sexta-feira, junho 13, 2008

Da escrita



A escrita. Uma das profissões mais difíceis do mundo quando levada a sério. Pode, é claro, ser uma das mais desejadas por muitas pessoas. Qualquer homem ou mulher, de criança a velho, que já escreveu com algum afinco, chegou a acomodar a ideia de um dia ser escritor, de ser um autor que alimenta os seus livros com letras mas que é alimentado pelos próprios livros. Pelos lucros, portanto.

Mas não são só as ideias e as letras que alimentam a escrita. É a própria vida do autor que alimenta o livro. A escrita pode sugar toda a vida de quem escreve. Os livros pouco dão ao autor. É uma relação disfuncional, uma relação unilateral em que um dos amantes se dá - e dá mesmo tudo - ao outro e acaba levando tabefe todos os dias, ao fim da noite, quando pensa que dá por encerrada a sua missão diária. Amou e derramou sabedoria, suor, lágrimas e sangue. Falou com, declamou para, gritou a. Mas não teve resposta. O manuscrito não fala de volta. Nem os livros já publicados, nas estantes, nas livrarias, na feira do livro em destaque, numa conferência literária em estudo, numa puta de feira de estação de Metro a um euro, dizem seja o que for ao escritor. O livro, a história, é um produto de uma mente com problemas a resolver, que decide resolvê-los, por experimentação, assim, escrevendo. Escreve-se porque não se tem mais onde pôr estas ideias, estas coisas que nos atormentam. Escreve-se porque se ouve e não se quer esquecer. Porque se pensa e se quer guardar um pensamento para sempre.

Porque a escrita não é mais do que isso. É o sinal da dupla incapacidade humana de conseguir guardar todos os pensamentos rápidos que se tem e de conseguir levar todos os segredos e ideias para a cova. Quando se morre é para sempre, e é por isso que, até lá, se põe tudo o que vale a pena - que passou pela nossa cabeça - em papel, numa escrita que não nos envergonhe nem à nossa língua. Caso se escreve apenas porque é bonito e porque fica bem juntar palavras sem sentido, então não se passa de um artista plástico esteticamente obcecado. É por tudo isto e mais que quem escreve se dispõe a esta relação de amor não correspondido com a folha em branco, uma relação que, muitas vezes, mata como qualquer outra em que «amante deixa amante». É por isso que escrevo. É por isso que todos escrevem e deviam escrever. Mas é por isto, sobretudo, que admiro os escritores profissionais.

1 comentário:

Victor Figueiredo disse...

Por esse motivo, mas sobretudo pela qualidade das ideias escritas, que admiro muitos escritores profissionais.