quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Humor negro na História

No título de um puzzle sobre as malogradas campanhas de Napoleão na Rússia, lia-se Napoleon's Winter Games.



Théodore Géricault, Episódio da Retirada de Napoleão da Rússia, 1812

[João Carlos Silva]

Uma constatação

Sou o Kafka dos transportes públicos. Em vez de longos corredores, viagens intermináveis e nauseantes de autocarro.

[João Carlos Silva]

Da distracção

Há dois tipos de bêbados: os que bebem para esquecer; e os que se esquecem que estão a beber.

[João Carlos Silva]

Relíquias perdidas

Num alfarrabista, abro um livro e cai-me isto no chão:



Gostava era de saber se este Calhambeque - bar / boite / discotheques / mini-drugstore / beat club - era um conhecido local de leitura de Lisboa nos seus tempos. Provavelmente era. Ou isso ou uma espécie de Conferências do Casino actualizadas para os seventies.

NOTA - na parte de trás do folheto, um mapa e informações detalhadas sobre o prodigioso local, das quais destaco a versão francesa: «Au coeur même de la ville nouvelle - le Areeiro (repare-se como a parte hoje mais batida era então novinha em folha) - on trouve la plus moderne boite de la capitale (não há havia quem a batesse, com novo destaque para a novidade, muito em voga, termo muito revolucionário). Une soigneuse sélection des plus modernes albums (em português destaca-se como sendo a melhor, em inglês como sendo uma very good choice, mas para com o visitante francês há que ser mais honesto: uma escolha criteriosa, vá lá). Ouvert tous les soirs de 22h. à 3h (antes do recolher obrigatório).»

[João Carlos Silva]

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Príncipe Perfeito

Paulo Portas, hoje, vai falar sobre o Príncipe Perfeito. Há quem diga que amanhã também.

[João Carlos Silva]

Calçado político

Henrique Raposo atacou a consciência política dos seus pares (portugueses). Como insulto, escolheu a expressão: «politicamente, ainda calçamos all stars». Pessoalmente, gosto muito de all-stars e nem gosto de bandeiras nem do Enver Hoxha, por isso aborreceu-me a conotação. Só espero que Henrique Raposo, politicamente, não ande por aí de sapatos de salto alto.

[João Carlos Silva]

Sono

Amílcar, deputado comunista, adormeceu e sonhou que estava a ouvir um discurso de José Sócrates. Quando acordou, estava mesmo.

[João Carlos Silva]

Cidades amuralhadas

No fundo, o trabalho intelectual pouco difere do exercício comum da pessoa comum que pára para pensar. Um historiador, como um filósofo ou um sociólogo, apenas se ocupa com levar a curiosidade um pouco mais além. Transformar essa qualidade numa pretensão científica, num requisito que o junta a uma comunidade fechada ao exterior, é que, para além de retirar qualquer sentido à actividade intelectual, já roça o egotismo infantil.

[João Carlos Silva]

Filmes no osso

Na Folha de S. Paulo de 19 de Fevereiro, escrevera João Pereira Coutinho sobre Rocky Balboa/Stallone:

«(...) qualquer outro Rocky, sem respeitar a matriz, seria uma traição a "Rocky"; e porque o primeiro de todos, na sua inclassificável beleza, só se explica por um estado de necessidade. A necessidade que leva um ator marginal a escrever um filme no osso, como se fosse o primeiro e o último combate de uma vida.»

[João Carlos Silva]

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

The man in black



Johnny Cash nasceu há 75 anos, no Arkansas.

(...)
Ah, I'd love to wear a rainbow every day,
And tell the world that everything's OK,
But I'll try to carry off a little darkness on my back,
'Till things are brighter, I'm the Man In Black.


[João Carlos Silva]

O estado das coisas



De espírito tranquilo.

[João Carlos Silva]

sábado, fevereiro 24, 2007

É

É possível escrever um texto num blog e alguns minutos depois não compreender o que se escreveu nem porquê?

É.

[João Carlos Silva]

Génese de uma fé III

Leio a interrogação num livro: «e se Deus não existisse?».

[João Carlos Silva]

Génese de uma fé II

Eu julgava que já O tinha ofendido em tempos. E é então que, num romance, um seminarista se caga publicamente em pleno Exame de Consciência.

[João Carlos Silva]

Génese de uma fé I

Eu julgava que Vergílio Ferreira era um génio mas faltava-lhe um daqueles romances mais ortodoxos. E foi então que li a Manhã Submersa.

[João Carlos Silva]

Da serenidade

Numa altura em que já todos perceberam que o seu executivo está «podre», Carmona Rodrigues também já devia ter tomado uma posição mais firme. É que fingir que não é nada com ele fica mal a qualquer um, mas fica ainda pior ao presidente da Câmara da capital portuguesa. Por diversas razões, mas também por algumas circunstâncias azarentas, Carmona é, para mim, uma desilusão.

[João Carlos Silva]

Prozac



Tenho tomado os meus medicamentos, doutor. Tenho dormido melhor.

[João Carlos Silva]

Razão

Quer acreditemos ou não, quer nos interesse ou não, é um facto: ainda há philosophes. Pior ainda, há-os em Portugal. A inabalável crença numa Razão superior aos homens está aí para as curvas. Ai não, que os padres do Norte são retrógrados e cinzentões, embotados e ridiculamente castos, não percebem nada dos dramas das mulheres e dos homens, ai, ai, nada disto tem a ver com Deus. «Não metas a pata, ó Altíssimo, que a verdade queima!», diria o jornaleiro existencialista. Então, por substituição, consulte-se essa presença permanente por cima das nossas cabeças - como uma auréola - a que chamamos Razão.

Verdadeira enciclopédia do savoir faire superior, a Razão, para muito homem versado na leitura livre de obras filosóficas, guia os espíritos como a estrela de Belém. Encontraremos sempre o que queremos, no destino dessa estrela. Se não encontrarmos o que queremos, ao menos teremos algo que nos faz falta. Se não fizer falta, teremos algo que, «racionalmente», fará falta a outro alguém. Se não fizer falta a ninguém, então ao menos é algo giro, vá lá. E se não tiver piada nenhuma, então tivemos, ao menos, um notável exercício da Razão. Sem sentido? Não diga isso. Consulte a Razão que plana por cima da sua cabeça. Continua a não haver sentido? Então peço desculpa: é um palerma irracional que a Razão não dotou de uma sensibilidade superior para encontrar abstracções inúteis no Universo por nós criado.

Philosophes. De facto, criaturas extraordinárias. Por tudo isto, admiro uma nova velha máxima. Ou seja, como diz o jornaleiro existencialista: «prefiro ser um burro-filósofo do que um filósofo-burro». Que é o mesmo que dizer que, quando digo disparates, gosto que os atribuam a mim, e não à sô dona Razão.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Em sentido contrário



20 anos da sua morte, no hospital de Setúbal. Uma formiga no carreiro, que marchou sempre em sentido contrário, José Afonso é uma figura querida cá por casa, independentemente das pessoas que insistem em reduzi-lo a um cravo na mão e a uma cantiga revolucionária. Tem muito mais para ser revisitado.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Saída profissional

Comprar um acordeão e ir para as ruas cantarolar: leio livros, escrevo livros, leio livros (para quê? para quê?).

[Paulo Ferreira]

Analgésico

Faças o que fizeres, o cérebro não desiste.

[Paulo Ferreira]

Divórcio

De um homem que se divorciou:

«Uma morte é sempre difícil de superar.»

[Paulo Ferreira]

Isto

Quando pensei em anonimato, nunca pensei nisto.

[Paulo Ferreira]

Acto falhado

Confundo muitas vezes «Causa Nossa» com «Terra Nostra».

[Paulo Ferreira]

Causa nobre

Ele queria morrer por uma causa nobre: suicidou-se.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Prova por provar

É verdade que Alberto João Jardim deveria provar que realmente existe. Mas, como esse espectro-homem se borrifa tanto para a ciência, ainda acabo por gostar dele e dizer que sim, existes.

[Paulo Ferreira]

Leituras

Só quando aceita a derrota como algo normal e inapelável o derrotado passa a viver quotidianamente com a angústia e a melancolia.

- Manuel Jorge Marmelo

[Paulo Ferreira]

Esconder

Houve uma frase que se repetiu muito ao longo da minha leitura de Para Sempre, de Vergílio Ferreira. Mas, como me acontece com tudo o que fere, tentei ignorar.

Estou só.

Estou só.

Estou só.

[Paulo Ferreira]

Frase

O que me existes é o que em mim te faz existir.

- Vergílio Ferreira, Para Sempre

[Paulo Ferreira]

Bandolim

Ele, que tão pouco gostava de certas coisas, casou-se com uma mulher que tocava bandolim.

[Paulo Ferreira]

Casas?

Casas comigo? (pergunta cada vez menos retórica)

[Paulo Ferreira]

Morto-vivo

Em dia de Carnaval, um morto, Ribeiro e Castro, pensou em mascarar-se de vivo.

[Paulo Ferreira]

Coisas de gajo

O problema é um gajo comportar-se como um cão que se habituou ao assobio do dono.

[Paulo Ferreira]

Da humilhação

A gerência do blogue pede para não mais enviarem «cartões de amor» para o correio electrónico.

[Paulo Ferreira]

Coisa bonita

Cada um de nós está aqui a ser punido pela sua existência e cada um de uma forma particular.

- Arthur Schopenhauer, Sobre o Sofrimento do Mundo

[Paulo Ferreira]

Da gratificação

Schopenhauer sofria que nem um louco consciente e não dava grande valor ao bicho-mulher.

[Paulo Ferreira]

Certeza

Não tenho Lorenin.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Um haiku para Alberto Caeiro

Noite vinda, batia à porta:
deixa-me entrar, Fernando!
e ele nada.

[João Carlos Silva]

Um haiku para Beethoven

O génio escreve para si mesmo
que é como quem diz:
aqui só entro eu.

[João Carlos Silva]

Um haiku para Antero

Antero de Quental - bondade:
socialismo e um tiro na cabeça
num banco de jardim.

[João Carlos Silva]

Ex-citação #3



«Estreita é do prazer na vida a taça.»

- Antero de Quental, Sonetos Completos

[João Carlos Silva]

Ex-citação #2



«O horror de estar só no mundo apenas o podem sentir aqueles que, como a Judite, já perderam o melhor que tinham e não conseguem a certeza de nada. A Judite antes queria a certeza das coisas do que as próprias coisas.»

- José de Almada Negreiros, Nome de Guerra

[João Carlos Silva]

Ex-citação #1



«Criar uma espécie de angústia para a resolver.»

- Paul Valéry, O Senhor Teste

[João Carlos Silva]

domingo, fevereiro 18, 2007

Da infância em vida adulta

Admita-se: és jovem, não conheces, precisas de fornicar.

[Paulo Ferreira]

Valdispert

Dez ou zero é igual.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Manifesto 2

Casas comigo? (pergunta retórica)

[Paulo Ferreira]

Manifesto

No que me diz respeito, este blogue não serve para nada.

[Paulo Ferreira]

Amor 2

Amor é isto:

não esquecer o imenso do post anterior.

[Paulo Ferreira]

Amor

Amor é isto:

(imenso)

[Paulo Ferreira]

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Coisa


Fábrica de silêncios.

[Paulo Ferreira]

Dar por isso

Por estranhos caminhos se conhece o destino. Por exemplo: podes morrer com um tijolo na cabeça sem dares por isso. Páro. Só não dá por isso quem não quer.

[Paulo Ferreira]

Maquiavel

Tudo em vão.

[Paulo Ferreira]

Falhado/vencido

Maquiavel é um vencido, não um falhado.

[Paulo Ferreira]

Louca

Joana, A Louca, não era louca.

[Paulo Ferreira]

«Louvável»

Maquiavel padecia de uma «louvável» falta de optimismo político.

[Paulo Ferreira]

Luís XIV

Em Versalhes morava um rei que de noite era careca e que de dia tinha cabelo.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Sobre governantes generosos

Dizia Maquiavel: «convém fazer o bem pouco a pouco, de forma a que ele possa ser melhor saboreado».

[João Carlos Silva]

O estranho sentimento de Ribeiro e Castro (ou o intrínseco Humanismo português)

Na declaração oficial de ontem, após conhecer os resultados do referendo, o presidente do CDS-PP expressou, entre outras coisas:

Mágoa por ver Portugal enveredar por um caminho que fere a matriz humanista da nossa História.



[João Carlos Silva]

Uma verdade inconveniente:

Al Gore é um idiota.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Pulga

Muitas pessoas têm andado em pulgas por dia 11. Eu tenho andado em pulgas pelo dia 12.

[João Carlos Silva]

Mudança

Já aí está a Minguante número quatro, com o tema a Mudança. Com um texto do Paulo e outro meu, lá metidos.

[João Carlos Silva]

A um moribundo

Bebe líquidos bebe, que a peçonha sairá.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

O estado das coisas



Um animal cada vez mais moribundo.



[João Carlos Silva]

Prisão

Até Maquiavel «precisou» de um período de clausura na Toscânia para dedicar mais tempo à reflexão política.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Mundo finito

Tendo chegado ao fim do mundo, só lhe restava isto:



(e era tanto)

[Paulo Ferreira]

terça-feira, fevereiro 06, 2007

The Departed



Para ver The Departed, tive de esquecer os filmes streetwise/gangster italo-americanos de Scorsese. Neste filme já sabia que não ia encontrar o humor de Goodfellas, Casino ou até mesmo o dramático humor de Raging Bull (todos rimos da micro-tragédia). Aliás, lembro-me de ter lido Nuno Markl dizer que não há diálogos que cheguem à genialidade dos de Pesci, ou de uma personagem como Pesci. O facto é que já há muito que tenho saudades de ver Joe Pesci num filme de Martin Scorsese. Com todo o respeito pelos actores que por aí há, já não se fazem «Joe Pescis» como os do Antigamente.

Mas The Departed é um excelente filme, ainda assim, de Scorsese. Regressaram certos contornos de qualidade que definiam Scorsese e o destacavam dos outros. The Aviator já fora, para mim, um filme memorável. Com muitas imperfeições, mas com o recuperar de um know-how de esculpir personagens, Scorsese fez do Hughes de Di Caprio um ícone que memorizei, tal como Jake La Motta (Raging Bull) se me havia tornado um verdadeiro paradigma moral de quando é preciso ser abrutalhado e néscio. Mas The Departed, parece-me, recupera um outro exemplo ainda mais flagrante, uma divisão narrativa que tem muito de The Colour of Money: mesma história, duas personagens, dois pontos de equilíbrio numa mesma narrativa - sobretudo, dois possíveis vencedores na história.

Assim, o filme de Scorsese é excelente, que vale sobretudo pelos twists na história e pelas personalidades perturbadas (a ter em conta o facto de Jack Nicholson ser realmente assustador e imprevisível enquanto «Frank Costello»), pelo sublinhar das notáveis abordagens de Scorsese ao mundo do crime e ao complexo mundo moral que aí existe.

Por fim, uma nota importantíssima em relação aos «1001 modos de morrer» a que Martin Scorsese me habituou: se no Casino Joe Pesci é enterrado vivo e em Bringing out the Dead há um desfile de tragédias, se em Boxcar Bertha há crucificações tão realistas e violentas como em Last Temptation of Christ (que Ele me perdoe), em The Departed temos um rol de momentos novos no filme em que o sangue gela. Têm o exemplo da bala que uma das personagens encontra à saída do elevador e que é um verdadeiro «end of story», um comovente mas muito rápido, sem tempo de digerir, despertador para quem (haverá alguém que o faça?!) estiver mais desatento ao filme, tal como Pesci se sumia de um segundo para o outro em Goodfellas. Embora neste caso (em Departed) esse sumiço aconteça no fim, uma pessoa sente muito a falta deste e de Pesci nos filmes. Não sei como Scorsese faz isso, mas é notável. E mais notável ainda é que o coração quase me parou (literalmente) quando o som parou e outra das personagens surgiu, em câmara lenta, a espernear no écrã enquanto caía de um prédio e se desfazia em sangue no chão, sendo para mim, talvez, a cena marcante do filme, o verdadeiro ponto de viragem que tem, portanto, uma cena a condizer: uma pessoa sabe que a história ali vai mudar, vai ter uma intensidade maior.

Teremos de esperar, no mínimo dos mínimos, uns cinco anos para ver se este filme pegou. Apesar de ser um filme brilhante, não acho que me fique na memória como outros de Scorsese, e até mesmo The Aviator me marcou por uns bons anos, mesmo não tendo o brilhantismo cinematográfico de The Departed. O que significa que mesmo os génios (e Scorsese é o meu génio no cinema, o meu realizador) não significam filmes memoráveis. É um filmalhão, mas algo me diz que com o próximo de Scorsese este passará um pouco ao esquecimento. É esperar uns anos, e ver o que cá ficou.

[João Carlos Silva]

15

E então alguém disse: não é por se proibir o roubo que este vai deixar de acontecer. Há pessoas que precisam de comer e nada têm, nem dinheiro para se remediarem, que terão de roubar para se manterem a «flutuar».

E o outro disse: então e porque não permitir que os pobres roubassem? Imagine: poder-se-ia permitir que um pobre roubasse no supermercado produtos até quinze euros, desde que provasse que precisa de roubar. Até quinze euros é necessidade. Seria um mundo melhor.

Deliravam.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Ratos


Os ratos.

[Paulo Ferreira]

Grandes trocadilhos

Diz o meu caro amigo Bruno Alves, na sua coluna semanal do Insurgente: «Francisco Louçã, dirigente do BE e homem que, numa campanha em que alguns questionam se há vida antes do nascimento, torna premente a questão de se há ou não vida depois da morte política (...)»

Uma vénia.

[João Carlos Silva]

domingo, fevereiro 04, 2007

Oásis

Olhou para ela e fechou os olhos: poderia morrer.

[Paulo Ferreira]

Espingarda

O seu amor era de espingarda: só o estoiro o satisfazia. A esposa é que não apreciava as nódoas negras no lugar da maquilhagem.

[Paulo Ferreira]

Retórica de autarca

Tentativa + Modo

Ergui esta estátua tentativamente.

Tentativamente te amo.

Foi perdendo o amor à vida tentativamente.

[Paulo Ferreira]

Hierarquia

Dizem alguns que não existe hierarquia no amor. Mas existe. Repare-se: belos e feios, pobre e ricos, gordos e magros (nobres e plebeus).

[Paulo Ferreira]

Jurisdição

No amor, cada um defende o seu campo como se houvesse um estatuto jurídico próprio de quem sente.

[Paulo Ferreira]

Portas

Se uma porta se fecha, outra se abre. Se duas portas se fecham, duas outras se abrem. Se dez portas se fecham, dez outras se abrem. Se um milhão de portas se fecha, outro milhão se abre.

Conclusão:

Quantas mais portas se fecharem, mais hipóteses existirão para novas portas se abrirem.


Nota:

Não existem portas suficientes para que todos consigam abrir ou fechar portas.

[Paulo Ferreira]

sábado, fevereiro 03, 2007

Fetiche dos tempos do Progresso

Pedro Mexia, no Estado Civil:

«O jovem contrabandista (Leonardo DiCaprio) para a atraente jornalista (Jennifer Connelly) que lhe pediu informações sobre o tráfico de diamantes: «Well, off the record, I like to get kissed before I get fucked».

[Alguns leitores notam que a frase é também dita por Michael Douglas no filme Black Rain, 1989]
»


E por Al Pacino em Dog Day Afternoon (1975). Esse sim, o momento clássico da frase.

[João Carlos Silva]

Babel



Brad Pitt gosta de chorar. Gosta de sofrer. Mas, verdade seja dita, sabe fazer isso bem. Lembra Mel Gibson e as suas obsessões pelo próprio sofrimento, pelas caras feias ao espelho. Em Babel, Cate Blanchett (mulher de Pitt no filme) é alvejada, e fica às portas da morte no interior desértico de Marrocos. E Pitt enlouquece com a sua quase plena impotência perante a situação, numa terra isolada que pouco tem a oferecer, pelo menos à primeira vista. Os culpados dessa situação são dois miúdos marroquinos, guardadores de gado, que disparam, sem pensar, a sua arma (para matar chacais) contra um autocarro a muitos metros de distância. A história deles e da sua família é outra das boas pérolas deste filme, pela sua simplicidade estranhamente cativante.

Ora, o contraste entre o drama de Bitt e Blanchett e a pacatez destruída da casa isolada das duas crianças marroquinas (e da sua família) seria mais do que suficiente para fazer este filme valer a pena. Mas Iñarritu não se contentou: acrescentou ainda a história dos filhos de Pitt, da sua empregada mexicana, do casamento do filho desta, do sobrinho, das autoridades americanas, de um caçador japonês, da filha muda do caçador japonês, dos polícias japoneses, das amigas e amigos da japonesa, das discotecas do Japão, enfim, uma multiplicidade de histórias que podiam ser cortadas. A crítica súbtil às autoridades americanas (na fronteira com o México), então, também era escusada.

Iñarritu pode ser irritante. Um bom realizador (pelo menos neste filme e em 21 Grams), mas com o dom de estragar ou exagerar um pouco o que tem. - tal como fez quando baralhou, e em demasia, as cenas do filme com Sean Penn. É um tique de realizador dito «alternativo» que, se acontecesse com um mainstreamer americano, seria condenável. Como o homem nasceu no México (com nome a condizer), passa como genial. Talvez seja do meu preconceito contra filmes que exacerbam as suas próprias pretensões. Ainda assim, merece nota e valeu a pena ir vê-lo.

[João Carlos Silva]

Little Miss Sunshine



Little Miss Sunshine não foi, propriamente, uma surpresa. Ganhou-se o hábito de dizer que filmes bons são uma «boa surpresa» quando vêm do cinema independente e, sobretudo, quando vêm de realizadores desconhecidos. Mas há muito que deixei de ter «surpresas», no literal sentido da palavra, em relação a projectos de desconhecidos.

As séres da HBO, nesse sentido, seriam sempre «boas surpresas», já que são obra de gente relativamente obscura no meio de Hollywood. Por outro lado, cada filme de James Cameron, Tony Scott, Michael Bay e outros é sempre uma «desilusão». Deixem-me esclarecer: Cameron, Scott ou Bay já não desiludem ninguém, aquilo é mau e pronto. Little Miss Sunshine, por outro lado, não é uma «surpresa», é uma excelente incursão em cinema de gente mais do que habituada a filmar e a trabalhar no meio.

Com excelentes interpretações e um excelente argumento (destaque para uma das qualidades que aprecio: desenvolver as personagens individualmente e em profundidade), em redor de um tema/motivo/fio condutor mais do que original - um concurso de beleza infantil - o filme foge a todos os lugares comuns que se poderiam fazer e mostra que, com um pouco de inspiração, Jonathan Dayton e Valerie Faris podem fazê-lo de novo. Sem pressas, de certeza que poderão fazer. Um dos meus preferidos do ano.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Dos «heróis nacionais»

«Depois da morte de Chopin, os patriotas polacos desmancharam-lhe o cadáver para lhe tirarem o coração. Nacionalizaram esse pobre músculo e enterraram-no na Polónia.»

- Milan Kundera, Testamentos Traídos

[João Carlos Silva]

Nevoeiro

«Quem é mais cego? Maiakovski que ao escrever o seu poema sobre Lenine não sabia onde levaria o leninismo? Ou nós que o julgamos com o recuo de décadas e não vemos o nevoeiro que o envolvia?
A cegueira de Maiakovski faz parte da condição humana eterna.
Não ver o nevoeiro no caminho de Maiakovski é esquecer o que é o homem, esquecer o que nós próprios somos.
»

- Milan Kundera, Testamentos Traídos

[João Carlos Silva]

Amor

A partir de certas horas, não se abre a porta a ninguém.

[Paulo Ferreira]

As veias

Se as vês verdes, por que razão lhes deverás dar outra cor?

[Paulo Ferreira]

Antero 2

Sofrendo de eterna depressão, Antero de Quental suicida-se com um tiro na cabeça. Entenda-se, no entanto, que outra expressão seria preferível a suicídio: morte natural.

[Paulo Ferreira]

Antero


[Paulo Ferreira]

Evolução

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa,
No limoso paul,glauco pascigo...

Hoje sou homem - e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.

- Antero de Quental, Sonetos Completos

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Evidência

O cheiro do tabaco é sempre pior para quem fuma.

[Paulo Ferreira]

haiku

em cabo verde
no século quinze
havia muito e havia nada

[João Carlos Silva]

De uma conversa entre dois matarruanos



- Estiveste na Boston Tea Party?
- Estive... Uma desilusão: só mangueira.

[João Carlos Silva]