A sociedade caiu refém do barulho, do preenchimento dos espaços vazios mesmo no domínio sonoro. Saio para ler um pouco no café e logo na rua os carros buzinam. As luzes ajudam ao frenético cruzamento de vezes vozes e anúncios (com altifalante) no ar. Nos cafés é a história habitual: a televisão acesa grita alguns programas genéricos «da manhã» ou «da tarde» supostamente concebidos para os reformados ou para a terceira idade - uma ex-apresentadora da Noite da Má Língua, aliás, chama esganiçada os telespectadores que possam estar ainda distraídos e que não a tenham ainda ouvido -, confunde-se com as vozes das pessoas no café e compete pela atenção maior. A disputa pelo som mais alto começa. As pessoas falam mais alto para se tentarem compreender por entre as ondas sonoras do programa de televisão e ambicionarem ouvir o que a pessoa ao lado lhes quer dizer. O televisor parece aumentar o volume num ciúme quase humano pelo «espaço vital», e volta ao pódio do barulho. As pessoas no café respondem falando ainda mais alto. A televisão idem. Por vezes são os canais de música que enchem os cafés, bares e restaurantes. Noutras horas do dia ou da noite, os talheres juntam-se a orquestra. E assim se preenche tudo o que os ouvidos podem alcançar com lixo. O ser humano desenvolveu uma espécie de alergia, de nojo pelo silêncio, pelo vazio, pelo espaço livre, um ódio à solidão do silêncio. Ninguém quer estar sozinho consigo mesmo (o que é compreensível, já que eu próprio sei o castigo que é estar na minha própria presença). Quando, ao sair do trabalho, ao chegar a casa ou ao «levitar» para os andares cimeiros de um centro comercial, entrar dentro de um elevador público que não o deixa sozinho com os seus pensamentos - bombardeando-o com uma música irritante dita «de elevador» -, percebe-se que nem mesmo sozinho é possível, de facto, estar sozinho e em silêncio.
terça-feira, janeiro 06, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário