domingo, novembro 26, 2006

Mário Cesariny 1923-2006



Não sou um adepto confesso do surrealismo. Mas uma parte do que leio ou procuro escrever hoje é, sem dúvida, influenciada pela irreverência que Cesariny deixou como seu legado. Essa irreverência, digna de muito respeito, ficou cá.

*

poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a contura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura


[João Carlos Silva]

sábado, novembro 25, 2006

Do sentimento

Head down to toes a reaction to you

(Elliott Smith)

[Paulo Ferreira]

Letras lapidares



Tom Waits:

One thing you can say about mankind:
There's nothing kind about man.


[João Carlos Silva]

quinta-feira, novembro 23, 2006

X

No local onde ela o deixou, desenhou o desgraçado um X. E todos os dias lá foi rezar para que ela para os seus braços voltasse.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, novembro 22, 2006

Silêncio

Vale a pena (mesmo a esta preguiçosa distância de três dias do fim-de-semana anterior) ler o ensaio de Alda Rocha, na revista Actual, sobre o silêncio. Numa referência mais literal aos sons e sua ausência, destaque-se a referência a John Cage e à sua célebre composição musical: «Em termos conceptuais não é possível falar-se de música sem silêncio, mas John Cage deu-lhe outra dimensão ao compor 4'33", uma peça em três movimentos, sem nenhuma nota. A primeira vez que foi apresentada, em 1952, inserida num recital de piano contemporâneo, David Tudor sentou-se, para se levantar quatro silenciosos minutos e meio depois».

[João Carlos Silva]

Um presente para Tom Cruise



Orelhas de cientologia.

[João Carlos Silva]

Homens santos

Um novo artigo de um sujeito desconhecido, intitulado «A infalibilidade humana na política». O assunto é inequívoco: como o próprio nome indica, o tema é José Sócrates.

[João Carlos Silva]

Memória

Na adolescência, houve uma repetição prolongada do mesmo acontecimento que me tornou num devorador de livros. Passo a relatar: o mais forte, o latagão, sempre que me via, digamos, entornando um pouco de conversa a alguém do sexo feminino, apertava-me os testículos, gritando: «agora, assobia jogador!»

[Paulo Ferreira]

Da perfeição nos cafés da cidade

Ele, de penteado perfeito, com o dente recentemente branqueado, disse, entre charmes e deslumbres, a quem quisesse ouvir que, dali, só saía com uma «toira» na palma da mão. A partir daí, basta ler o que Gibbon escreveu sobre o Império Romano.

[Paulo Ferreira]

Thom Yorke e eu IV

Pensei que, em vez de estar aqui a ressumar palavras por baixo do título «Thom Yorke e eu», deveria ter escrito poesia com florete e apelar ao nome de Cavafis. No entanto, o que aqui importa é a fealdade, nada mais.

[Paulo Ferreira]

Thom Yorke e eu III

Ele não sabia por que razão ela o ignorava, não sabia por que razão ela o fazia corar. Desconfiava ele que a culpa fosse das variações metereológicas ou de qualquer outra coisa menos relevante. De uma coisa, porém, ele não se esquecia, não se privava. De cantar.

I don’t know why
I feel so tongue-tied

Faltando a guitarra, ele colocava assobio.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, novembro 21, 2006

Thom Yorke e eu II

Abstinência, castidade. Palavras proibidas para quem se julgue esbelto. Dá-me, no entanto, a parecer que o significado contrário dessas palavras tem apenas que ver com carne, não com sentimento. É, aliás, por isso que um determinado bonitão, no momento em que encontrou o amor, começou a cantar «And for a minute there, I lost myself, I lost myself».

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, novembro 20, 2006

Thom Yorke e eu

Com o passar dos anos, fui-me esquecendo do essencial, do que realmente importa. Nos tempos de rapazola, não era assim. Gostava, por exemplo, de olhar para o rosto feio de Thom Yorke. Gostava de pensar que existe sempre alguém pior do que o espelho. Mas, como digo, com o passar dos anos, perdi a capacidade de reter o que interessa. Deixei de achar Thom Yorke feio. Deixei de ouvir Radiohead. E, a partir daí, o massacre fui eu. Até hoje, que voltei a dizer que o gajo que canta Karma police é feio.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, novembro 16, 2006

fanny



fanny, a grande
amiga de minha mãe,
ossuda, esgalgada,
de cabelo escuro e curto, e
filha de uma inglesa,

tinha um sentido prático
extraordinário e era
muito emancipada, para
os costumes da foz
daquele tempo.

uma vez, estando
sozinha no cinema, sentiu
a mão do homem a
seu lado deslizar-lhe
pela coxa. prestou-se a isso e

deixou-a estar assim,
com toda a placidez. mas abriu
discretamente a carteira de pelica,
tirou a tesourinha das unhas
e quando a mão no escuro

se imobilizou mais tépida,
apunhalou-a num gesto
seco, enérgico, cirúrgico.
o homem deu um salto
por sobre os assentos e

fugiu num súbito
relincho da
mão furada.
fanny foi sempre
de um grande despacho,

na sua solidão muito
ocupada num escritório. um dia
atirou-se da janela
do quinto andar
e pronto.

Vasco Graça Moura, Antologia dos Sessenta Anos

[João Carlos Silva]

quarta-feira, novembro 15, 2006

Subsídios (mais EPC)

Diz-se que há crianças que têm um «mau comer». Na verdade, penso que a maioria das mães se queixa disso, numa altura ou noutra do crescimento do filho. Mas também há as excepções. Por exemplo, veja-se o modelo EPC: sessenta e dois anos, mas ainda mama muito bem.

[João Carlos Silva]

Humor, mas do bom

Martinho Lutero foi o primeiro homem a chegar à idade da reforma.

[João Carlos Silva]

Dama do palácio

Escrever é a alegria sem dama.

[Paulo Ferreira]

Alma de pedinte

No soluço que antecede a lágrima, ele só se lembrou de lhe pedir «por favor, não vás!»

[Paulo Ferreira]

Neoplatonismo

Ela era tão excepcional que nunca mais ninguém a viu.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, novembro 14, 2006

Por amor de Deus!

Eduardo Prado Coelho, que ontem gastou a sua habitual crónica no «Público» a falar sobre os mistérios da noite, sobre a procura do Outro no Plateau, no Kremlin, no Lux, etc., faz hoje uma «peça» sobre Marques Mendes. Ora, parece que Eduardo Prado Coelho, à semelhança de Miguel Sousa Tavares, acha o líder do PSD «muito correcto naquilo que faz, mas apenas certinho, nunca brilhante», que é como quem diz, nada que se compare ao brilho do magnânimo primeiro-ministro. Mais à frente no texto, Prado Coelho, como se temesse que o leitor não fosse perceber que Marques Mendes foi apanhado pelo Demo,acrescenta que lhe «parece que um vento de loucura lhe varreu o cérebro.» Digo eu, que muito ignorante sou, que talvez umas mezinhas fizessem bem à alma do pobre Marques Mendes, uma vez que, para além da sua óbvia loucura recente, o homem foi feito «gato-sapato» por José Sócrates na Assembleia da República. É, portanto, de se considerar que Eduardo Prado Coelho, no seu artigo de opinião de hoje, consegue descortinar, na maior das perfeições, toda a acção e todos os problemas que têm envolvido o PSD e o seu líder nos últimos meses.

Eduardo Prado Coelho, sendo filósofo, crítico literário, colunista, ensaísta, professor universitário, enfim, um dos grandes intelectuais deste país, faz bem em expor a sua revolta sempre que esta seja necessária. Apoio-o quando escreve «Que vergonha, meu caro amigo!» Apoio-o quando associa Rui Rio a um «estalinismo larvar.» Afinal de contas, intelectual, neste país, rima com patetice.

[Paulo Ferreira]

Estilo político do doutor primeiro-ministro



Fato Armani, o grisalho como a melhor definição para o seu penteado.E, claro, seriedade, muita seriedade. Pelo desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, novembro 13, 2006

Metáforas da bola

Certo rapaz tinha uma escrita tão prolífica que passou directamente da «cantera» para a política.

[João Carlos Silva]

sábado, novembro 11, 2006

Conhecimento

Também Eduardo Prado Coelho atingiu o estatuto pretendido. De tanto dizer coisas sem sentido, já rima com corte epistemológico. Correcção, ele próprio é um corte epistemológico.

[João Carlos Silva]

Amor

De tanto insistir, lá conseguiu o que queria. João Pedro Pais, agora, rima com amor.

[João Carlos Silva]

Tom Cruise



Do fundo da minha indolente ignorância , afirmo que desconheço aquilo que se chama de Cientologia. Desconheço, de igual modo, o que leva um actor de elevado calibre a sentir-se fascinado pela saga Mission Impossible. Compreenderia melhor a aparição de Katie Holmes, não fosse a existência de Nicole Kidman um facto. Os saltos no Oprah Winfrey Show, esses, não me levam a compreender ou a qualquer outra coisa. Não me interesso demasiadamente pelos assuntos que levam os moralistas ao apupo. Se é aos pulinhos e a fazer macacadas que um homem quer tornar público o seu amor, que seja. Parece-me, no entanto, que Tom Cruise, um dos meus actores preferidos - admito-o sem qualquer tipo de vergonha- anda meio perdido. Anda a faltar-lhe qualquer coisa que aprecio em homens à séria, como George Clooney, George Clooney, ou até mesmo George Clooney. Refiro-me ao estilo, ao saber estar, ao possuir chá. É-me indiferente aquilo que Tom Cruise possa ou não fazer em público. Agora, o penteado mal arranjado ou o fato fora de moda, isso são coisas que me inquietam. Tom Cruise até poderia pertencer à Fenprof que não me incomodaria. Agora, aparições de galã fenecido não vão com nada.

Tom Cruise, como quase todos os grandes actores, já participou em dezenas de péssimos filmes. Porém, também se poderia dizer que, ao contrário de milhares de maus actores que raramente saem da cepa torta, Tom Cruise já se poderia vangloriar por já ter entrado em filmes, diria eu, absolutamente fantásticos. Eyes Wide Shut, de Stanley Kubrick, é um desses filmes que considero irrepreensíveis. Conseguiria um outro actor mostrar a loucura de um homem normal da mesma maneira que Cruise o faz no papel de William Harford? Duvido. Rain Man, Magnolia e Jerry Maguire são outros bons filmes, nos quais Cruise demonstra, de uma forma ou de outra, a sua capacidade para revelar a inquietação provocada pela suposta grandiosidade do sucesso. Numa outra linha, com menor qualidade, Vanilla Sky, adaptação americana de Abre Los Ojos, feita por Cameron Crowe, é a continuação dessa loucura sempre patente na cara bonita do homem que teve a coragem de abandonar a perfeita Kidman. De momento, não me consigo lembrar de um outro actor, digamos, belo, que consiga transformar o que, à partida, não é fácil - a beleza- em tique nervoso, em choro, em pena de quem assiste. Dir-se-ia que alguns filmes de Cruise são feitos para quem gosta de aplaudir a monódia trágica, o canto a solo.

Os thrillers interpretados por este actor já não me dizem muito. Nem Minority Report me consegue seduzir. Fazem lembrar o espírito do sempre aventureiro, mas não menos anedótico, Top Gun. Com efeito, julgo que, das maiores injustiças que se podem cometer, é colocar actores no espírito de Aquiles. Melhor: certos papéis, para chegarem a Aquiles, também deveriam incluir a morte pelo calcanhar. Ora, Tom Cruise, que demonstra, pelo carinho que nutre pelo Hunt de Mission Impossible, não demonstra o actor que é nesse tipo de filmes sem substância. Prefiro vê-lo em filmes em que se sofre e se chora, em que a gravata fica com baba e ranho.


Quanto à vida pessoal, julgo que a vida de Tom Cruise, para mim, será sempre um molde de Far and Away, filme que, segundo se diz, o juntou a Nicole Kidman. É o horizonte longínquo da pradaria que o faz correr pela dama e cometer as maiores infantilidades. É o sonho da terra prometida e da felicidade. Irei sempre associar a australiana a Cruise e Cruise à australiana. E não gosto de telenovelas. Quanto mais se gostasse.


[Paulo Ferreira]

Um poema

Tom Cruise em Eyes Wide Shut.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, novembro 10, 2006

Mudar de vida

Em declarações ao elaboradíssimo «Correio da Manhã» (jornal que, devido à minha grande erudição, não leio) Jorge Nuno Pinto da Costa, esse grande declamador de poesia, confessou ser um ex-grande viciado em tabaco. Chegou a fumar três maços e meio por dia. E não se ficou. Chegou a fumar no banho (pessoalmente, prefiro que digam «banhinho»). Mas, como sempre teve um grande querer, há vinte e cinco anos atrás, nos primórdios do futebol, Jorge Nuno largou tudo. Ricardo Quaresma, que estava ao lado do patrão na ocasião (que desconheço qual tenha sido), foi mais expressivo: disse, num tom que me pareceu de enjoo, que nunca lhes tocou. Nos cigarros. No cigano, porém, não acreditei.

[Paulo Ferreira]

Sobre violência II

Os artigos de Pulido Valente a puxar escarro.

[Paulo Ferreira]

Sobre violência

Alguém afirmar sem corar que Maquiavel ensina governantes a governar e, no raciocínio seguinte, escandalizar-se com o cão peludo do Casal Arnolfini (Van Eyck).

[Paulo Ferreira]

Entrevista

A ler, a pequena entrevista do amigo Bruno Alves no Miniscente. Leia-se também o que o desesperado escriba escreveu a propósito do último filme de Scorcese.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, novembro 09, 2006

Da sinceridade

Sinceramente, já nem vale a pena surgir em campo e sujar a roupa lavada contra eles.

À moda do outro, mais sinceras só as diarreias do Barroso.

[Paulo Ferreira]

Momento

«Ele tem uma grande capacidade criativa, está mesmo a despontar!», disse eu a alguém, no grande momento Jardel da minha vida. Depois calei-me, sem marcar um golo ou sequer receber um aplauso pelo meu calo histórico (a barriga).

[Paulo Ferreira]

Goodbye, Maria Ivone



Algo me diz que a demissão de Donald Rumsfeld, que já veio com um par de anos de atraso, vai ser mais mencionada do que a guerra no Iraque nos próximos tempos. Pelo menos, já deu aspecto de largar lastro no mar.

[João Carlos Silva]

quarta-feira, novembro 08, 2006

Ao toque do punho

Vergílio Ferreira diz num dos seus livros que toda a educação é uma violência.

[Paulo Ferreira]

Um ser violento IV

Voluntarismo: «the pen is mightier than the sword». Facto: os primeiros homens, antes de tentar escrever, tentaram matar-se uns aos outros.

[João Carlos Silva]

Gerir o tempo

No seguimento de parábolas literárias sobre o debate do Orçamento do Estado, o meu caro amigo Bruno Alves ensina a gerir o tempo:

Alberto Martins começou a discursar. Melhor momento para ir à casa de banho, só a intervenção daquela senhora d'"Os Verdes".

[João Carlos Silva]

terça-feira, novembro 07, 2006

Um ser violento III


A Clockwork Orange (1971)

[João Carlos Silva]

Um ser violento II

Procurava causas para justificar um temperamento violento, até que Primo Levi me abriu as portas de Auschwitz-Birkenau e me explicou que nem tudo precisa de razões. Nem a violência. Nem a morte. Nem a sobrevivência:

«Lutámos com todas as nossas forças para que o Inverno não chegasse. Agarrámo-nos a todas as horas tépidas, a cada fim de dia procurámos reter o Sol no céu mais um pouco, mas tudo foi inútil. (...)

Em Birkenau a chaminé do Forno Crematório fumega há dez dias. Estão a arranjar lugar para um enorme transporte que está prestes a chegar do gueto de Posen. Os jovens dizem aos jovens que serão todos os velhos a ser escolhidos. Os sãos dizem aos sãos que serão só os doentes a ser escolhidos. Os especialistas serão excluídos. Os judeus alemães serão excluídos. Os Números Baixos serão excluídos. Tu serás escolhido. Eu serei excluído.» (Se isto é um homem, 1958)

[João Carlos Silva]

Um ser violento I

O aço. Sempre o medo do aço. Uma vida inteira a aprender a lidar com ele, na mesma medida em que, desde cedo, aprendi a evitá-lo. As crianças brincavam com pedras, paus, bolos de madeira ou de areia, a gravilha na palma da mão. Para arremessar a um adversário tudo servia.

Mas curiosamente, ninguém se atrevia a empunhar qualquer objecto feito em aço. Estava reservado aos mais crescidos, versados na arte da guerra. No fundo, no fundo, o aço não era mais que o formato da morte - conceito estranho e algo temível a uma criança que apenas queria conhecer a violência.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, novembro 06, 2006

Travesti

Hoje, afirmei que o Manifesto do Partido Comunista é um panfleto interessante.

[João Carlos Silva]

O estado das coisas



A recuperar de um longo dia...

[João Carlos Silva]

Ler mal


Ernst Jünger conhecia as batidas do coração. Viu a trincheira. Cheirou a mistura de sangue com pólvora. Falou de guerra como experiência interior. A multidão, por seu lado, assustada com a fotografia da realidade, colocou o nome de Hitler nos livros do pensador, confundindo, desse modo, as leituras.

[Paulo Ferreira]

Literatura em Maquiavel II

E os homens em geral julgam mais pelos olhos que pelas mãos, porque ver é coisa que toca a todos, e sentir a poucos.

- Maquiavel, O Príncipe

[Paulo Ferreira]

Literatura em Maquiavel I

Oferecendo-se David a Saul para ir combater com Golias, provocador filisteu, Saul, para lhe dar ânimo, armou-o com as suas armas, as quais, depois de as ter vestido, David recusou, dizendo que com elas, se não poderia bem valer de si mesmo, e que queria defrontar o inimigo com a sua funda e o seu punhal.

- Maquiavel, O Príncipe

[Paulo Ferreira]

domingo, novembro 05, 2006

Vida trágica

Um homem nunca ter sido grande espingarda e não ter perspectivas de um dia vir a ser.

[Paulo Ferreira]

Crítica literária portuguesa

Eu, de Florbela, apenas gosto do nome. Espanca.

[Paulo Ferreira]

Arriscar a guilhotina é isto:

Ary dos Santos, nome de poeta (um bom brasileiro chama sempre o castiço de poeta), poesia zero.

[Paulo Ferreira]

A noite

O homem medieval acreditava em mitos e lendas que, para o homem de hoje, são susceptíveis de alimentar boas anedotas de café. No entanto, na Idade Média, espaços como a floresta estavam relacionados com o desconhecido, com o misterioso, com o funesto. A noite era a altura do dia em que os medos invadiam os espíritos amedrontados . Ou seja, naquela altura, o atraso empírico era grande e as fronteiras por ultrapassar eram muitas. Só no século XIV é que se começam, por exemplo, a refutar as concepções cristãs da Terra plana.

Pois bem, eu que não sou um homem medieval, no sentido cronológico do termo, sinto-me, por vezes, ligado àquela época. Principalmente, quando a noite chega. Para mim, a noite é a vivência de vários mitos ao mesmo tempo. Em criança, o fim da tarde significava o aparecimento da mula de sete cabeças, o demónio que se escondia atrás dos postes de electridade. Mais tarde, outros monstros apareceram com a noite. Refira-se, no entanto, que, à medida que o corpo foi crescendo, os monstros metamorfosearam-se. Comecei a temer discotecas, homens de pouca temperança, mulheres despudoradas, enfim, ambientes sociais que implicassem certa ciência. Como não sou muito ligado a mezinhas, cheguei à conclusão de que, para indivíduos como eu, a única solução eficaz para combater a noite seria ficar em casa. E assim tem sido. Tranca-se a porta de casa e começa-se a ler, a escrever, a namorar. Os caros caderninhos pretos que ficam sempre bem ao homem pretensioso, têm-me dado jeito. Os livros que não se podem ler na rua também. Porém, de certa maneira, a reclusão caseira não consegue ser total, uma vez que os medos e as memórias persistem.

Há quem diga que é no escurinho do quarto que o sentido de humilhação mais se dá a mostrar. De certo modo, concordo. Todavia, é bom não esquecer que a noite, para além de ser violenta para os que não convivem, humilha. Embora se possa afirmar que, se o escurinho do quarto é o espaço de eleição para a memória e a lembrança do que fracassa, a noite e a rua são os espaços onde essas memórias acontecem.

As definições de noite, na maior parte dos dicionários, devem ser, mais coisa menos coisa, estas: f. Espaço de tempo que vai desde o crepúsculo da tarde até o crepúsculo da manhã. Escuridão. Noitada. Fig. Trevas do espírito. Ignorância. Noite velha, alta noite. Gosto de pensar em noite como metáfora para uma certa realidade. Treva de espírito e ignorância, escuridão e cegueira. Insónia, desvelo. Tudo isto é noite. E eu sou o pássaro fissirrostro, uma pessoa que só aparece de noite, mas onde? Não na rua, não na paisagem social. No fundo, sou o pássaro de bico fendido que se encontra com os lençóis, com a caneta. E nem sempre.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, novembro 02, 2006

Obra poética VIII

Poesia transatlântica: uma brasileira chamada Maria-você-me-mata.

[João Carlos Silva]

Obra poética VII

Uma brincadeira a duas mãos sobre poesia: dois homens, nenhum destino.

[João Carlos Silva]

Obra poética VI

Desconfio sempre de um poeta que saiba voar.

[João Carlos Silva]

Obra poética V

Poesia: trasladação do corpo.

[João Carlos Silva]

Sobre poesia XI

A poetisa Sylvia Plath morreu com a cabeça dentro do fogão.

[Paulo Ferreira]

Sobre poesia X


Elliott Smith

Um cantor matou-se com duas facadas no coração.

[Paulo Ferreira]

Sobre poesia IX

A pogoníase de Frida Khalo.

[Paulo Ferreira]

Sobre poesia VIII

Em 1938, na cidade de Paris, um «estranho» passa pelo génio e desfere-lhe uma facada no peito. Pouco tempo depois, aparece Suzanne Deschevaux-Dusmenoil e «é» para toda a vida.



[Paulo Ferreira]

quarta-feira, novembro 01, 2006

Obra poética IV

A primeira coisa que se deve ver na obra de um poeta é a seguinte: porque sofre. A segunda coisa: como sofre. Ninguém procura uma cura na poesia.

[João Carlos Silva]

Obra poética III

Sou um homem do contra. Aprendi a preferir:
- uma poesia prosaica;
- uma prosa poética.

[João Carlos Silva]

Obra poética II

Qualquer poeta que se preze deveria conseguir, ou saber, escrever «estou aqui».

[João Carlos Silva]

Obra poética I

Uma referência:


Paul Celan

[João Carlos Silva]

Sobre poesia VII


O cigarro de Samuel Beckett como sinal de algo maior.

[Paulo Ferreira]