Para quem sofre de perturbações causadas pelo stress urbano, passar um ou dois dias numa recatada moradia aldeã pode ser uma experiência terrível. É certo que existem poucas coisas mais pacificadoras que o silêncio total que nos é oferecido pelas aldeias. É certo que as pastagens e os campos são coisas que conseguem deixar um indivíduo entregue à contemplação durante largos períodos de tempo. Porém, para quem está habituado a acordar todos os dias pela madrugada e a ingerir doses malucas de cafeína, acordar por volta do meio-dia ao som de sinos de uma igreja, ou, mais simplesmente, acordar com as vozes de familiares saudosos de verem o desaparecido citadino, é, no mínimo, desagradável. Depois, para além da questão do modo de acordar na aldeia, vem uma outra questão mais complicada, que se resume ao seguinte: o que é que se faz numa aldeia, sem computador, rádio, ou qualquer outro tipo de coisa que ultrapasse o livrinho do costume? Lê-se. Mas, lê-se durante quanto tempo? Vinte e quatro horas? Não sou o Abelard nem a aldeia da família é Paris.
Na aldeia não há nada que se possa fazer. Nada. Especialmente ao domingo, que é um dia universalmente enfadonho. No máximo, na aldeia descansa-se. Mas descansa-se de quê? Dos vícios? Vícios são vícios e têm que ser alimentados. Portanto, o habitante de cidade que se imagine numa aldeia desprovida de cafés, computadores, livrarias e poluição, não consegue fazer mais do que imaginar. Porquê? Porque a aldeia é um sofrimento, uma agonia, um grande buraco, que, a qualquer momento, pode engolir a espécie.
[Paulo Ferreira]
terça-feira, fevereiro 14, 2006
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