terça-feira, fevereiro 14, 2006

A aldeia II

A aldeia tem muitas coisas boas. Por exemplo, o campo. No campo, é possível ver-se uma vaca a comer erva, ou palha, no caso de um burro. Coisa linda, não é? Pois. É verdade que também numa qualquer cidade se podem encontrar muitos burros enfardadores de palha ou muitas vacas bucólicas. Mas nada como na aldeia. Na aldeia tudo é mais bonito, tudo é mais natural, tudo é mais mortífero. Na aldeia tudo é bonito, mas, talvez por isso mesmo, tudo enjoa, tudo aborrece, tudo agonia. No entanto, para que não se pense que só me queixo da aldeia e do modo de vida rural, passo a descrever certos programas alternativos, de modo a que se possam passar umas boas horas ou dias, no caso dos mais corajosos, enfiado num lugarejo perdido nos recantos deste Portugal. Então, seguindo um conjunto de regras que para mim têm alguma pertinência, aqui ficam algumas das actividades dedicadas ao indivíduo comum (leia-se, indivíduo com fobia de aldeias) :

- Assistir ao Praça da Alegria. Bom programa, especialmente quando nenhum habitante da aldeia tiver conhecimento da existência da televisão por cabo. A propósito deste grande programa, diria apenas que aquele pessoal da RTP 1 é danado para a brincadeira, principalmente aquele senhor prior que lá vai tocar umas guitarradas para o pessoal;

- Rever vídeos pornográficos antigos. A indústria pornográfica dos anos 80 foi profícua no lançamento de grandes vedetas mundias, vedetas essas que se fartaram de encantar famílias inteiras. Na aldeia, então, com o frio que faz, nada como assistir a um bom penteadinho caprichado a assistir as dores musculares do nobre Rocco. Aquecer a pulso, para que se saiba;

- Falar com os habitantes da aldeia. Certamente, existirão muitos cidadãos com o nome de Barrabel e de Matreco a quererem servir de guia a todos e mais alguns. Jogar à sueca, à malha, ao tremoço e ao pontapé nas canelas é do melhor que se pode encontrar nas aldeias. E, com guias de roteiro, a coisa só pode melhorar. Cachaporra com eles, diria o Margaça se aqui estivesse, é claro;

- Ler. Actividade indispensável para quem vai para uma aldeia com a disposição de se divertir. Leia muito, caro turista. A aldeia, consumida em grandes doses, pode matar. Leia-se, nem que seja um Alves Redol suave, mas leia-se;

- Falar com a família. Em doses moderadas, porque a família da aldeia é muito curiosa. Uma frase a que se pode recorrer com frequência é a seguinte: «Ai tia, aquilo lá pela cidade é uma confusão. A gente tem de falar estrangeiro e tudo para falar com aquele povo maluco. Não queira visitar-me lá.».

Enfim, poderia ficar aqui a noite inteira a dar dicas ao cidadão urbano que, porventura, deseje visitar o mundo rural. Porém, nestas coisas de viver, o melhor é que cada um fale por si. Até porque há malucos para tudo e eu, que acabei de visitar uma aldeia, não sou ninguém para falar.

[Paulo Ferreira]

2 comentários:

Catarina disse...

Pois! Então a aldeia não é emocionante? Devias passar uma semana no solar "assombrado" da minha infância, em pleno inverno, com o vento a assobiar nas esquinas da casa, rodeada de mochos, corujas, morcegos e outros passaros que nenhum cidadão urbano viu de perto. O soalho a estalar de mansinho, nunca sabes se é das traças ou passinhos de fantasma, as portas a ranger docemente e aquele friozinho a passar-te pelas orelhas... não precisavas ver filme nenhum na televisão porque passavam-te meia duzia deles pelo espirito durante a longa e penosa noite!
Não precisavas de fazer levantamento de raizes ao cabelo nos proximos dez anos :):)

Anónimo disse...

Excellent, love it! » » »