Quase toda a gente, pelo menos uma vez na vida, já se deparou com alguém que, devido ao seu carácter impulsivo, tentou dizer todas as verdades que têm que ser ditas. Pois bem, eu sou um desses indivíduos que, devido a algumas intempéries da vida, já se deparou com a pessoa de todas as verdades. Confesso que foi uma esperiência perturbadora.
Quem se depara com a pessoa de todas as verdades, tem que se preparar para perceber que os lexemas «mas» e «pois» são da maior utilidade comunicacional. Repare-se que a pessoa de todas as verdades, na sua zanga emotiva, não vai dar tempo para que o seu interlocutor respire. Portanto, quando se ouvir uma hipotética mulher animalesca a gritar um bestial «Digo-te já!», o melhor é tirar todos os «pois» e «mas» da cartola porque com a pessoa de todas as verdades não dá para conversar. «Digo-te já que não tenho papas na língua!», frase habitual em pessoas que gostam de dizer muitas verdades. «Cala-te boca!», é uma outra grande expressão, própria de quem muitas verdades diz. «Eu bem te falava agora, mas....cala-te boca!». Vê-se logo que quem ordena à sua própria boca para que se cale não pode jogar à sueca com quarenta cartas. Ainda se fosse um simples «Cala-te cavidade ou abertura pela qual o homem e outros animais ingerem os alimentos!», que demonstra menos impulsividade. Mas não. «Cala-te boca!, assim, sem mais nem menos.
Assim, o certo é que não dá para ter uma conversa com quem tem por sonho dizer todas as verdades que têm que ser ditas a alguém. Pode-se sorrir, gesticular, bocejar, mas não se pode conversar, ou falar. É que o acto de dizer todas as verdades assemelha-se, em certo sentido, a um canto a solo, a uma monódia trágica. Por outro lado, por vezes, a pessoa de todas as verdades pode necessitar de certas introduções dos seus interlocutores. É daí que vem o «mas», que, introduzindo a fala do indivíduo revoltado, ajuda a um bom «Digo-te já tudo o que és!».
Um grande homem de todas as verdades é o excelso Valentim Loureiro. Para este senhor, não há nada nem ninguém que o possa silenciar. A ele ninguém cala e o resto é conversa. E o doutor Marques Mendes que se cuide porque o povo de Gondomar está muito aborrecido com ele. Perante isto, será absurdo que alguém no seu perfeito juízo tente dizer a Valentim que apontar o dedo é um acto muito feio. Depois, vem a nobre Fátima Felgueiras que, por sinal, é de Felgueiras. Esta, ao contrário do mamarracho de Gondomar, não se pode considerar uma mulher de todas as verdades. Bem sei que ela bem promete, mas, quando chega a hora da explosão (leia-se, a hora do «Digo-te ja!») ela cala-se. Promete, promete, mas não explode. Estamos, portanto, perante dois casos provenientes da mesma colheita, mas diferentes no modo de actuação.
[Paulo Ferreira]
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
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