessoa. Não me refiro à pessoa privada, que não nos deve interessar, mas à sua pessoa pública, ou mais exactamente: à imagem que ele gostaria de dar de si próprio. Eis o que descobrimos: "sou capaz de fazer dois mil quilómetros num fim-de-semana para ver uma exposição". Ou isto: o "cosmopolitismo para mim é navegar ao luar nas Marquesas, é entrar no Triângulo Dourado e acampar no norte do Cambodja" (p. 21)». Ou então, também podemos reflectir neste nostálgico devaneio de Menezes: «"Há dois anos atrás, algures no deserto de Omã, deitado ao luar a olhar para as estrelas, tive tanta pena que estas pseudo-elites liderantes do meu Partido, cujo único deserto a que chegaram nunca está a mais de dez quilómetros da sua casa, que nunca tiveram frio à noite no deserto, que nunca tiveram medo de um tubarão..." (p. 44)».

Muito bom. Apenas ultrapassado em qualidade pela resposta do líder do PSD, em entrevista no Expresso, quando lhe perguntam o que achou deste artigo de Rui Ramos: «mas esse senhor não terá filhos?». Só por isto, Menezes já merecia o meu voto de confiança. Toda a gente gosta de comediantes, e ninguém leva a mal a parvoíce. Agora começar a fazer política a sério? Isso é que eu nunca lhe perdoaria.

domingo, dezembro 23, 2007

Xmas

A Causa das Coisas deseja que o leitor tenha um Feliz Natal. E, para quem não aprecia muito o Pai Natal, então deixo também um conselho: aproveitar a quadra para ouvir boa música, como a que é tocada pelas únicas boas pessoas a vestir de vermelho.

O estado das coisas



Entrar numas merecidas férias (o que é bom é sempre merecido) depois de dez dias sem fazer a barba.

domingo, dezembro 16, 2007

Argumentos pessoais para a «via alternativa»*

«O que tem Obama de novo? Como o próprio Sullivan o diz: His face. A sua cara. A sua miscelânea. O que ela representa. O que esta significa para os inimigos recentes da América. Nascido no Havai, filho de pai queniano e mãe americana, Obama personifica a abertura do ideal americano às preocupações do mundo. A busca de uma vida melhor e, mais importante que tudo isso, a possibilidade de essa vida melhor ser encontrada na América. O país onde até um mestiço pode ser o homem mais poderoso do planeta. Haverá , de acordo com Sullivan, melhor mensagem para um miúdo que viva no Paquistão?»

André Abrantes Amaral, O Observador

*«via alternativa»: em quem votar quando não se vota em Giuliani

O melhor confronto possível



Giuliani vs. Obama. O melhor confronto possível para 2008 (é sobretudo importante que a hipótese democrata seja Barack Obama e não Hillary Clinton). É o meu «pré-desejo» presidencial para o novo ano.

Byblos



Fui à Byblos e já lá gastei dinheiro. Gostei muito do espaço e, sobretudo, da parte da literatura estrangeira (a portuguesa, de facto, está ainda fraquinha em comparação com muitas livrarias de Lisboa, da «velha guarda»). Fiquei com vontade de lá voltar. Hei-de continuar a ir regularmente, por isso mesmo. E bardamerda para quem acha que é populareco gostar daquela livraria. Nem sempre é preciso cheirar mofo nos livros e nas estantes para se ser um leitor fiel. Acho que a Byblos tem o seu espaço no mundo das livrarias em Portugal.

sábado, dezembro 15, 2007

Doblagens revolucionárias



Os desenhos animados dobrados são a maior parvoíce jamais criada pelo ser humano. É qualquer coisa como pintar sorrisos nas figuras do Guernica do Picasso. Apercebo-me disto no momento em que dou com o facto deste novo filme de animação com abelhas vir a ser dobrado para português. Ora, por duas coisas isto é terrível: primeiro, porque perder a oportunidade de ouvir Seinfeld (mesmo numa situação que não traz grande piada) é torturante para uma criança no futuro; segundo, porque ensina às crianças o dever de «não ler» as legendas, logo condenando-as às telenovelas do Tozé Martinho; terceiro, porque simplesmente trata as crianças como estúpidas.

Veja-se agora um PREC mais apertado no controlo televisivo. Imagine-se, por exemplo, o que seria ver desenhos animados do Tom Sawyer com controlo popular. «Desenhos animados para o povo», justificar-se-ia. É preciso dar ao povo as ferramentas para compreender o mundo e os desenhos animados. E, já agora, que também não custa nada, aproveita-se para reeducá-lo.

Não gostaria de ouvir Tom Sawyer, por exemplo, a convencer os amigos e vizinhos a pintar a cerca da tia Polly porque «o trabalho para bem dos outros dignifica o homem e a sociedade». Já não seria uma cena genial em que o Tom convence os amigos a pintar a cerca (terrível tarefa) enganando-os pela inveja - diz que prefere fazer aquilo a brincar - mas sim uma cena em que Tom realmente prefere trabalhar do que brincar. «Eh Tom, que estás a fazer?» «Estou a pintar a cerca.» «Deve ser muito chato.» «Não. É óptimo e dignificante, como nos ensinou o Camarada Vasco.» «Porque não me disseste isso antes? Dá-me já uma trincha, Tom».

Seria feio, isso sim, ver o tratamento dado a Huckleberry Finn. Huck é um rapaz preguiçoso e sem maneiras. Come e dorme quando pode e quando quer, sem regras mas sempre pela lei da necessidade. Vem de uma família destroçada e, logo, aprendeu a viver segundo as suas próprias regras. Uma boa alma, no fundo. Mas Huck chegaria ao pé do Tom e da cerca e começaria o controlo operário. «Eh Tom, estás a pintar a cerca?» «Claro, o Camarada Vasco quer isto pintado até ao fim do dia.» «Eu não faço isso, vou mas é jogar ao pião». E pronto, tudo está bem quando acaba bem. Huckleberry Finn, no fundo, é a representação de um perfeito reaccionário, afecto a cada um de nós, por razões que variam de pessoa para pessoa. Todos nós somos reaccionários, mas só uma parte escapa ao controlo.

No fundo, é o que se passa com os desenhos animados. Em todos eles, há uma ou outra personagem que, mesmo com as doblagens da década de 70 portuguesa, escaparia ao controle. Caso do Huck, que não deixa levar pelas palavras propagandistas de Tom, claramente alterado pela controleira «tia Polly». Corajosa e louvável atitude que não teria, por exemplo, o rato Pompom, de Dartacão. Rato esquivo e matreiro, rapidamente entregava os Moscãoteiros à PIDE do Cardeal Richelieu. Enfim, atitudes contra-revolucionárias.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Às avessas



Portugal estabelece relações de amizade com Putin, Chávez e José Eduardo dos Santos. Dezenas e dezenas de ditadores africanos corruptos juntaram-se em Portugal para dois dias de férias. José Sócrates é primeiro-ministro de Portugal. O melhor jogador português do momento é um cigano. E depois venham-me dizer que Portugal não é um país às avessas.

O estado das coisas

Entraves

Querer livros que estão a 19 euros nas livrarias.

Inédito

O meu amigo Bruno, pela primeira vez na vida, deu um beijinho ao Portas.

A vida na aldeia: #1- Segurança pública



As pessoas cruzam-se numa estrada do interior (isto é, do «interior do Portugal profundo») com um carro da GNR e pensam: «lá vem a polícia local». Enganam-se. A GNR é, realmente, uma figura da autoridade fora das cidades, mas não é a polícia local. É mais, digamos, uma espécie de FBI das localidades. O Bureau das vilas. Aliás, a GNR desempenha um papel essencial na resolução dos casos mais bicudos das pequenas localidades - disputas de heranças, roubo de gado, mutilação de santinhos na paróquia -, sempre com grande profissionalismo e postura. Isso ninguém lhes pode negar. Mas não é, de facto, a força de segurança preferida das pessoas.

A força de segurança que mais apela ao comum português da vila/aldeia é outra. Face ao visível afastamento moral entre a Guarda Nacional Republicana e o cidadão honesto, os portugueses manifestam-se escolhendo como polícia preferida não a GNR, a PSP, ou a Securitas. O português sóbrio escolhe, isso sim, o Campino como principal agente para guardar o seu dia-a-dia.

O campino é objecto do mais sincero amor do português da aldeia. Fresco, modesto e trabalhador, o campino mantém a austeridade e o visual dos seus antepassados de gerações e gerações atrás. E as razões estão aí debaixo do nariz, senão veja-se: colete encarnado, mostrando coragem perante o touro mais bravo; bota de montar, claramente pondo a nu o sangue azul dos seus bisavós; camisa branca que nunca suja (Don Johnson no Miami Vice também vestia um fato branco que, mesmo no meio do mais feroz dos tiroteios, nunca se sujava); uma versátil faixa vermelha como cinto que, no Inverno, também serve de cachecol, para proteger o agente prevenido; o barrete verde, que não envergonha nenhum soldado de elite e que, devido às suas parecenças com o barrete do Noddy, convence as crianças da bondade do campino; e, finalmente, o pampilho, pau lutador da maior modernidade, que assume simultaneamente a classe e a virilidade do dito agente da autoridade.

Imagine-se o leitor, por exemplo, em Arruda dos Vinhos. Quereria o leitor ser parado em plena estrada por um GNR barrigudo, de bigode farfalhudo, de botas de montar (nunca percebi para que são precisas botas de montar se a GNR só anda de jipe) e de boné a tombar para a testa? Não me parece. Nem o leitor quer, nem eu quero. Por outro lado, toda a gente gosta de ser advertida por um campino. E normalmente passa-se assim: o campino assobia ao condutor acelerado. E este, apercebendo-se da aproximação de um generoso homem vestido de verde e vermelho, montado num cavalo lusitano, rende-se imediatamente ao seu dever patriótico de abrandar o carro e colaborar com a justiça.

Ninguém resiste à simpatia de um campino. Se na sua vila ainda não foi dada inteira exclusividade da segurança pública ao campino, então é hora de apertar com os vizinhos e fazer correr uma petição pela zona. Por um campino mais próximo do cidadão. Se não é assim que é, então é assim que devia ser.

domingo, dezembro 09, 2007

Frágil

Após busca cuidada, perdido no Bairro Alto, marquei presença no Frágil, no dia 6 de Dezembro (quinta-feira), para a apresentação dos Contos de Algibeira, uma louvada iniciativa de Laís Chaffe e da Casa Verde. Para além da estranha situação de ter Jorge Silva Melo a apresentar um livro onde também participo, a noite valeu a pena para ver algumas caras conhecidas. Tímido como sou, não estive «como peixe na água» em evento tão concorrido, mas tive o prazer de conhecer pessoalmente o Luís Ene (afabilíssimo, mas muito franco ao admitir que eu afinal sou mais gordo do que as fotos revelam) e de reencontrar o Paulo.

Quanto ao livro, ainda não está todo corrido. Mas tenho gostado bastante de alguns textos. Favoritos? Tenho, mas isso fica para mim.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Lost in translation

Para tentar falar inglês no dia a dia, perdi o hábito de falar em português. Perdi-me no caminho entre as duas línguas. Agora nem inglês, nem português.

Prendas

Em alturas de Natal, chega a decisão importante: o que comprar para os outros, com boa relação qualidade/preço? Importante é que a melhor prenda seja sempre a minha para mim mesmo. Aceitam-se sugestões, claro.

CONVITE AO LEITOR

Lançamento reúne minicontos de portugueses e brasileiros


«Uma grande festa organizada por Nuno Costa Santos vai unir a literatura portuguesa e brasileira no próximo dia 6 de dezembro, às 21h30min, no Frágil (Rua da Atalaia, 126 – Bairro Alto - Lisboa). Jorge Silva Melo apresenta o livro Contos de Algibeira, lançamento do selo editorial Casa Verde, do Brasil, organizado pela escritora Laís Chaffe. O livro é o terceiro volume da Série Lilliput, dedicada aos minicontos – os primeiros são Contos de bolso (2005) e Contos de bolsa (2006). A novidade é que Contos de algibeira, além de importantes escritores brasileiros, traz colaborações de 36 autores de Portugal.

Já confirmaram presenças no Frágil os escritores Alexandre Borges, Ana Mendes, Ana Ramalhete, Ana Saramago, Fernando Gomes, João Carlos Silva, João Ventura, Joel Neto, Luís Ene, Maria João Fernandes, Mário Calado Pedro, Paulo Rodrigues Ferreira, Rui Zink, Sara Monteiro. O Brasil estará representado no lançamento por Luciana Veiga e Berenice Sica Lamas. Luciana faz parte do grupo de escritores que integram a Casa Verde, criada em 2004 por Laís Chaffe, com o objetivo de aprofundar discussões literárias e publicar com independência. Os demais autores da Casa são Caco Belmonte, Christina Dias, Filipe Bortolini, Luiz Paulo Faccioli e Marcelo Spalding.»

domingo, dezembro 02, 2007

O estado das coisas

Dia a dia

Ele: I'm being chased.

Eu: Sir, that's normal. They just want more. Ignore it.

A tarefa mais importante

Quando o trabalho e a necessidade de dinheiro afastam o homem da escrita, há uma parcela de depressão que se instala. Um homem sabe quando falta fazer alguma coisa. Mesmo quando o dia nos deu um pouco de tudo, sabe-se isto: não se cumpriu a tarefa mais importante, a de juntar palavras.

Inércia

É provável que, em cada dez metros de vida, apenas um metro seja de real existência. E em algumas pessoas a percentagem de criatividade, de «força viva», é ainda mais pequena. Esta tese faz de mim um ser praticamente inanimado.

domingo, novembro 18, 2007

The Brave One



Para quem viu Taxi Driver, este novo filme de Neil Jordan é, sem dúvida, uma boa lembrança. The Brave One, com Jodie Foster e Terrence Howard (dois actores que muito prezo) não é uma revolução do cinema, como foi com o filme de Scorsese. Mas é um murro no estômago. É uma viagem pela perda, pela vingança e pelo ódio. É um estereótipo de «drama humano», mas sem luto. Sem lágrimas. Será possível preencher o vazio deixado pela perda (morte) de uma pessoa próxima, através da justiça pelas próprias mãos? The Brave One tenta dar a resposta. Falha, mas a reflexão fica lá, assim como um bom filme.

A Vida dos Outros



Há dias, fui ver, pela primeira vez, A Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck. Parti para a sala de cinema com uma opinião a ecoar na cabeça, uma opinião negativa que Vasco Pulido Valente havia deixado numa revista. No fim do filme, fiquei com vontade de rasgar o artigo de VPV. A razão é simples: o filme não é medíocre nem é suposto ser um documentário sobre a RDA. E passo a explicar.

Começo pela segunda premissa, acerca da veracidade de algumas coisas que surgem no filme. VPV acusa Donnersmarck de alguma ingenuidade em relação às pessoas em geral e à «redenção pela arte». O problema dessa acusação, no entanto, é o seguinte: um filme não é um tratado moral. Pelo menos, não o é em si, enquanto forma. Se aparecem frases feitas (como as há no meio de filme, uma ou duas, de facto), não são essas frases que fazem todo um filme. Há vida para além da «veracidade» e da «credibilidade» humana das personagens e da acção. E Wiesler, o Stasi que supostamente se redime e se «transforma» pela arte, é uma personagem cativante, sem necessariamente ser verdadeira. Provavelmente, nunca existiu nenhum Wiesler. Provavelmente, nunca houve na PIDE um homem que, atingido pela culpa, acabasse praticamente a «lutar» contra a própria organização, o próprio Estado que servisse, e pagasse o preço por isso. Mas a mensagem do filme - ou melhor, a história hipotética - não deixa de ser bonita. Os filmes não são a realidade, são a realidade que queremos. Hollywood ensinou-nos isso.

Depois, uma suposta acusação de mediocridade do filme. Aqui estamos no domínio das opiniões. Achei A Vida dos Outros um filme muito bom. Não o melhor que já vi, mas um muito bom. Muito interessante. Uma espécie de tragédia shakespeariana motivada pela culpa, pelo acaso, pela vingança e, não menos, pelo sexo. É o sexo que motiva o encontro de todas estas personagens, em especial o interesse sexual «devorista» e destruidor do ministro Bruno Hempf pela actriz namorada de Dreyman, o escritor que passa a ficar sob escuta para eventualmente ser «acusado» de algo, seja qual for a acusação. É o sexo que, tal como em Shakespeare, move muitos peões aqui. E isso é algo que, ao contrário de muitas peças, Shakespeare introduz de forma muito humana e muito cínica. Donnersmarck teve o cuidado de nos pôr um dilema shakespeariano em cinema, num cenário comunista. E em alemão, o que é obra.

Putin

Já se pode ler um novo artigo meu no Setúbal na Rede, acerca da visita de Putin a Portugal e das «lições de democracia» que dessa visita brotaram.

A moral orientadora do artigo é esta: «em matéria de “democracia” e de subsidiariedade, não estamos propriamente a ganhar terreno sobre Putin. A perda contínua de capacidade e mobilidade económicas dos pequenos poderes na Europa, e em Portugal isso é visível, corta-nos a palavra quando queremos ensinar Vladimir Putin a governar. Tanto Sócrates como Putin acham que sabem o que é melhor para o seu povo, e nisso, como sabemos, não há voz que lhes chegue aos ouvidos».

segunda-feira, novembro 12, 2007

Schmeichel e Bukowski



Depois de uma busca recomendada pelo Paulo, fico acidentalmente a saber que há uma dupla musical no Brasil chamada «Schmeichel e Bukowski». O que, pegando moda, dará certamente origem a uma hipotética dupla de samba «Buffon e Saramago».

Orgulho ibérico

O episódio foi este: na Cimeira Ibero-Americana que está a decorrer no Chile, Hugo Chávez não se fartava de dizer, debaixo das barbas de toda a gente, que José María Aznar era «um fascista». Zapatero tentou pedir respeito ao ditador venezuelano com calma e profissionalismo (desequilibradamente simpático, na minha opinião), já que Aznar tinha sido «eleito pelos espanhóis» democraticamente. Isto não foi suficiente para calar Chávez. Mas é aí que entra o herói desta história. O rei Juan Carlos, sentado entre Zapatero e Chávez, perde as estribeiras (com razão) e, tirando-me as palavras da boca, dirige-se a Hugo Chávez levantando a mão na sua direcção: «Por qué no te callas?».
Ainda dizem que a monarquia não faz falta nos dias que correm.

Sensação de realização

Quem não se sente realizado depois de comprar os seis volumes das Páginas de Ruben A., em desconto?

[João Carlos Silva]

Os «projectos olímpicos» da Baixa de Lisboa

A Baixa voltará a ser o centro da cidade se os lisboetas virem nisso alguma conveniência, porque foi por ter sido conveniente que a Baixa foi famosa no passado. Gastar milhões em projectos com o intuito de incentivar as pessoas a irem à Baixa é uma política condenada ao fracasso. Além do mais, prejudica os interesses de quem assumiu o risco de investir noutras zonas da cidade e, com o fruto do seu trabalho, paga os impostos que financiam a autarquia.

André Abrantes Amaral, Atlântico, Novembro 2007

Atlântico

Vale a pena comprar a Atlântico deste mês. Para além das contribuições habituais, que valem sempre a pena, traz como bónus um pequeno ensaio de Rui Ramos sobre as invasões francesas (que peca por alguma falta de profundidade, tendo em conta a extensão do «material» em análise), um excelente artigo de André Abrantes Amaral dando uma «luz liberal» ao planeamento de Lisboa, um texto de João Marques de Ameida dando um ensaio de porrada a Al Gore e ao «Comité Central» do Nobel, Fernando C. Gabriel sobre a África do Sul ou uma entrevista de Pedro Mexia a Paul Auster.

[João Carlos Silva]

Um estudo sobre Telma Monteiro



Não, não és o único, Bruno. Mas, machismo à parte, com as medalhas e o treino a Telma está a ganhar uma certa virilidade. Não deixa de ser uma mulher de talento, e uma atleta de talento também.

[João Carlos Silva]

Página 161, versículo 5

O meu caro conterrâneo e co-vitoriano Luís Silva meteu-me na seguinte alhada: devo «esticar o braço» e enfiá-lo por entre as páginas do livro que «estiver mais à mão de semear», mais precisamente na página 161, e pôr aqui a 5ª frase completa que encontrar nessa mesma página. Como não poderia deixar pendurada uma pessoa como o Luís (até porque já lhe dei castigo semelhante), foi o que fiz. Esticando o braço para a leitura actual, o Dracula de Bram Stoker (em edição da Dover), dei de caras com isto:

I smiled, and said: -
"I was ill, I have had a shock, but you have cured me already."


É pena não andar em leituras mais interessantes. Até porque há passagens bem mais interessantes tanto neste livro como noutros aqui nos arredores.

[João Carlos Silva]

quarta-feira, novembro 07, 2007

Contos de Algibeira



A antologia de micronarrativas Contos de Algibeira sairá já no dia 1 de Dezembro, às 18h30, em Porto Alegre, Brasil - na Alameda dos Escritores do Shopping Total (para quem conhece). Para além de excelentes escritores brasileiros, os portugueses também estão representados, sob a batuta sábia de Laís Chaffe. Entre tantos outros, contam-se por lá Gonçalo M. Tavares, Henrique Manuel Bento Fialho, Hugo Rosa, João Ventura, Luís Ene, manuel a. domingos, Maria João Lopes Fernandes, Nuno Costa Santos, Paulo Kellerman, Rafael Miranda, Rui Costa, Rui Manuel Amaral, Rui Zink ou Rute Mota (perdoem-me as graves omissões). Também eu entrei nesta empreitada com um texto, assim como o meu amigo Paulo Rodrigues Ferreira.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, novembro 02, 2007

Minguante



Já saiu a Minguante nº8, de Novembro, agora que se tornou trimestral. Entre tantos outros muito melhores, está um medíocre texto meu.

[João Carlos Silva]

O estado das coisas



O rei está moribundo, e não me parece nada bem.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, outubro 29, 2007

Oposição a Marques Mendes

Isto em política é preciso ter uma paciência de Job, em particular quando se atravessa um período de vacas magras; um período de casa sem pão, onde todos ralham e ninguém tem razão; um período de fome má conselheira; um período em que se é preso por ter cão e por não ter. E há muitos provérbios populares significativos para o caso. Antes de Marques Mendes tomar uma posição, todos a exigiam: depois de a tomar, todos a criticam. E nem sequer é uma decisão entre muitas, é esta mesmo, precisamente a que tomou, a que lhe exigiam, esta mesmo que lhe criticam. Ou porque é tarde de mais, ou porque é cedo de mais, ou por mil e umas razões que servem agora e não servem depois. (2007)

José Pacheco Pereira, O Paradoxo do Ornitorrinco - textos sobre o PSD

[João Carlos Silva]

sexta-feira, outubro 26, 2007

Aviso

Quem quiser, pode ler-me também neste blog:

00:04


[Paulo Ferreira]

quarta-feira, outubro 24, 2007

Micróbio



A partir de agora também escrevo no Micróbio Megalómano.

[João Carlos Silva]

Gonçalo M. Tavares



Gonçalo M. Tavares não é um mago das palavras. Não tem uma escrita poética nem melódica. As palavras que correm nos livros de Tavares são curtas, escassas e científicas. «A ciência da carne, do metal, do osso» - poderia ser o lema deste escritor. Não é um escritor que escreva calhamaços para o Nobel ou para a crítica política. Não é. Mas garanto que nunca nenhum escritor me fez pensar como Gonçalo M. Tavares me faz pensar depois de ler um livro seu. Para qualquer escritor, então, é uma leitura obrigatória: um dínamo da mente humana.

[João Carlos Silva]

domingo, outubro 21, 2007

Work in Progress



[João Carlos Silva]

sexta-feira, outubro 19, 2007

Despertares



Há grandes clássicos entre os meus filmes que, passem os anos que passarem e veja-os as vezes que os vir, serão sempre grandes lições.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, outubro 18, 2007

National pride

No post «A Longa Campanha De Durão», o Bruno interroga-se: Serei sou eu, ou haverá mais gente já farta da campanha que Durão Barroso anda já a fazer para as Presidenciais de 2016?

Eu, pela minha parte, só posso dizer isto: um voto em Durão seria um voto da má memória, um voto amnésico.

[João Carlos Silva]

quarta-feira, outubro 17, 2007

Barreto quote IV

Esse é o ponto: a «ideologia» dos brandos costumes pretende justificar e desculpar a opressão; disfarçar a violência; e impor a passividade aos cidadãos.

António Barreto, Sem Emenda

[João Carlos Silva]

Barreto quote III

Um dos mais sérios problemas portugueses é o da ausência de contra-poderes. O Estado é a nação. O Governo é o Estado. Há séculos que é assim. Embora ténue em certos momentos, o único contrapoder digno desse nome é sem dúvida a Igreja Católica.

António Barreto, Sem Emenda

[João Carlos Silva]

Barreto quote II

António Barreto, em Sem Emenda, tem um artigo (de uma ironia genial) em que admite que não gosta de Espanha nem de espanhóis. E resume os seus defeitos:

Como se pode gostar de um povo que fez a Inquisição, expulsou estrangeiros, queimou judeus, assassinou protestantes, bateu nos árabes, massacrou os índios, escravizou pretos, expulsou jesuítas, matou comunistas e anarquistas, prendeu socialistas e democratas, expulsou frades, violou freiras, nacionalizou conventos, deu o poder à Igreja e aos militares, proibiu os partidos e as eleições durante quarenta anos, deportou artistas, forçou militares ao exílio, deixou partir centenas de milhar de emigrantes clandestinos, censurou os livros e os jornais e quer fazer a Federação Europeia? Como é possível gostar de tal povo?

Mas será mesmo de Espanha que António Barreto está a falar?

[João Carlos Silva]

Barreto quote I

Os funcionários da revolução eram sempre piores do que os do poder? Os esquerdistas piores do que os yuppies? Mais uma vez, só a liberdade nos salva. E o inconformismo, quando há. Querer mudar tudo é uma estupidez. Pretender fazer um homem novo é um disparate. Mas os que querem obedecer e chamar-lhe sucesso, não são melhores.

António Barreto, Sem Emenda

[João Carlos Silva]

terça-feira, outubro 16, 2007

Mau cenário

Há tempos, num espírito «tanto se me dá como se me deu» e inspirado pelo abandono do homem de uma entrevista, disse que não me importava de ver Santana Lopes como líder parlamentar do PSD. Por três razões: porque já era deputado; porque é da laia de Menezes (se bem que eu não tenha semelhante antipatia por Santana); e porque já não queria saber de nada. Mas não pensei, não pensei mesmo. A piada de ver o «guerreiro-menino» à frente das tropas não é tão grande se, num cenário pós-Santana, o PSD entrar num deserto enquanto partido. Um PS sem qualquer oposição séria seria uma catástrofe, não para o PSD, mas para o Portugal onde vivo. Por muito populista que Menezes já seja e por muito inepto que o PSD já esteja, quando Santana Lopes chegar para ajudar à festa há sempre um cenário pior. Disse disparate, portanto. Mas é mesmo por poder admitir isto, e sem grande jeito para a coisa, que não sou político.

[João Carlos Silva]

Dor

Sem analgésicos é mais giro.

[João Carlos Silva]

Case study

Será possível criar sempre um novo desfecho para doenças existentes? É.

[João Carlos Silva]

Abdómen

Através de uma janela no meu abdómen, tenho andado a olhar a morte nos olhos.

[João Carlos Silva]

O acto solene de desaparecer



«Desaparecido». Esta maneira de sair da cena da vida parece ter sido muito conhecida no século XVII; mas era então considerada um privilégio dos que tinham sangue régio e jamais seria concedida a um boticário. Por volta de 1686, de facto, um poeta com um nome de mau agorio (ao qual, de resto, fez justiça), Mr. Flat-Man, falando da morte de Carlos II, exprimia a sua surpresa por um príncipe ter cometido um acto tão absurdo como morrer; diz ele que «Deveriam os reis não morrer mas sumir-se».
Ou seja, deveriam eclipsar-se no outro mundo.


Thomas de Quincey, Confissões de um Opiómano Inglês

[João Carlos Silva]

sexta-feira, outubro 12, 2007

Escreve, escreve

Então, estou fora? Não, escrevendo não me tornei melhor, apenas dissipei um pouco, a ansiosa e inconsistente juventude. Que me valerão estas páginas descontentes? O livro, o voto, não valerão mais do que tu. Nunca disse que escrevendo se salva a alma. Escreve, escreve, e a tua alma já está perdida.*

Italo Calvino, O Cavaleiro Inexistente

*nota: é uma monja narradora que escreve estas linhas.

[João Carlos Silva]

As leis da Venezuela

É favor espreitar esta notícia. E eu que nunca pensei vir a gostar do Alejandro Sanz. É bom saber que, na música como em Hollywood, o barco não está totalmente desequilibrado para o «outro lado». Tal como Andy Garcia motiva a oposição a Fidel, também Sanz critica Chávez. E «El Presidente» não se esquece.

[João Carlos Silva]

quarta-feira, outubro 10, 2007

Sangue na cabeça

Não há uma noite em que consigas ir para a cama com a cabeça limpa de sangue.

[Paulo Ferreira]

Contar gotas

O Verão acabou mas o meu sofrimento com o suor não.

[Paulo Ferreira]

Falta de comparência

Pior do que uma grande derrota é uma falta de comparência.

[Paulo Ferreira]

Objectivos

No momento em que alguém se decidir a criar uma associação que tenha como único objectivo o de me salvar, passarei a acreditar no conceito de humanidade.

[Paulo Ferreira]

Caminhos

Do mesmo modo que existem várias formas de ganhar a vida, há diferentes formas de a perder. Eu, por exemplo, farto-me de encontrar caminhos para a desgraça.

[Paulo Ferreira]

Perder anos

Mesmo não saindo do sofá, consegues perder anos de vida em poucas horas.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, outubro 09, 2007

Mundo cão

O chão é de terra. O tecto é de ar. Não confio neste mundo.

[Paulo Ferreira]

Razões para acreditar

Apesar deste Inferno que é o passado, o presente e o futuro, acredito que dias virão em que os céus azuis nos ofuscarão os olhos ao ponto de não conseguirmos ver o bicho que temos dentro de nós.

[Paulo Ferreira]

Amanhã

Sou daquelas pessoas que estão sempre à espera dos amanhãs. Sou daquelas pessoas que vivem desiludidas com os dias que passam.

[Paulo Ferreira]

Quatro paredes

Um suicida que amava a vida construiu uma casa sem janelas para que, nos momentos de angústia, não conseguisse encontrar pontos de fuga.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, outubro 08, 2007

Futuro escuro

Tinha tão poucas expectativas em relação ao futuro que nunca se lembrou de sair da cama.

[Paulo Ferreira]

Amizade

A amizade acaba com a vaidade.

[Paulo Ferreira]

Manchas

O facto de seres humano não desculpa as tuas falhas. Mas o facto de seres falhado desculpa o ser humano que és.

[Paulo Ferreira]

Falhar

Se voltaste a falhar, não te preocupes. Falharás mais vezes.

[Paulo Ferreira]

Escolhas

Se um dia precisares de fazer escolhas, usa o cérebro em vez do coração. Reconheça-se, no entanto, que muito dificilmente um animal da nossa espécie consegue fazer escolhas com o cérebro. O coração é sempre a nossa grande ferramenta. Até quando a ferramenta é uma má ferramenta.

[Paulo Ferreira]

Prova de esforço

Quem conseguir passar mais do que quatro horas com a sua senhora num centro comercial de grande dimensão, para além de estar a bater o meu máximo histórico, está pronto para o casório.

[Paulo Ferreira]

sábado, outubro 06, 2007

Sátira

H. L. Mencken tem uma forma engraçada de contar as suas opiniões ao público, uma vez que, ao fazer isso, brinca dizendo coisas sérias e consegue não cair em ridículo. Por exemplo, a ideia geral de Os Americanos é esta:

Está claro que gente de terceira categoria existe em todos os países, mas só que aqui lhes é confiado o leme do Estado e, ao mesmo tempo, a guarda dos valores nacionais.

Outro qualquer escriba, a dizer isto sobre os Estados Unidos, dar-me-ia vómitos. Mas Mencken não. Mencken sabia escrever, sabia pensar, sabia brincar. Mais importante, Mencken sabia que, fora de portas, o vazio era maior.

[Paulo Ferreira]




Felicidade

Em Os Americanos, Henry Louis Mencken (1880-1956) dá a receita necessária para a felicidade:

a) Bem alimentado, livre de preocupações mesquinhas, à vontade na mãe-pátria;

b) Repleto de um reconfortante sentimento de superioridade em relação à grande massa dos meus compatriotas;

c) Permanentemente divertido, com finura de espírito e de acordo com o meu gosto.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, outubro 05, 2007

Raça

Não conhecendo em profundidade a figura de Ângelo Correia, falo daquilo que vejo e que leio. Esta semana, numa entrevista ao Expresso, o homem refere, a propósito das reacções de Pacheco Pereira em relação à vitória de Menezes, o seguinte: O dr. Pacheco queria ser expulso para ser mártir, mas não lhe faremos a vontade. Parece-me que por aqui se vê de que material esta gente é feita.

[Paulo Ferreira]

Ser português

Sobre Arte de Ser Português, de Teixeira de Pascoaes, nada melhor do que a leitura do prefácio de Miguel Esteves Cardoso. Aqui fica um excerto:

Os Portugueses não queriam ser quem ele queria. Os Portugueses de Pascoaes nem sequer existiam. Pascoaes nunca percebeu que era tudo invenção dele.

[Paulo Ferreira]

Rei

Tentando averiguar se o ambiente na SIC continua tão eroticamente carregado como nos nossos tempos, eu e a minha mulher deslocámo-nos aos estúdios no passado domingo. Como fazíamos sete anos de casados nesse dia, convencia-a a ir vestida de noiva, para a fotografia.

- Miguel Esteves Cardoso, Única/ Expresso

[Paulo Ferreira]

Naquele dia

Poderia jurar que, naquele dia, o culpado não fui eu. Mas reconheço que todos os outros dias se têm parecido com aquele.

[Paulo Ferreira]

Lupa

Ontem comprei uma lupa e enviei-a a Deus, a ver se Ele me descobre no meio disto tudo.

[Paulo Ferreira]

Deus

Permanecer levantado no ar como um filho de Deus à espera da redenção. Permanecer crucificado como um pecador que, mesmo não suportando mais dor, só recebe dor.

[Paulo Ferreira]

Estado das coisas



[Paulo Ferreira]

quinta-feira, outubro 04, 2007

Sagnier


Apreciei deveras o trabalho de Ludivine Sagnier em Swimming Pool.

[Paulo Ferreira]

Homenzinho

Santana Lopes já é um homenzinho. Já não faz as noitadas de antigamente. Agora, em vez das habituais «directas», Santana deita-se às cinco, seis da manhã, para chegar fresquinho ao trabalho.

[Paulo Ferreira]

Mundo mau

A dor faz-te dizer constantemente que este mundo não é bom, que este mundo não é bom.

[Paulo Ferreira]

Menezes e Santana


A propósito deste meu post, onde eu admitia que não ficava demasiado abatido com a escolha de Santana Lopes para líder parlamentar do PSD, o meu amigo Bruno fez um comentário: «sendo que o João não se deixa enganar pela histeria de Menezes, estranho que ele use para Santana o argumento que os apoiantes do novo líder usaram na sua campanha (o de que, com ele, haveria "verdadeira" oposição, ou seja, berraria)». Ora, a minha justificação para tal «aceitação» de Santana como parlamentar está no próprio excerto que escolhi do comentário do Bruno. Ou seja, que o argumento que se tem usado para escolher os líderes do PSD terá de ser aceite se se referir ao líder parlamentar. É a única abordagem congruente. Menezes e Santana sempre fizeram par, e aos olhos das «bases» é a única continuidade aceitável. A visibilidade que ele (Santana) terá é natural e, com alguma esperança, não será pelos piores espectáculos que já protagonizou. Será um líder parlamentar que qualquer pessoa ouve, mesmo sem querer.

Resumindo: o espectáculo mediático que muitos quiseram ver no líder do partido podia já ter sido fornecido pela escolha de Santana Lopes para líder parlamentar, sem ter descambado nesta pobre via de liderança. Com a condição - e esta é a parte mais importante - de não «andar por aí» e de, se Menezes cair, aprender de vez a lição. Acho, Bruno, que, com o líder que o PSD tem neste momento, Santana Lopes é a única escolha óbvia.

[João Carlos Silva]

quarta-feira, outubro 03, 2007

Inferno 2

Indirectamente, vais escolhendo viver num inferno para o qual não estavas preparado.

[Paulo Ferreira]

Ferida aberta

Não imaginas que a tua existência é como uma ferida aberta que, ao mínimo toque, te fará gritar como uma criança doente. Mas devias.

[Paulo Ferreira]

Analgésico

Sendo certo que todos os dias me dói alguma parte do corpo, quantos analgésicos deverei tomar até que tudo acabe?

[Paulo Ferreira]

1000

No ano mil, o mundo não acabou. No ano dois mil, também não. Será que o Inferno é para sempre?

[Paulo Ferreira]

Inferno

Se é certo que certas vidas se rodeiam de uma grande felicidade, mais certo é que outras vidas são passadas muito lentamente, num grande sofrimento, dentro de uma grande fogueira que arde e que faz doer.

[Paulo Ferreira]

Um Santana atrevido é o que se quer

Marques Mendes foi um dos melhores deputados do PSD da última década. Talvez o melhor. Mas agora, parece, chegou a altura de ser afastado (por pouco tempo, gostava eu) por razões políticas e de mudança de «directório». Para além disso, vai-se escolher também novo líder para a bancada parlamentar do partido. Verdade seja dita, eu não me importava de ver Santana Lopes como líder da bancada parlamentar do PSD. Arriscando alguma incipiência no conteúdo das intervenções, ao menos tínhamos um homem mais desbocado e atrevido (este sim e não Menezes). Teríamos, esperançosamente, alguém capaz de virar as costas ao desrespeito do Primeiro-Ministro para com os deputados. Face ao sarcasmo barato e grosseiro das intervenções José Sócrates, acredito que Santana Lopes se levantaria a meio e se ia embora. Acredito que poderia exigir mais, mesmo que não tão bem como Mendes. E isso, nos tempos que correm, é de louvar.

[João Carlos Silva]

A viagem

O manuel a. domingos pôs o meia noite todo o dia a descansar por uns tempos. É pena. Ficam os votos deste blog de um retorno breve, como se de Ulisses se tratasse.

[João Carlos Silva]

O cantor que lia Kierkegaard



Tenho para mim que Elliott Smith ainda está vivo. Pelo menos para os dois autores deste blog, o homem continua vivo nas aparelhagens e mp3's.

[João Carlos Silva]

Fuck

Outra coisa fantástica em Roth é a sua utilização da linguagem, do calão. Não há palavras proibidas no vocabulário (à excepção, talvez, de «amor»). Em geral, nos livros de Philip Roth, página sim página não lá está «cunt», «fuck her/him», «cock», e por ai fora. Coisa mais rara na literatura lusitana. Há vergonha de explorar as palavras tabu. Eu incluo-me neste grupo, como bom filho ateu de católicos, de cuja influência e limites não consigo fugir.

Coisa melhor ainda é que a tradução de Deception (na Bertrand Editora) não tem piedade do leitor e traz à letra as palavras de Roth. As personagens fodem e vêm-se, assim mesmo sem aspas. As palavras são palavras e é preciso descrever a acção. É preciso falar como em Brooklyn. Aplaudo a tradução para português. Para não acontecer como nas traduções de séries (Sopranos incluídos) que transformam uma frase «they were fucking» num «estavam a fazer aquilo». O estilo depende do autor, mas a partir daí o tradutor deve deixar de ser tímido. Nisto da literatura crua nunca se mata o mensageiro: numa tradução nunca se mata o tradutor pelo vernáculo; num diálogo nunca se mata o narrador pela escolha de vocabulário. E Roth, felizmente, sabe isso.

[João Carlos Silva]

Roth


Ler um livro de Philip Roth é sempre o acto de descer um pouco à condição mais vil de todos nós. Traidores, mesquinhos e egoístas. Feios, porcos e maus. Há uma subversão das regras e da ordem das coisas na sociedade que, quando vemos bem, não é subversão nenhuma. É apenas o retrato do lugar mais obscuro do nosso comportamento. E, em Roth, esse lugar obscuro mas podre não está numa personagem distante e caricata. Pelo contrário: para encontrar a perversão em Roth não é preciso ir mais longe do que o próprio protagonista.

[João Carlos Silva]

Feeling

Alguns blogs têm comemorado a vitória de Luís Filipe Menezes, sem pensar no deserto que ficará no PSD depois da passagem deste infame autarca por lá. Mas noutros blogs foi-se mais longe na originalidade, convertendo o nome de Menezes numa sigla misteriosa: L de Líder ; F de Feeling ; M de Mérito. Sempre gostava de saber o que será o «Feeling» do dr. Menezes.

[João Carlos Silva]

terça-feira, outubro 02, 2007

In Rainbows


[Paulo Ferreira]

Quizás Quizás Quizás - Nat King Cole

[Paulo Ferreira]

É assim...

Se deixar a pistola carregada de balas em cima da mesa, não hesitarás em pegar nela para me matar. Sei que o amor é assim.

[Paulo Ferreira]

Mulheres, vidas

Por cada mulher que tens, vives uma vida diferente.

[Paulo Ferreira]

Calendário

O futuro está sempre tão longe e as necessidades estão sempre tão à mão.

[Paulo Ferreira]

Visitas


Há uma certa tendência de algumas pessoas para a pesquisa da palavra «gajas» no Google. Pelo menos, quando vou ao contador de visitas, só encontro «gajas». É quase um ritual. Abro o contador e, surpresa das surpresas, «gajas». Mas aqui não há disso. Neste espaço, a Claudisabel não mostra as «mamas», a Rita Egídio não faz «dança do ventre», a Eva Angelina não veste o fato de secretária.

[Paulo Ferreira]

Chuva

Noto que, com a chuva, me torno mais caseiro, telivisivo, soturno, nostálgico e feliz.

[Paulo Ferreira]

Pergunta

Se estivesses, neste momento, no meio do mar, que farias tu? Deixar-te-ias afogar ou tentarias salvar a pele?

[Paulo Ferreira]

Anonimato

Onde está a plateia?

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, outubro 01, 2007

EPC

Na «Atlântico» de Outubro, Jorge Reis-Sá, na sua crónica optimista, defende que Prado Coelho escrevia textos «legíveis» e «pertinentes». Ora, julgo que poder-se-ia dizer tudo sobre o homem menos isto. Prado Coelho não era legível nem pertinente. Era, aliás, por não ser legível nem pertinente que gastava o meu tempo a ler as suas crónicas no «Público». Prado Coelho falava em sóis violáceos, gostava de programas de culinária e apreciava as musas do cinema. Era esta a sua grande relevância. Mais nenhuma.

[Paulo Ferreira]

Coração malandro 2

Sei eu e sabem os meus amigos: os nossos corações nunca baterão como um só.

[Paulo Ferreira]

domingo, setembro 30, 2007

Coração malandro


Há um novo concurso na TVI, apresentado pela já antiga Júlia Pinheiro, que trata do «amor». O dito programa dá pelo nome de Casamento de Sonho, o que, só por si, transmite a ideia de que pelo menos duas pessoas tentarão atingir a perfeição sentimental. Sabe-se que não haverão facilidade mas, nestas coisas, não existem facilidades. O amor é exigente. As relações são quase sempre traumáticas. Por esse motivo, aparecem as «belas» e os «belos», que tentarão desviar os pombinhos através da «quebra de confiança» e do ciúme. O óbvio diz-nos que, no final, a certeza se elevará em relação à dúvida e a perfeição vencerá a desconfiança. Haverá o beijo apertado, as lágrimas do mastronço e, claro, o pedido de casamento. No entanto, o problema das relações afectivas não está no «Outro» mas sim em nós próprios. Não é a televisão que nos condena ou julga. Somos nós. O pior para aqueles pombinhos que se querem casar está cá fora, no dia-a-dia, na realidade crua e dura.

[Paulo Ferreira]

Concepção antropológica

A brasileira Marília Gabriela, numa entrevista concedida à Única (suplemento do Expresso), refere algo que é sempre de aplaudir:

O ser humano é intrinsecamente bom? Não, não é. Ele gostaria de ser, mas não é. E quando ele faz questão de ser bom, já aí reside uma certa maldade. Porque para se ser parece que é preciso ser melhor do que os outros. E também aí reside já uma certa vaidade, excessiva, um defeito desse ser humano complicado.

[Paulo Ferreira]

Relações

- Porque será que as coisas não podem melhorar?
- Nunca melhoram. É como numa peça de teatro. Essas também não melhoram. Se quiseres sair no intervalo de uma peça, sai, porque não vai melhorar.


Philip Roth, Traições (edição portuguesa de Deception)

[João Carlos Silva]

Stringer Bell


Quero ser o Stringer Bell do The Wire e vender droga aos quilos enquanto estudo para exames de economia. Quero mandar matar os pretos que dão com a boca no trombone com uma cara de quem deveria estar na caminha a ler Adam Smith. Quero ser um mafioso erudito.

[Paulo Ferreira]

sábado, setembro 29, 2007

O ponto (Robert Walser)




Um homem do tamanho do mundo foi-se deixando encolher, encolher, até ao ponto em que os homens deixam de ser homens para serem vermes, larvas, fezes.
[Paulo Ferreira]

Viva o rei!

Uma coisa é gostar de livros. Outra coisa é o PSD e o resto.

[Paulo Ferreira]

Solidão

A minha solidão foi escolhida por mim. Não me foi imposta por ninguém. Se me custa estar sozinho, custa-me muito mais ter companhias, ver fantasmas, observar passados no futuro. Dói-me muito mais estar convosco do que estar aqui neste isolamento.

[Paulo Ferreira]

Noites



Isto sim, é o que me leva a ficar acordado durante a noite. De vez em quando, em dias piores, faz um homem serenar. Tal como a noite de ontem.

[João Carlos Silva]

The end of the world as we know it

O resultado de ontem não será, certamente, o fim do mundo. Mas será, uma vez mais, o fim do PSD tal qual o conhecemos. Sempre que o PSD enveredou pela via mais fácil, todos sabemos muito bem por que via enveredou o país.

[João Carlos Silva]

O santo milagreiro

A outra razão pela qual Menezes ganhou, a mais importante para os votos que obteve, tem a ver com a incapacidade do PSD suportar mais tempo de oposição e ter "pressa" de chegar ao poder. Por isso acredita no Houdini, no milagre salvador que lhe dê esperança de, sem trabalho, nem reflexão, nem mudança, aparecer na manhã seguinte instalado em S. Bento.

José Pacheco Pereira, Abrupto

[João Carlos Silva]

sexta-feira, setembro 28, 2007

Uma casa em S. Bento

Ontem à noite, cansado e sozinho, fiquei surpreendido quando avistei uma multidão a bater palmas e a gritar. Pensei que fosse por mim. Pensei que o pessoal tivesse descoberto que não podia passar sem mim. Cheguei a ponderar se não deveria atirar as cuecas ao ar. Afinal, ninguém estava ali para me ver. Havia fados à desgarrada.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, setembro 27, 2007

Miguel Tiago Crispim Rosado - JCP

Há um indivíduo chamado Miguel Tiago que, para além de ser deputado na Assembleia da República, não domina a língua portuguesa. Quando fala, não percebo. Quando não fala, assusto-me. Fica com cara de burro a olhar para o infinito. Sempre que penso neste Miguel Tiago, penso em deixar de ler livros e em ganhar uma vida.

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas



Como um bom D. Sebastião, Santana Lopes nunca desapareceu realmente. E assim continuará a acontecer.

[João Carlos Silva]

Um novo estrebuchar

O episódio protagonizado por Santana Lopes ontem na Sic Notícias é, antes de mais, lamentável. Não havia qualquer tipo de necessidade de fazer aquele circo. A Sic, tal como todos os outros canais, precisa de audiências. E José Mourinho dá audiências. Santana Lopes já não me parece o homem que arrasta multidões atrás de si e do seu coração vilipendiado pelo mundo «sujo» da política. Não tem grande credibilidade. Depois, Santana Lopes, se algum dia teve gente a ouvi-lo, foi por causa da televisão. Ninguém se esquece dos brilhantes debates entre Sócrates e Santana na RTP1. O menino guerreiro cresceu na televisão. O seu palanque foi na televisão. A televisão criou e matou Santana. O homem não tem, realmente, ponta por onde se pegue.

[Paulo Ferreira]

Santana Lopes abandona a entrevista

Ao acordar, vejo esta situação: Santana Lopes abandonou uma entrevista na SIC Notícias, por não ter gostado de ser interrompido pela notícia da chegada de José Mourinho. Refilou, pois claro. E abandonou o local com um sermão. Gosto especialmente da frase: «Eu só lhe pergunto se é assim que o país anda para a frente». Apesar de tudo, e da situação caricata, devo ceder desta vez a Santana Lopes. É que interromper um ex-Primeiro-Ministro para filmar Mourinho a chegar a casa, em directo, demonstra alguma falta de chá e de discernimento. Não posso deixar de ter uma ponta de concórdia com o homem desta vez.

[João Carlos Silva]

Direitos sob ataque

Já é possível ler uma crónica minha no Setúbal na Rede, acerca da «limpeza» que o Governo anda a fazer aos direitos dos portugueses, e em especial, neste caso, aos dos deficientes. O início é claro:

Os direitos andam a ser retirados a toda a gente, e agora chegou a vez em que esses direitos são retirados às pessoas portadoras de deficiência – na mesma altura em que o governo divulga exactamente o contrário. Não há limites para o poder da televisão e dos meios de comunicação. Isso toda a gente sabe. O que não nos lembramos é que esses meios, quando utilizados por um governo, também eliminam os limites do poder pessoal do Primeiro-Ministro.

[João Carlos Silva]

Caminho

A realidade é que, apesar de todos os universos que foste concretizando nos sonhos, os teus caminhos se vão estreitando cada vez mais.

[Paulo Ferreira]

Polícia

Nenhum polícia do mundo te conseguirá afastar da tua tragédia final.

[Paulo Ferreira]

Sonho e realidade

Acordei a pensar que estava a gritar, adormeci a pensar que ia gritar. No sonho, gritei. A vida real é silenciosa.

[Paulo Ferreira]

Quebrar

Nem tudo o que quebra tem arranjo. O amor, por exemplo, não vai muitas vezes ao mecânico.

[Paulo Ferreira]

Guardar II

Se partires um copo de vidro no chão, não penses que esse copo voltará a ser copo. Não guardes os cacos pensando numa imagem antiga.

[Paulo Ferreira]

Guardar I

Não guardes o teu coração nas mãos de outrem. A mão que fecha serve também para abrir e para largar.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, setembro 25, 2007

Estado das coisas: Flannery O'Connor




[Paulo Ferreira]

Ambição vitoriana

No Bonfim, este vitoriano anda embriagado de ambições para o seu clube.

[João Carlos Silva]

A ausência do debate


O debate mensal no Parlamento foi, para mim, bastante elucidativo do estado em que está a política nacional. Sentado num trono «dourado», José Sócrates respondia às questões (legítimas) levantadas pela oposição com um ataque baixo e pessoal ao carácter desses deputados. É fácil ver como a comunicação pessoal, e a opinião pública em geral, sofre a manipualação do governo: Sócrates respondia às questões insultando o seu interlocutor e rematando «não vale a pena atacar-me pessoalmente», quando é o próprio Primeiro-Ministro quem tem esse estilo. Projectando nos outros o que ele próprio faz, passa para uma opinião pública desinformada a ideia, e o «soundbyte», dos «ataques pessoais da oposição».

A determinado ponto, Heloísa Apolónia (figura que nem me agrada particularmente) refere uma questão específica e simples: a do amianto utilizado na construção de escolas - por contraponto às maravilhas tecnológicas que o PM garante estarem a brotar do chão escolar em pleno recreio - que seriam nefastas para a saúde dos petizes. Relevante ou não, a questão era simpoes. Mas Sócrates resolveu responder com um insulto à relevância política da senhora e à «questão Verde Eufémia», que não sei como se poderia relacionar com aquele caso.

Já Francisco Loução e Jerónimo de Sousa (figuras que também não me agradas, respectivamente, a nível pessoal e a nível ideológico) levantaram questões essenciais das relações próximas entre Estado e privado (concordo que estes não devem estar promiscuamente envolvidos em quase nada, apesar de esta não ser a visão do sr. Louçã) e depararam com ataques à validade dos seus partidos e ao carácter de Louçã. Independentemente do que possam merecer, nem Apolónia, nem Louçã, nem Jerónimo viram as suas perguntas respondidas.

Com Marques Mendes e Paulo Portas, adversários naturais, o mesmo se passou, não sendo isso novidade, mas com a particularidade de terem dado um belo «contra» ao histerismo de José Sócrates. Gostei da intervenção de ambos, especialmente da de Mendes (com mais conteúdo e mais argumentado).

Por isto tudo, da próxima que ouvirem alguém referir que os políticos da oposição fazem «ataques pessoais» ao Primeiro-Ministro, mostrem-lhes a última sessão de debate mensal no Parlamento. Só acredito nisto: num Parlamento britânico, Sócrates teria sido trucidado politicamente, sem hipótese de escapar às questões. E será que iriam dizer que os deputados tinham sido malcriados? Acho que não.

P.S.- a propósito de aliados do Governo no Parlamento, Alberto Martins tem um rival na sua disputa pelo amor do Primeiro-Ministro. A relativa brandura de Sócrates para com o Bloco de Esquerda deixa entrever uma coisa: o PS não está a fechar aquela porta para 2009, ou seja, o Bloco está na lista de amigos de Hi5 do PM. A rever dentro de meses.

[João Carlos Silva]

Patrulhas ideológicas

Está online, desde 13 de Setembro, um artigo meu no jornal Setúbal na Rede sobre o «verão quente» que se viveu na esquerda portuguesa desde as eleições para Lisboa e que veio ajudar ao engrossar das fileiras das patrulhas ideológicas. O mote é este:

Eu sabia que a esquerda portuguesa e europeia andava louca por Hugo Chávez, mais do que a rapaziada – nova e velha, advirta-se – andava louca por Scarlett Johansson. Chávez, um Fidel em versão “estrela de televisão”, pôs as cabeças de muitos políticos e intelectuais portugueses à roda – não se verificando, no entanto, por parte de nenhuma destas corajosas almas, um vestígio de desejo de ir morar para a Venezuela, país tão livre e democrático que faz os “Founding Fathers” norte-americanos corar de inveja. Só vejo o ditador venezuelano mais na moda, e mais no coração da esquerda portuguesa, se ele recebesse um Nobel. Galardão político esse para o qual já faltou menos: só lhe falta escrever um livro.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, setembro 24, 2007

Expectativa e frustração

A tua maior expectativa é também a tua maior frustração: vais morrer.

[Paulo Ferreira]

Luta

Há uma luta entre aquilo que és e aquilo que queres ser. Mas essa luta é desigual, violenta e só te fará perder o sono.

[Paulo Ferreira]

Troféu

Nenhum dos teus troféus te fará soltar um sorriso total, pacificador, final.

[Paulo Ferreira]

Livros

Por mais livros que leias, mais facilmente te tornarás força bruta do que pensamento.

[Paulo Ferreira]

Diz-me, digo-te

Se me disseres o que fazes, dir-te-ei o que te tem acontecido.

[Paulo Ferreira]

sábado, setembro 22, 2007

Derrota

Uma derrota pesada ou uma derrota leve é sempre uma derrota. Não sorris com uma margem de 1-0 para o adversário.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, setembro 21, 2007

Amigos

Dos meus amigos de infância, fui o único que se agarrou aos livros. Também era eu o menos preparado de todos para os anos que estavam por vir.

[Paulo Ferreira]

Potência

Lembro-me de fazer uma corrida com o meu pai
Da diferença entre o nosso tamanho e força
Do poder das suas pernas
Da rapidez das minhas
Quase o matou mas acabou por vencer
E depois ouvi-o vomitar atrás da cabana
Nessa noite fui para a cama
E sonhei com a potência de um comboio

- Sam Shepard, Lua Falcão

[Paulo Ferreira]

Oops (ou «quando não se deve corrigir uma frase»)

As bichas... perdão, as filas na segurança social (...).

- Jerónimo de Sousa, no debate mensal no Parlamento, 21/09/2007

[João Carlos Silva]

quinta-feira, setembro 20, 2007

O visconde de Calvino


Italo Calvino (1923-1985) é um dos maiores escritores do século XX. É algo pomposo e taxativo de se dizer mas, de facto, Calvino é uma figura central da literatura do século passado. Para além disso, é um dos meus escritores preferidos: pelos temas, pela escrita, pela aparente inocência da sua linguagem. Acabo de ler há dias O Visconde Cortado ao Meio com a sensação de enorme conforto que nos fica de belas refeições e dos mais belos momentos físicos das nossas vidas. O ritmo da escrita de Calvino é quase musical, uma sinfonia que passa pelos nossos olhos quase sem esforço, já que, como uma vez disse um granda livreiro português, «ler é uma chatice, mas é a única forma de chegar ao conteúdo dos livros, à vida dos livros». Ora, ler Calvino é a antítese desta sentença.

O visconde Medardo de Terralba (protagonista da obra) havia ficado mutilado na guerra com os Turcos. Cortado em dois por uma malograda bala de canhão, Medardo volta à sua terra natal, Terralba, apenas com uma dos lados do corpo, «decepado» na vertical. Aparentemente, voltara apenas a sua «metade má», passando o visconde a atormentar os seus próprios súbditos, desde enforcamentos em massa a pequenas patifarias com um toque de crueldade infantil - como abrir buracos nas pontes para os camponeses lá caírem.

Pelo meio várias personagens se juntam à narrativa: Pamela, a sua amada; o doutor Trelawney, que, apesar de ter viajado com o capitão Cook, «pouco ou nada tinha visto durante as suas viagens, porque passava o tempo todo no porão, a jogar ao sete-e-meio com os marinheiros»; o artesão Pedro Prego, que construía, para seu desprazer, máquinas de execução e tortura para o visconde, embora a estética das construções o maravilhasse; e o narrador, uma criança que é sobrinho do próprio visconde.

Aliás, a «inocência» da escrita é de certa forma parente do facto de o narrador ser, habitualmente, uma criança: seja sobrinho do protagonista nesta obra ou, por exemplo, o irmão do barão protagonista d' O Barão Trepador.

Para finalizar, resta dizer que a chave do livro está no surgimento de uma nova personalidade misteriosa do visconde de Terralba que, aparentemente, faz o bem de forma tão veemente como faz o mal. Esta duplicidade divide os habitantes a partir do momento em que o «benfeitor», ao denunciar os pequenos crimes inocentes, se torna tão insuportável quanto o terrível tirano que é o visconde mutilado regressado da guerra. Ou seja, e como diz o narrador, os habitantes sentiam-se «perdidos entre a malvadez e a virtude igualmente desumanas». É precisamente nesta duplicidade, nesta ambivalência, que reside a chave do livro, que reside a essência das duas naturezas do visconde. Das duas naturezas, enfim, do próprio homem. Poucos escritores transformariam esta questão num livro tão memorável. Italo Calvino é um deles. O desfecho deixo ao leitor essa oportunidade de descoberta.

[João Carlos Silva]

Devil's Playground

O Bruno, no seu Desesperada Esperança, diz, entre outras coisas, isto em relação ao debate entre Menezes e Marques Mendes:

O debate de ontem na SIC Notícias entre Marques Mendes e Luís Filipe Menezes foi um bom exemplo de como o PSD perdeu a excelente oportunidade para ressuscitar o partido que estas eleições directas constituíam. (...) Pois se a ausência de pessoas como Rui Rio significaram a ausência de um eventual projecto alternativo ao de Marques Mendes, a de Menezes apenas serviu para puxar Mendes para a lama onde o autarca de Gaia habitualmente chafurda.

Tirou-me as palavras da boca.

[João Carlos Silva]

Nanterre

A minha revolução sexual nunca chegou a acontecer.

- Sujeito identificado

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, setembro 19, 2007

Adaptação

Põem-se as mãos ao trabalho e começa a vida, é a mensagem mais repetida aos mais novos. «Um homem tem que aceitar o que vem», diz-se. Devo dizer que não é um conselho assim tão importante e motivador. Na verdade, só dá força à minha tese de que um homem nunca sabe muito bem porque carga d'água é que está vivo.

[João Carlos Silva]

terça-feira, setembro 18, 2007

O falhanço da imaginação


Mil Novecentos e Oitenta e Quatro é um daqueles livros que, mais tarde ou mais cedo, acabam por ser lidos. Há sempre um amigo ou conhecido que diz que a coisa vale a pena. Há sempre um professor ou alguém em quem se deposita confiança que recomenda a obra. É normal. É assim que uma obra se torna clássica. De boca em boca ao longo dos anos.

Um clássico tem a particularidade de ficar marcado por uma ideia ou por um tema simplificador. Em Crime e Castigo, por exemplo, é evidente a necessidade de Raskolnikov atravessar o seu abismo até chegar à redenção. No pesado Em Busca do Tempo Perdido, há um rapaz que atravessa o seu passado à procura de algo que nunca voltará atrás – o tempo. Na Odisseia, de Homero, temos, uma vez mais, uma continuação do título no fio narrativo que acompanha as deambulações de Ulisses, temos uma sucessão de viagens extraordinárias. Ora, na obra de Orwell em análise, não há a clarividência das obras atrás mencionadas, no entanto, sabe-se que 1984 é uma data do futuro. George Orwell, em finais da década de quarenta do século passado, imagina um futuro na qual o mundo é governado por um regime tirânico e completamente dominador, que usa o poder como um fim e não como um meio. O «Grande Irmão» está sempre presente, as pessoas estão sempre a ser filmadas. Há uma «Polícia do Pensamento». Usam-se constantemente as seguintes palavras de ordem: «Guerra é paz», «Liberdade é escravidão»; «Ignorância é força». Há sempre uma grande deturpação da verdade antiga, da verdade que usavam os povos que não viviam para o progresso avassalador. A verdade nova é aquela que interessa. Mesmo o sexo faz mal aos povos. Sob o regime do Grande Irmão, o sexo é proibido. Há quem pense acabar com o orgasmo. Não será difícil imaginar uma sociedade assim num futuro hipotético, tal como fez Orwell.

A tirania retratada por George Orwell não é uma qualquer. Claro que existem pontos de encontro entre todos os regimes que usam a não-liberdade como porta-estandarte. Claro que se poderá pensar numa qualquer ditadura de um passado recente e associá-la a este livro. Acontece que Mil Novecentos e Oitenta e Quatro se associa, muito especialmente, à União Soviética. É o sorriso que se esconde por detrás do bigode do grande chefe que se pretende descodificar. Orwell, tendo participado na Guerra Civil Espanhola, não ficou contente com aquilo que viu por parte de gente que deveria estar do mesmo lado da barricada. Os estalinistas, em vez de se juntarem a anarco-sindicalistas e a trotskistas, põem-se contra eles e combatem-nos. Orwell revolta-se contra isso, mesmo sabendo que nenhuma variante do comunismo «oficial», como o anarquismo, poderia alguma vez ser aceite pelos camaradas de Moscovo. Para Estaline e para os seus, era mais importante atacar o anarquismo em Espanha do que impedir Franco de obter o poder absoluto. Assim sendo, poder-se-ia argumentar que Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, apesar de ter o seu desenrolar num futuro algo distante daquele que escreve o seu autor, é também um livro que tenta criticar a brutalidade soviética em Espanha. Notam-se as sucessivas tentativas do autor de colocar as suas personagens em situações nas quais a manipulação da história e a mentira são um modus operandi. Na Terceira Parte do livro, a tortura, a primazia da cultura do ódio, a ideia de poder ilimitado, a violência, a despersonalização das massas e a perda de individualidade do ser humano estão mais do que presentes.

Vítima de tudo é Winston Smith, um homem que, enganado por O’Brien, um indivíduo da estrutura governamental, adere àquilo que pensa ser a «Fraternidade», uma organização clandestina e revolucionária inspirada nas ideias de Goldstein, isto é, Trotsky, o traído, tanto na URSS como em Espanha. É na «Sala 101» que Winston encontrará o pior dos seus medos, as ratazanas. É nessa sala que os homens do Grande Irmão põem à prova a resistência física e mental dos traidores do partido. Em termos de uso de violência, é nesta Terceira Parte do livro que Orwell atinge o seu pico. Na Primeira Parte, há a «descoberta» de Winston e da sua cidade, Londres, anti-capitalista, dominada pelo regime já descrito. A Segunda Parte é, quanto a mim, o sumo do livro. É a parte mais romanceada. Winston conhece Julia e por ela se apaixona. Muitas páginas se passam nesse clima de devassa. Todavia, finda a segunda parte, deixa de haver espaço para os dois namorados. Volta a ser o Grande Irmão o grande protagonista.

Julia e Winston Smith precisavam de mais espaço e de mais vida um ao lado do outro. É essa a parte que mais interessa de toda a obra. No entanto, Orwell não quis seguir o caminho do «romance» e decidiu explorar uma ideia política. Quanto a mim, fez mal. Torna-se banal. Boris Pasternak, no seu magistral Doutor Jivago, soube explorar bem essa história de amor em tempos de ódio. Orwell não soube, ou não quis saber. E, por isso, limita-se à construção de uma realidade ficcional que já existia na realidade da vida.

[Paulo Ferreira]