sábado, junho 30, 2007

Não corras

Espero que António Costa, quando for presidente da Câmara de Lisboa, não tenha ideias de se pôr a correr como José Sócrates correu, por exemplo, no Kremlin. É que a imagem da gordura do senhor aos saltos faz-me uma imensa confusão e, depois, sofro muito de insónias. Não mencionando o facto de detestar ver bicos de mamas masculinas a salientarem-se por debaixo de uma «t-shirt».

Agora, uma foto de Kavafis.






[Paulo Ferreira]

Internet

Se não houvesse internet, o rapaz seria obrigado a fazer sexo.

[Paulo Ferreira]

O incendiário



Robert Louis Stevenson, para fazer uma pequena experiência, resolveu deitar lume a um ramo de árvore. Mas esquecera-se de que o ramo ainda estava preso à árvore, e rapidamente uma parte do bosque já estava a arder. Para fugir à polícia e não ser apanhado, deu de frosques. Rezam as lendas que correu, nesse dia, dali para fora, como nunca ninguém foi visto correr. Se os grandes livros tivessem pernas, correriam como Stevenson nesse dia.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, junho 29, 2007

Nome querido

Jünger apelidava a sua segunda esposa de «tourinho». Devido ao signo.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, junho 28, 2007

1871

Ouviu-se no restaurante alguém falar da Comuna de Paris e um velho, imaginando-se num outro mundo e num outro tempo, suspirou melancolicamente, dizendo: Engels.

[Paulo Ferreira]

Proposta para Razumikin e Raskolnikov

Sobre os crimes de Raskolnikov em Crime e Castigo, de Dostoiévski, refere Jünger que tudo seria escusado se Raskolnikov, o homem que projectava a entidade divina em Napoleão Bonaparte, tivesse desabafado com o seu amigo Razumikin.



[Paulo Ferreira]

Memória - recordação

A memória pode falhar - a recordação é-nos fiel.

- Ernst Jünger, Drogas, Embriaguez e Outros Temas

[Paulo Ferreira]

Jünger e Raskolnikov



Ernst Jünger empenhou-se, durante algum tempo da sua vida, em estabelecer um índice das personagens de Dostoiévski. Jünger desejou, de igual modo, criar uma árvore genealógica para Raskolnikov e companhia. Infelizmente, nada disso se chegou a realizar.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, junho 26, 2007

Ver

As crónicas de Lobo Antunes não me ensinam nada sobre literatura. Nem me ensinam nada sobre a vida. Mas ensinam-me a ver. A ver os outros. A ver o banal. A ver a vida.

[João Carlos Silva]

Ser pobre

e eu entendi que ser pobre, mais que um destino, era uma espécie de vocação como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano.

António Lobo Antunes, Algumas Crónicas

[João Carlos Silva]

Sidónio III

Na primeira tentativa de assassinar Sidónio, o Presidente abriu os braços, como que para receber o jovem homicida. A arma disparou, e nem um tiro lhe acretou. Dizem uns que aquilo revelou falta de pontaria ou de experiência do imberbe. Dizem outros que foi milagre.

[João Carlos Silva]

Sidónio II

Sidónio gostava de viver como um mito. Generoso, santo e amigo dos pobres, ninguém sabe muito bem como e para quê Sidónio governava. Durante o ano em que esteve na cadeira do poder - ano esse que assistiu ao seu aparecimento e desaparecimento, como um cometa -, assumiu-se como um herói. Assim, a 14 de Dezembro de 1918, atingido duas vezes no Rossio, também foi como herói que morreu. Como um Cristo que sabia o que lhe estava reservado. «Morro bem. Salvem a Pátria», foram as suas últimas palavras. Ninguém sabia muito bem o que estas palavras significavam, mas muitos encararam-nas como uma última missão outorgada pelo chefe.

[João Carlos Silva]

Sidónio



A Sidónio Pais, segundo parece, a vida corria-lhe bem. Homem garboso, apetitoso. Diz um seu ministro, Tamagnini Barbosa, que «nunca lhe faltaram saias». Comum era a visão, de quem irrompia pelo escritório do presidente adentro, ver as pontas das «saias» ainda a esgueirarem-se pela porta dos fundos.

[João Carlos Silva]

Teoria literária

Raramente escreves com tudo «preparadinho». Há sempre qualquer coisa que te faz pensar que poderias fazer melhor, que tudo está a ficar «em cima do joelho».

Rubem Fonseca III

O amor está à frente (e por detrás) do crime. O amor fala no sexo.

Rubem Fonseca III

Em certos romances policiais, um leitor anseia mais pelos momentos de «carne» do que pelos crimes.

Rubem Fonseca II

Uma afirmação de E do meio do Mundo Prostituto só amores guardei ao meu charuto:

Nenhum escritor reconhece a própria mediocridade.

Rubem Fonseca I

Há uma semana e qualquer coisa, Marília Gabriela afirmou, numa entrevista concedida ao «Público», que gostaria de entrevistar Rubem Fonseca, um escritor que nunca se dá a mostrar. Pois bem, também eu gostaria de entrevistar Rubem Fonseca. Nem era entrevistar. Era fazer perguntas. Sobre sexo.

domingo, junho 24, 2007

Leitura

A remela de Chomsky.

Vitórias

Por mais vitórias que possas ter, o teu pensamento só se fixa nas derrotas.

Sol & lua

Thom Yorke não abre os dois olhos da mesma maneira.

sábado, junho 23, 2007

Matateu


Pouco sei sobre Matateu. Nenhum golo dele vi. Nenhum cartão amarelo. Nenhuma expulsão. Pois é. Não sou do «tempo». No entanto, pelo que oiço falar, Matateu foi um dos grandes jogadores que espalharam magia pelos relvados portugueses. Só por isso, vale a pena a referência ao «negão». Matateu passou pelo Belenenses, pelo Benfica, pelo Sporting e pela Selecção Nacional. Jogou até aos cinquenta anos. Cinquenta anos. Não é para qualquer um. Simão Sabrosa não tem corpo para isso. Nem que tome vitaminas até aos trinta e cinco. João Pinto também não. Rui Costa, um trintão fumador, nem por sombras. Matateu era, como o próprio nome indica, um preto que fazia do corpo o saber jogar. Era um valente, um gigante. Um jogador antigo e à antiga. Preferia escarrar a saber o significado da palavra semiótica. Era o ponta-de-lança das suas meninas. Acabou no Canadá.

Rosa Liksom III

Se não fosse o ano de 1958 a apontar para o nascimentos de Rosa Liksom, diria que a escritora cheira (ou cheirou) a sexo.

Rosa Liksom II

Liksom, com o seu sorriso de levar para a cama, oferece-nos amargura. Vejamos um excerto de um conto de Os Paraísos do Caminho Vazio:

Ele entrou pela porta e eu vi logo, aquele gajo é meu. No fim da noite fui para a mesa dele e disse, vai à merda, pá. Fomos para a minha casa e nunca mais me consegui livrar dele. Aquele caralho da merda agarrou-se a mim só por causa de uma noite.

Rosa Liksom I

Há a ideia de que a vida na Finlândia é fria e sombria. Rosa Liksom, apesar de em Os Paraísos do Caminho Vazio e Outros Contos recorrer muito ao sexo e ao palavrão, resvala, de igual modo, para esse mundo sombrio, animalesco, onde o crime parece espreitar a toda a hora, onde as facadinhas no matrimónio não são dadas com real prazer. Liksom confirma a anedota. Um homem, na Finlândia, tem de andar de guarda-chuva aberto, não vá alguém infeliz atirar-se de um prédio.

sexta-feira, junho 22, 2007

Vagão «J»



Manuel Borralho, um homem pobre, sujo, porco e mau, por sentir inveja de um rapazola que dá pelo nome de Bogas, dá-lhe uma facada à traição. Vai para a prisão. Passa lá um mês. Manuel Borrralho só pensa em voltar a estoirar Bogas quando sair dali. Bogas abusa na prosápia. Logo, necessita de estoiros. É assim que se desenrola o espaço mental da personagem mais caricata de Vagão «J», de Vergílio Ferreira. Manuel, assim como todos os outros Borralhos, não vale nada. Assemelha-se a um animal. Joaquina, a mãe dos Borralhos, serve para parir e para cagar sentenças. Gorra vem do Brasil para fazer um «despacho» ao desgraçado do Chico Borralho, o pai de família que, por estar aleijado de uma perna e por não trabalhar, não merece a vida . Os Borralhos são todos da ralé, todos padecem desse grande mal que é a pobreza. Por conseguinte, enfrentam o mundo com as armas que têm. O crime, a violência e a batota são algumas dessas armas.

Vagão «J» é a única obra neo-realista que Vergílio Ferreira nos deixou. Parece que o autor, com o passar dos anos, não se sentiu particularmente chegado a estas dialécticas movidas por forças sociais. O operariado, a pobreza, a burguesia, o dinheiro, a falta do dinheiro, etc., poderiam encaixar-se nesse esquema de luta de classes que marcou o panorama neo-realista. Um Fernando Namora celebra a tragédia dos miseráveis de forma bastante comovedora. Os próprios livros de Namora são deveras comovedores. Dão vontade de chorar. Não por serem demasiadamente bons, mas por serem chatos ao ponto de um homem se deixar abandonar aos prantos. Namora tem, aliás, outras componentes dentro da sua obra, que permitem agora que se afirme que o seu neo-realismo era do «puro». O amor à U.R.S.S e o ódio aos E.U.Am, por exemplo. Ora, Vergílio Ferreira não segue o caminho de Namora. Pelo menos, neste Vagão «J». Como se disse, os Borralhos não se inserem na lógica dos coitadinhos que precisam de um valente marxismo para pôr a coisa no local certo. Não. São maus. São criminosos. E vivem na lama. Além disso, para um livro que se insere nessa bola cinzenta que é a da realidade vermelha, na qual a forma é desvalorizada para se dar primazia à ideologia, Vagão «J» é um livro muito bem escrito, tem muita piada. A linguagem de época é fantástica, as expressões dos «primatas» são saborosas. Enfim, uma excelente narrativa. Mesmo assim, o menos interessante dos livros que Vergílio Ferreira escreveu. Venha o existencialismo.

Só as vizinhas deram pêsames a Joaquina Borralho que sentiu uma comoção violenta e não chorou. Todavia Chico Borralho fora seu, dele tivera filhos e filhos, lutara com ela, Joaquina amava-o do coração. Mas não chorou, mulher dura, a vida cria calos na gente, não vale a pena chorar.

quinta-feira, junho 21, 2007

Ahab

Lembro-me de Moby Dick. Sonho que sou Ahab à procura de Moby Dick. Sonho que sonho e que estou acordado e perdido, completamente sem rumo e sem Deus. Sou Ahab. Sonho com Moby Dick.

[Paulo Ferreira]

Obituário literário

Teófilo Braga morreu em 1925 com uma estante em cima.



[Paulo Ferreira]

Espantar

Só se espanta quem conhece. Quem não conhece, não se espanta.

[Paulo Ferreira]

Neo

Porque é que tudo o que é mau para a esquerda é «neo»? Neo-nazis, neo-conservadores, neo-liberais, a associação é livre e não interessa o porquê. Mas o «neo» está lá sempre. Uma possível interpretação pode ser esta: «já morreram e foram derrotados e não perceberam, os cabrões estão aí de volta». Ser liberal hoje em dia é, para a esquerda, como tentar tirar a espada do rei Artur da rocha. Já o comunismo ou o Welfare State, esses continuam de excelente saúde, como toda a gente sabe.

[João Carlos Silva]

Herman Enciclopédia

Revi, há dias, diversos episódios da Herman Enciclopédia. E, à distância de (penso eu) uma década, a prova dos nove foi feita. Consigo afirmar: é um dos programas mais geniais jamais feitos na história da televisão portuguesa. E atenção que eu nem referi «de humor».

[João Carlos Silva]

The man who wasn't there



Vi António Guterres, na televisão, a espraiar moral a partir de África. Diz ele que os líderes mundiais têm de «se preocupar mais com os refugiados» e de começar a «perceber que as guerras não levam a lado nenhum». Foi Guterres que disse isso, a sério. Um elemento das Nações Unidas, organização que deixou à morte populações e comunidades pelo Mundo fora, e sobretudo África fora, pela crença de que «as guerras não levam a lado nenhum».

Mas o que Guterres parece não perceber - nessa sua declaração que, se não revelasse tanta leviandade (pelo superlativismo moral), eu diria que transbordava uma inocência que dá pena - é que haverá sempre alguém que faça guerra, pelas suas próprias razões. Ou porque acha que o outro é muito escuro, ou muito rico, ou muito diferente, ou muito igual e concorrente, ou muito impuro, ou muito forte ou simplesmente muito feio. A guerra sempre exitiu e sempre existirá, e quando ela chega é preciso haver alguém com força e tomates para tomar uma decisão, a pior das decisões: partir para uma guerra, combater soldados (às vezes sem terem realmente essa condição) antes que começem as «limpezas» contra civis.

A verdade é esta: enquanto personagens cheias de boa vontade, mas sem nada na cabeça, como Guterres, andarem por aí, África continuará a ser um ninho de vespas, um poço de guerras civis ainda por vir. É como se Guterres estivesse lá mas não estivesse, um pouco como fazia em Portugal quando esteve no governo.

[João Carlos Silva]

Obra

Nem só daquilo que se escreve vive a obra. Há também aquilo que não está escrito mas que parece estar lá.

[Paulo Ferreira]

Amizade

Hofmannsthal é amigo no Livro dos Amigos:

Goethe pode, como base da formação, substituir uma cultura inteira.

[Paulo Ferreira]

Krabbé

Uma coisa que me fascina em A Desaparecida, de Tim Krabbé, é a passagem do primeiro para o segundo capítulo. No primeiro, Rex está com Saskia. Como em tudo o que mete suspense, prevê-se que algo vá acontecer. Saskia desaparece. Rex fica desesperado à sua procura. No segundo, já não se sabe o que pensa a desaparecida Saskia. Também não se sabe o que lhe aconteceu. No entanto, oito anos se passaram. Rex ainda sofre.

Na minha opinião de simples leitor, são precisamente estes oito anos de salto que mais fascinam no romance. Krabbé não relata esses oito anos. Presume-se, pelos gestos de Rex, que muito sofrimento tenha havido. Sabe-se que Rex, para além de continuar a querer encontrar Saskia, ainda a ama. Lieneke, a nova namorada de Rex, não interessa. Não é a principal.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, junho 20, 2007

Força

Whatever happens we have got
the Maxim gun, and they have not


- Hillaire Belloc, The Modern Traveller

[Paulo Ferreira]

terça-feira, junho 19, 2007

Vanguarda

Crucificar os livros de Harry Potter, achar que todos meninos e meninas apenas devem ler Jonathan Swift ou Stevenson ou Twain na pré-primária, é típico de uma mentalidade pedante de qualquer pequeno país. É como ter uma pequenina Comissão Europeia a nível intelectual. A televisão que as crianças vêem é má? É. A escola que as crianças frequentam é frouxa? É. Os programas escolares são dignos de uma telenovela venezuelana? Quase sempre. Agora, Harry Potter é um corruptor de nossa juventude? Tenham juízo. Está no sangue do homem (pelo menos do «homem lusitano») querer educar a geração mais nova. O tipo de vanguardismo moralista é que vai mudando ao longo dos tempos. A geração do Dragon Ball, um dia, vai querer pôr as crianças a assistir apenas a filmes de Tati, Visconti ou Bergman. Vão ver.

[João Carlos Silva]

Ovo dourado

Em A Desaparecida, de Tim Krabbé, o pesadelo de Saskia (e posteriormente de Rex) em que ela se vê presa, deitada e imóvel, dentro de um ovo dourado perdido no espaço torna-se realidade. Pior do que isso: no momento em que Rex se apercebe (e eu também) de que não mais sairá daquele sítio, enterrado vivo, fiquei perturbado para o resto da noite. «E se eu não conseguir morrer?», diz Rex. A pergunta não me deixou dormir.

[João Carlos Silva]

domingo, junho 17, 2007

RIGOR



PS- esta é a MINHA campanha para a Câmara de Lisboa. Rigor também é a sua palavra de ordem.

[João Carlos Silva]

Situações kafkianas

O nome de Kafka serve para tudo o que é mau e sem saída à vista. Quase que consigo imaginar Amuneke dizer a Nandinho (futuros ex-jogadores do Vitória de Setúbal) à porta da sede do clube: «esta sítuação de não nos pagarem os salários é kafkiana».

[João Carlos Silva]

WC Booker Prize

A literatura de casa-de-banho é das coisas mais belas que já me foram dadas a ver. Sou um frequentador assíduo, mas pacífico, de cubículos de WC's de universidades - talvez sinal de uma certa impaciência crónica -, mas não por gosto ou por passeio. Como tal, tenho presenciado vários acesos debates epistemológicos ao longo dos tempos. Para quem pensa que os universitários não discutem ideias, uma cagada na faculdade pode mudar todo um preconceito.

Podem-se encontrar encadeamentos de ideias absolutamente inesquecíveis. Por exemplo: «PNR, por Portugal», seguido de «o PNR - Panascas Nazis da Ralé», seguido de «calem-se mas é e ouçam Mettalica», seguido de «metallica não vale um corno, música de fascistas», seguido de versos de Cesário Verde «Se eu não morresse, nunca! e eternamente / buscasse e conseguisse a perfeição das cousas! / esqueço-me a prever castíssimas esposas, / que aninhem em mansões de vidro transparente», de um hino de Portugal adaptado ao desapreço por estudar e, por fim, seguido do vaticínio: «aproveita e caga aqui, que lá fora é o capitalista que caga para ti».

Há sítios, na Europa, onde a Operação Bolonha (como é que se chama mesmo?) nunca chegará. Graças a Deus.

[João Carlos Silva]

Piada seca

Devo dizer que a piada do camelo, no contexto do «deserto da margem sul» -, para além de não ter piada nenhuma, já cansa. Faz lembrar o tipo de piadas que o célebre homem do café do meu bairro faz quando um cliente habitual, homossexual, lá vai almoçar: «É para comer aqui ou para levar?». E ri-se muito, muito. Ninguém (nem o «almoçadeiro») se ofende com o conteúdo da expressão, mas a piada é do mais básico que há.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, junho 15, 2007

Sobre barões trepadores



Reconheço. Calvino era mais um nome perdido pelo meio das filas de autores por ler. Autores, sobretudo, por comprar - parte crítica do vício dos livros na vida de um Zé Ninguém. Era-me relativamente desconhecido, até eu ler O Barão Trepador, a um preço mais acessível. Se pudesse gastar mais dinheiro num romance como deve ser, seria, provavelmente, a partir de agora, num de Calvino. Poucas vezes tenho oportunidade de ler um romance simultaneamente inteligente, trágico, bonito («bonito» é feio?), que me faça rir, e que me faça perder, verdadeiramente, a noção das horas. Há um par de anos descobri Dormir ao Sol, livro injustamente mais obscuro de Bioy Casares. Agora, Calvino. O Barão Trepador levou-me tempo a ler. Mas isso porque não queria acabar. Infelizmente, já acabei.

[João Carlos Silva]

Diz-me como acaba

Quando já tinha a corda ao pescoço, João dos Bosques ouviu um assobio entre os ramos. Ergueu o rosto. Era Cosimo, com o livro fechado.
- Diz-me como é que acaba - pediu o condenado.
- Lamento dizer-te isto, João - respondeu Cosimo -, mas Gionata acaba pendurado pelo pescoço.
- Obrigado. Assim seja comigo também! Adeus! - e ele próprio afastou o banco com o pé, ficando pendurado.
A multidão, quando o corpo acabou de se debater, dispersou. Cosimo ficou até à noite em cima da árvore, encavalitado no ramo donde pendia o enforcado. E todas as vezes que algum corvo se aproximava para bicar o nariz ou os olhos do cadáver, Cosimo enxotava-o, agitando o barrete.


Italo Calvino, O Barão Trepador

[João Carlos Silva]

quinta-feira, junho 14, 2007

Abismos

Esta pergunta de Karl poderia ser feita a Karl.

Se te tratam assim, porque não te vais embora?

- Franz Kafka, O Desaparecido

[Paulo Ferreira]

Karl e K.



Sobre K. e Rossman, as principais figuras de O Processo e O Desaparecido, diz-nos José Miranda Justo nas suas notas finais à sua tradução de O Desaparecido: Rossmann e K., o inocente e o culpado, finalmente ambos sem diferença castigados com a morte, o inocente com mão mais leve, mais afastado para o lado do que derrubado.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, junho 13, 2007

Fraqueza

Há determinadas economias cujo atraso pode ser explicado por uma fraqueza puramente material: são demasiado insignificantes, os seus recursos demasiado escassos, o número de pesoas qualificadas de que dispõem por demais reduzido.

-E. J. Hobsbawm, Indústria e Império

[Paulo Ferreira]

Minguante

Mais um número da Minguante. Um novo texto meu. Outro do João.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, junho 12, 2007

Matisyahu

Uma desculpa para a castidade.

Aprecio Matisyahu porque é homem, judeu e não toca nas mulheres.


[Paulo Ferreira]

Doutor Klaus (uma nota sobre pavor)

O gajo dos Scorpions é, ao contrário de outros, um eterno romântico. Sofre mas não se cansa. Canta, canta, canta, e os anos passam sem que ninguém dê por isso. O gajo dos Scorpions tem um amor bonito. Cheio de melancolias, cheio de derrotas. Repare-se: passados tantos anos, ele ainda a ama ( Still Loving You). Momentos de glória são raros, como raro é o amor feliz: Moment of Glory. Enfim, o gajo dos Scorpions dá pelo nome de Klaus Meine.

[Paulo Ferreira]

Sonho

Hoje sonhei que era «torneiro-revólver» e que não sabia o que isso queria dizer.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, junho 11, 2007

Balas

Certos amores são como balas: duros, rápidos, funestos.

[Paulo Ferreira]

Micróbios

A partir de hoje, também estou no MICRÓBIO.

[Paulo Ferreira]

domingo, junho 10, 2007

Dia de Camões VIII

Se um dia me faltar a vista, espero ao menos que deixe cá, antes disso, uma obra como a do Camões.

[João Carlos Silva]

Dia de Camões VII

Se eu fosse um blogger como deve ser, escrevia agora um post a dizer o quanto o 10 de Junho me passa ao lado. A dizer o quanto este é um dia normal. Mas como não sou um blogger como deve ser, mas sim o melhor deles todos, escrevi este.

[João Carlos Silva]

Dia de Camões VI

As palavras de João Bénard da Costa ecoaram hoje pela minha casa. E devo dizer que aquela voz cavernosa, como que vinda do passado, de séculos atrás, de 1147, pôs a minha cabeça à sua mercê. Mandasse-me ele dar três pinotes no ar e eu dá-los-ia, sem questionar. A voz de Bénard da Costa, quase tanto como a sua cultura, é verdadeiramente assombrosa. Vozes destas ficam gravadas na memória como palavras escritas na pedra.

[João Carlos Silva]

Dia de Camões V

Ouvir o belo discurso de João Bénard da Costa sobre Setúbal é como ouvi-lo falar de mim. Se eu, antes de morrer, pudesse escolher as palavras de uma figura pública para ouvir enquanto fechava os olhos, seriam as palavras deste excelente homem.

[João Carlos Silva]

Dia de Camões IV

No dia 10 de Junho, setubalenses chamaram «cabrão» e «paneleiro» a José Sócrates enquanto este fazia sorriso de Estado.

[João Carlos Silva]

Dia de Camões III

Uma jornalista da Rádio Azul de Setúbal, em directo para RTP, pergunta a Mário Lino: «quando é que pede desculpa?».

[João Carlos Silva]

Dia de Camões II

Camões só tinha um olho bom, mas no dia 10 de Junho a sua maneira de ver as coisas passa a representar a visão de todos nós.

[João Carlos Silva]

Dia de Camões I

Segundo um cronista contemporâneo mas pouco conhecido (cujas obras leio com muito gosto), Diogo do Couto e Luís Vaz de Camões conheceram-se numa viagem marítima e ficaram «muito amigos».

[João Carlos Silva]

O estado das coisas



[João Carlos Silva]

quinta-feira, junho 07, 2007

A ler

O excelente post do Bruno Alves sobre as primárias republicanas e suas questões principais (questões «republicanas» e questões «americanas»).

P.S.- pessoalmente, apesar de já ter escolhido o meu modelo de candidato - o de certa maneira eclético (num claro estilo nova-iorquino), Giuliani -, reconheço que continuo curioso para ver se a nova geração de candidatos (obscuros para os europeus, claro) me surpreende pela positiva e se trazem à mesa as questões importantes, sem medo de perder os eleitores. Começo a pensar que sim.

[João Carlos Silva]

terça-feira, junho 05, 2007

Zink


Rui Zink sempre foi um tipo que me gerou simpatia. Aliás, para o tipo de pessoa estranha e incomunicável que sou, até tenho um grande número de simpatias irracionais espalhadas por esse mundo fora. Sobretudo, por esse Portugal fora (é verdade mesmo, os portugueses merecem simpatia). Mas o facto de simpatizar com ele não quererá dizer, necessariamente, um elogio rasgado. Penso que Rui Zink, em muitas pessoas, gerará, à partida, simpatia. Sentimento nobre mas frouxo. Gostar de alguém sem saber muito bem porquê pode ser um insulto grave. Aliás, quando há simpatia por alguém nem vale a pena ler os livros dessa pessoa. Infelizmente, esse será o caso de Rui Zink.

Mas decidi dar uma hipótese ao homem. Ou seja, decidi ser desconfiado e achar que não devia gostar tanto dele assim, sem mais nem menos. O facto de o ter visto, durante bastante tempo, na Noite da Má Língua, e de o ter visto de cuecas em manifestações, não era razão - pensei eu - para o ter no meu imaginário como grande pensador. E então agarrei-me ao Luto Pela Felicidade dos Portugueses, livro de crónicas editado pela Sábado. Verdade seja dita, não é um livro por aí além memorável. As crónicas não são, de todo, brilhantes. E a comparação (estranhamente natural, diga-se de passagem) do seu estilo com o de Miguel Esteves Cardoso é injusta para com Zink. Isto porque, no confronto directo de qualidade, Rui Zink, para infelicidade minha, perde para Esteves Cardoso. Mas o livro não deixa de ser engraçado. E vale a pena gastar bocadinhos da tarde (ou das tardes, para quem gosta de moer por mais tempo crónicas levezinhas) com estes textos. Aliás, deixo aqui um pedaço logo da primeira página. Muito representativo do tipo de «humor-sentença» que encontrei ao longo do livro, e principal razão pela qual este vale a pena:

«Se não nos pomos a pau, ficamos cinzentos. Começamos a dizer coisas tipo «no meu tempo», o que é perigoso, porque as palavras podem ser perigosas. As palavras criam realidades. Se repetirmos muitas vezes «no meu tempo» ainda acabamos, de facto, excluídos deste tempo.»

[João Carlos Silva]

O treino (observação ligeiramente perversa)

Claro que o atleta treinado
corre mais que a mulher
a fugir do violador.
Demonstra-se assim ao mundo
a importância relativa do sofrimento e do orgulho próprio
quando comparados, claro está,
com a eficácia dos músculos
da perna.


- Gonçalo M. Tavares, 1

[João Carlos Silva]

segunda-feira, junho 04, 2007

Três notas


Sam Shepard

- Faz cada vez mais sentido ler Sam Shepard. A primeira vez que tive contacto com algo do autor foi em Paris, Texas, um brilhante filme realizado por Win Wenders. Depois disso, li O Grande Sonho do Paraíso, Atravessando o Paraíso e, hoje de manhã, Loucos Por Amor (teatro). Para além de gostar do mundo dos cowboys másculos, brutos e suados, que fazem do amor uma prova de virilidade, aprecio as descrições das terras, aprecio as bestas do Texas, aprecio o pessoal que masca tabaco. Não menos importante é a sempre ausente-presente figura do pai. Em quase todas as estórias, há um pai que fez asneiras durante a sua vida, que nunca tratou bem o filho, mas que, mesmo assim, não deixa de aparecer no pensamento da «criança». Gosto dessas coisas.

- Não me apetece voltar a ler José Saramago nas próximas semanas. Gostei de As Intermitências da Morte, gostei do Evangelho Segundo Jesus Cristo, gostei do Memorial do Convento, gostei de O Ano da Morte de Ricardo Reis, adorei o Ensaio Sobre a Cegueira. Foi uma maçada ler Ensaio Sobre a Lucidez. Para além de considerar que o «objectivo» político da obra, apesar de ser louvável (porque pertence ao domínio da desilusão e do pessimismo), peca por não ter qualquer tipo de conteúdo (o voto em branco, blá, blá, etc.), penso que a ideia de pegar na «cegueira branca» do Ensaio sobre a Cegueira e desenvolver um fim de narrativa que fosse uma espécie de desenvolvimento desse mesmo livro, tornou a acção um tanto ou quanto parada. Aborrecida.

- Luto Pela Felicidade dos Portugueses é um livro de crónicas engraçado. Mas, definitivamente, Rui Zink não é o Miguel Esteves Cardoso dos lavagantes e da vodka diária.

[Paulo Ferreira]

António Costa & Manuel Pinho

António Costa:

Ex-ministro da Administração Interna. Rigor. Isenção. António Costa pareceu um ministro do Interior, ou dos Internos, uma espécie de agente da FBI. Secretismo. Presumo que, no momento de assumir a «pasta», Costa pensou: Administração Interna, hum, deixa cá ver, tenho de ser secreto, misterioso. E foi. Escondido.


Manuel Pinho:

Divertido, jovial. É ministro da Economia, logo, deve ser um optimista por excelência. É obrigado a ter cara de vai-tudo-correr-pelo-melhor nas piores alturas. É moderno. É jovem. Fuma em frente a jornalistas. Se fosse ministro das Finanças, não poderia fumar. Não poderia dar sinais de desleixo. Porém, Pinho é ministro da Economia e, como tal, pode ter uns pequenos luxos. Um vinho, umas coisas.Se pertencesse à finança, não podia. Contas, matemática, rigor. Manuel Pinho é Pepsodent.Não faz equações.

[Paulo Ferreira]

sábado, junho 02, 2007

Estranhas ligações

Curiosidade: saber que Cristiano Ronaldo se chama assim porque o seu pai gostava muito do Ronald Reagan.

[João Carlos Silva]

Ah, mentes conservadoras!

«Trying is the first step towards failure.»

- Homer Simpson

[João Carlos Silva]

Livro

Porque é que as visitas à Feira do Livro de Lisboa têm de ser todos os anos uma espécie de romaria a Fátima sem santos? É que fé dos livros não levanta corpos imobilizados do chão, como acontece nas sessões da IURD.

[João Carlos Silva]

António Costa & John Bon Jovi



Pouco sei sobre António Costa. Nada sobre a sua figura sei. É um homem de rigor. Dizem. Os próprios cartazes propagandísticos dizem «Rigor». Do primeiro-ministro, a mesma coisa. Pouco sobre ele sei. Provavelmente, muitas das coisas que sobre ele se contam são mentira, ou exageradas. No entanto, conhece-se o rigor de José Sócrates. A cara séria de quem não admite afrontas. A histeria a defender a honra. Ideias louváveis: nenhuma. É moderno, é sério, é rigoroso. Correu no calçadão e no Kremlin. Leu, presumo, alguns livros. Gostaria, aliás, de conhecer um pouco melhor as leituras do primeiro-ministro. E as de António Costa.



John Bon Jovi tem uma coisa curiosa. Não vive amores que correram mal para o seu lado. Isto, apesar de ser um viciado no amor. Ain't no cure for love. Não há remédio. Um ser normal, por vezes, fica com o coração em frangalhos. John, definitivamente, não é desses. Se sofre, é por pouco tempo. É para ficar melhor do que estava. Do género: «amor, o destino é amar e o meu caminho é partir.» Depois,os amores de John são profundos. I don't need nothing when I'm by your side. Elas precisam dele. É um grande amante. She needs me, pleads me. Vida curtida ao máximo. Don't Leave Me Tonight. Ou seja, John Bon Jovi é um músico que se interessa pela música para fazer o Amor. Um Amor divertido, alegre, melancólico, sempre para melhor.

[Paulo Ferreira]

EPC

Nem sempre aprecio o tom e o estilo de Eduardo Prado Coelho. Porém, como simpatizo com o senhor, recomendo a leitura da entrevista que lhe foi feita por Carlos Vaz Marques para a revista «Única». Aqui fica um excerto:

É um desejo do tempo em que queria casar com a Jacqueline Bisset...

Não era casar. Era conhecer. Conhecer no sentido mais amplo do termo.

No sentido bíblico.

Devo dizer que me surgiu a Jacqueline Bisset como me poderia ter surgido a Michelle Pfeiffer.


[Paulo Ferreira]

sexta-feira, junho 01, 2007

Amor

Estar numa cabine telefónica sem moedas.

[Paulo Ferreira]

Citação

Estava para aqui deixar um poema de Szymborska, no entanto, por me sentir extremamente cansado, fico-me pelo Marco Borges (Big Brother).

Não sei o que procura aquela gaja, mas não leva mais abébias.

[Paulo Ferreira]

Nota sobre Fernando Negrão

Começo por dizer que não poso votar em Fernando Negrão, já que pertenço a uma câmara de ciganos (literalmente). Não deixo, no entanto, de dizer o seguinte: votar em Negrão é perder com a cabeça descansada.

[Paulo Ferreira]

Feira do Livro

Não apetecia ir ao Parque Eduardo VII mas lá fui. Como esperava, encontrei tudo na mesma. Livros caros, livros maus, pessoas a mais. Mesmo assim, aproveitei e trouxe alguns convidados para jantar. Beckett e o seu Malone vieram. Sam Shepard, Lewis Carrol, Isahia Berlin e Wisława Szymborska também vieram.

[Paulo Ferreira]

Fumar

Hoje fumei um cigarro. Provavelmente, amanhã pouco mais fumarei do que um cigarro. Nos dias que se seguirão, o mesmo. Um, dois, três cigarros. Deixarei de fumar. No entanto, essa ideia que me deveria deixar tão contente, preocupa-me. É que a cefaleia vai ocupando o espaço deixado cada vez mais em aberto pelo cigarro. Passa um dia e a dor remói, perfura, enoja. Parece uma cura. É uma cura. Até deixar de ser cura.



[Paulo Ferreira]