domingo, setembro 09, 2007

Dez livros que não mudaram a minha vida*

*A convite do Luís Ene, também participarei no desafio iniciado no meia-noite todo o dia pelo manuel a. domingos.

A menos que a leitura seja motivada por motivos profissionais, quando pego num livro, julgo que esse mesmo livro terá algum tipo de interesse. Nem que seja interesse intelectual. Parece-me, por isso, uma tarefa algo complicada enumerar dez livros que não tenham mudado a minha vida. Vejamos: neste momento, consigo afirmar que não aprecio os escritos de William Burroughs ou de Jack Kerouac. No entanto, apesar de ter a certeza de que a literatura beat não faz parte das minhas referências literárias, só após a leitura de livros como Festim Nu ou Pela Estrada Fora consegui chegar a essa conclusão. Ou seja, cada leitura é marcada por um interesse, por uma tentativa de tirar proveito de. Só após ter entrado no mundo de Henry Miller, consegui descobrir que os livros Trópico de Capricórnio e Trópico de Câncer pouco ou nada me interessavam. Se me perguntarem se aprendi alguma coisa com esses livros, não saberei responder convincentemente. Talvez tenha aprendido a fornicar uma mulher contra uma parede. Talvez tenha aprendido a desdenhar dos anos sessenta e setenta do século XX. Estou certo de que a minha vida não se transformou com estas leituras. De qualquer forma, deu-se uma mudança, uma aprendizagem, uma alteração de gostos.

A curiosidade abateu-se sobre mim quando, há poucos anos, conhecidos e amigos me falaram sobre Friedrich Nietzsche. Autor venenoso, língua em chama, caneta ardente. Comecei por ler o Anticristo e não gostei. Não apreciei, principalmente, o tom elevado com que Nietzsche aborda as Escrituras. A Origem da Tragédia foi outros dos livros que li e outro dos livros que não me agradou minimamente. Mais recentemente, peguei em Assim Falava Zaratustra. É inegável que estamos perante uma obra mais conseguida, mais pensada e mais bem elaborada do que as anteriores. Muitos dos temas de Nietzsche (vontade do poder, eterno retorno, homem superior, etc.) encontram-se na figura de Zaratustra. Todavia, não consegui, uma vez mais, ficar agradado com os escritos do autor. Talvez isso se deva à educação cristã que recebi em pequeno. Refira-se, apesar de tudo, que, se me dediquei à leitura do filósofo alemão, foi motivado pela curiosidade ou pelo referido interesse. Não tenho leituras do «porque sim». Há sempre uma motivação. Uma vontade de ingerir vitaminas para passar para etapas superiores. Foi o que fiz quando comecei a ler Schopenhauer, um autor de eleição.

Mas nem tudo o que se lê tem carácter pedagógico. Samuel Beckett dá-me puro prazer. Robert Walzer dá-me puro prazer. O mesmo se passa com Bioy Casares. Julgo, até, que é esse prazer da leitura que faz com que se pense na palavra de ordem deste desafio. «Livros que não mudaram a minha vida.» Um livro que não dê prazer é um livro que não muda uma vida, é um livro que não liberta. Guardo, porém, algumas reticências em relação a isso, já que, como referi anteriormente, uma leitura acarreta sempre uma mudança. Cada livro é um mundo, cada livro tem o seu universo interior. Ler um livro é entrar dentro desse universo. Não dá para dizer: não mudei nada com a leitura deste livro.

Se falarmos de literatura desprezível, daquela que vende trezentos milhões em vinte e quatro horas, não nos referimos a assuntos sérios. Um homem literato não pega no Alquimista de Paulo Coelho, não pega no Sei Lá da exótica Margarida Rebelo Pinto. Se pegar, bem, perde tempo, dinheiro e, possivelmente, juízo.

[Paulo Ferreira]

2 comentários:

Anónimo disse...

Do Nietzsche há a ler A Genealogia da Moral.

Victor Figueiredo disse...

Do alemão, acrescento Aurora.