A minha humilde contribuição no Sempre a Produzir:
Deve ser um dos maiores lugares-comuns de sempre dizer que o futebol é o entretenimento dos burros, dos analfabetos, e que, como se costuma dizer, «não dá para perceber o interesse de ver vinte e dois tipos a correr atrás de uma bola durante uma hora e meia».
Pois eu, como humilde célula constituinte desta nação de burros e analfabetos, considero-me um devoto do futebol, esse «desporto sem interesse». Gosto de golos, fintas, craques, mascotes, tácticas perfeitas, jogadores conflituosos, santos, pecadores, guarda-redes elásticos e anões que, ao correr, fazem lembrar o Pepe Rápido.
Gosto de tudo isto e até do público português que enche as bancadas. Mas não gosto, desde o malogrado ano de 2004, dos adeptos portugueses.
Não gosto, dizia eu, de adeptos portugueses de futebol desde 2004, desde que Scolari «criou», a partir da sua cadeira do poder, uma nova raça de gente desmiolada que é capaz de atropelar cães e gatos para chegar depressa ao Parque das Nações, onde poderá ter uma oportunidade única na vida de – tal qual o eclipse do Sol, o cometa Haley, um beijinho do Papa ou um bom filme português – ver o jogo da selecção, em directo, juntamente com centenas de pessoas a cheirar a suor estival, a cerveja e a solas de sandália com mijo pisado, ao som de uma banda sonora que, de forma tão portuguesa, passa samba e música de discoteca às cinco da tarde de um dia solarengo.
Adeptos que não concebem outra coisa que não a vitória e que, ainda há poucos anos, apenas conheciam o Figo de vê-lo na Caras, abraçado ao Paulo China num obscuro bar do Algarve, ou, vá lá, o Secretário, por este ter andado a espancar prostitutas e a saltar janelas nos estágios da equipa nacional.
Ah, velhos tempos. Ainda me lembro de 1998, quando eu saía da escola, sem pêlos na cara ou quase em lado nenhum, a correr para ir ver o Croácia-Alemanha ou o Espanha-Nigéria e alguém me perguntava onde é que ficava a Croácia e a Nigéria, logo rindo de seguida (como se o PIB de um país fosse directamente proporcional à qualidade futebolística dos seus jogadores).
Lembro-me de gostar de futebol de selecções quando todos só se interessavam pelos jogos entre os «três grandes» portugueses. Tenho saudades de Mundiais desses, como o de 1998, em que só interessava o futebol, não o fervor nacional de cada um medido à régua (até porque Portugal nem foi apurado), e assim era, graças a Deus, cada um por si.
Ando, por isso, um pouco enjoado da loucura em redor da Selecção Nacional, com direito a novos censores do patriotismo de cada um de nós.
Petróleo a subir até aos píncaros? Crise.
Greves de professores? Sinal do estado das coisas.
Estradas bloqueadas, camiões parados, maternidades encerradas? Este país vai de mal a pior.
Mas quando entra a selecção em campo, para o melhor ou para o pior, o português esquece tudo, chama a Cristiano Ronaldo «o orgulho de todos nós», a Scolari «o representante máximo da nação» (juro que ouvi um jornalista português dizer isto) e obriga o vizinho a pintar a cara de verde e vermelho, sob risco de ser excomungado para sempre do bairro caso não o faça.
Este é daqueles Europeus que tenho visto com atenção, com entusiasmo e até com uma vontade secreta de ver Portugal chegar longe.
Mas ver jogos nos parques integrado na «comunidade», para isso deixem-me de fora. Deixo aos outros essa difícil tarefa de, pela simples vontade, levar um país falhado a emancipar-se por 90 minutos.
terça-feira, junho 17, 2008
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