sábado, março 29, 2008

À bruta

Alguém chegou a este blogue em busca de Telma Monteiro sexo à bruta. O Causa das Coisas agradece, é claro, a imagem mental criada pelo leitor.

Primeira Antologia de Microficção Portuguesa



Já está disponível nas livrarias a excelente (e talvez pioneira) iniciativa de pôr em livro a micronarrativa portuguesa e abrir espaço na literatura portuguesa para este género. A editora é a Exodus e a Primeira Antologia de Microficção Portuguesa pode ser vista e encomendada, pelo menos, aqui. Eu, que dei o meu humilde contributo em palavras para a antologia, sob a batuta persistente e paciente de Rui Costa e André Sebastião (selecção e organização), não posso deixar de me sentir babado por me ver ao lado de excelentes prosadores nacionais.

Os erros de Soljenitsin



O Erro do Ocidente, de Alexander Soljenitsin, não é uma obra na verdadeira acepção da palavra. O livro (disponível em português em edições já escassas da Europa-América) não foi concebido pelo autor para ser um livro mas sim construído a partir de artigos do mesmo nas revistas Time e Foreign Affairs. Nesta última, o artigo publicado foi agressivamente dirigido aos EUA, acusando-os (e ao Ocidente em geral) de um paternalismo ignorante da verdadeira cultura dos Russos. Para Soljenitsin, os americanos têm o defeito de não acreditarem que a Rússia é um país de confessas virtudes atacado pelo «vírus do comunismo». Para o escritor, a Rússia czarista está pejada de virtudes, de progressos médicos e sociais, de liberdades e de tolerância religiosa. Ou seja, os russos rejeitaram e rejeitam (durante a Guerra Fria) o comunismo. É um acesso fantasista, o de Soljenitsin, que afirma que Rússia e União soviética são dois conceitos impossíveis de misturar, tal como água e azeite. Diz o próprio em frase que põe em balança a importância do nacionalismo russo (com o qual ele se identifica): «...uma Rússia a caminho a cura faria recuar a loucura comunista. O renascimento e a libertação nacional russos significam a morte do comunismo russo e, seguidamente, a do comunismo mundial».

De um ponto de vista estratégico-político, o nacionalismo russo de que Soljenitsin falava seria, de facto, um golpe fatal e endémico no comunismo. Mas isso não retira a natureza russa do comunismo russo. Este não teve o género de violência irracional e descontrolada que teve nas experiências asiáticas, mas os métodos calculados de destruição da sociedade, da economia e do próprio povo da Rússia, levados a cabo por Lenine e Estaline, não são isolados da história da Rússia. O conceito de participação democrática nos destinos do país é algo que, mesmo antes de 1917, é pouco claro naquele país. Ainda hoje, se tenta definir e perceber até onde é que, na Rússia de Putin, chegam as liberdades pessoais e a democracia.

sexta-feira, março 21, 2008

Contre l'équinoxe

Os meus votos de apoio ao Bruno, para mais esta luta pela sobrevivência na mudança de estação. Eu, como filho da sinusite, percebo a tormenta de não ter uma meteorologia estável durante toda a minha existência.

Da Frente Popular


Para os homens de esquerda, a Frente Popular é uma grande data da história social e da reforma social em França. Pensam evidentemente nas manifestações, no entusiasmo, nas férias pagas. Pensam na redução da duração do trabalho, no aumento dos salários. Houve certamente durante algumas semanas para muitos, uma ilusão lírica de semi-revolução pacífica. Mas há uma metade da França, uma metadezinha da França, que se lembra por seu lado daquela espécie de anarquia, da ocupação das fábricas, do pôr em causa da sua ordem. Aqueles que não são de direita nem de esquerda, ou quando muito se esforçam por estar acima de ambas, são, como eu próprio, partilhados entre dois fortes sentimentos. De um lado, sem sombra de dúvida, foi um grande movimento de reformas sociais e do outro aquilo foi uma política económica absurda, cujas consequências foram lamentáveis. Agora quando se celebra a Frente Popular na esquerda é um tanto a propensão da esquerda para celebrar as suas derrotas, porque, ao cabo de seis meses ou de doze meses, a Frente Popular estava perdida, e a derrota era devida a uma política económica insensata.

Raymond Aron, O Espectador Comprometido

O estado das coisas



Novamente apaixonado pela NBA, graças às limpezas que os Boston Celtics têm feito aos seus adversários (Kevin Garnett é, cada vez mais, um jogador do outro mundo).

Psycho



Clássico que também resolvi descobrir é Psycho, de Alfred Hitchcock. Sobre ele, pouco tenho a dizer. Sobre obras de génio, quanto mais palavras se gastam, mais se estraga a delicada embalagem que as envolve. Puco tenho a dizer: grande, grande, grande filme. Hitchcock e Freud a «darem» muito de si para a obra-prima que é Psycho. Anthony Perkins tem a actuação de uma vida, e com razão. Eu pensava que Psycho era um cliché. Enganei-me: é mesmo uma obra de génio.

Willy Wonka



Charlie and the Chocolate Factory, realizado em 2005 por Tim Burton, não é um mau filme. Aliás, Burton é um dos meus realizadores preferidos (revi, recentemente, Big Fish e este continua a ter a mesma magia de sempre) e o filme encaixa-se bem no seu percurso. No entanto, passei a ver a história de Roald Dahl com outros olhos depois de ter visto, na semana passada, o anterior filme sobre Willy Wonka e a sua fábrica de confeitaria.

Em 1971, Mel Stuart trouxe-nos uma visão sobre os pirralhos que visitam a fábrica de Wonka e desta visão brotou uma grande obra da Sétima Arte. Willy Wonka & the Chocolate Factory é um mimo. Não tem certos elementos inculcados por Tim Burton: não há uma simpatia pelas personagens trágicas nem uma caricatura geral destas e do ambiente; não há os recursos visuais que estão disponíveis em 2005; não há a deriva de argumento que se nota um pouco na «versão» de Burton; e, sobretudo, não há um Willy Wonka (à la Johnny Depp) com ar de pervertido sexual, a pedir uma maquilhagem como a dos Kiss.

No Wonka de 1971, a moral impera. As crianças são, de facto, pirralhos irremediáveis na sua maioria, e Mel Stuart faz questão de o afirmar, em letras bem gordas nas partes mais musicais, apontando os dedos aos pais que estragaram a personalidade aos filhos. Mel Stuart tem mesmo uma palavra a dizer sobre as crianças que não pegam em livros, e isto, em televisão, é um tesouro. Gene Wilder tem uma excelente interpretação de um Willy Wonka menos absorvido na sua loucura mas mais cínico, com mais maldade e ironia. Para minha surpresa, Willy Wonka & the Chocolate Factory, de Mel Stuart, é um excelente filme. Para quem não viu, devo aconselhar a vê-lo. Se já viu o de Tim Burton e não gostou, não se rale: dê uma chance a esta versão e vai ver que se pode surpreender. Foi o que aconteceu comigo.

segunda-feira, março 17, 2008

Dos massacres na Bósnia

Here [in Bosnia] was genocide. Where was the United Nations? The answer is that it was right there; indeed, with grotesque irony, its forces effectively presided over the worst of the genocidal atrocities.

Niall Ferguson, Colossus

Sobre Saddam

Considering the list of Saddam´s violations of international law and his manifest contempt for the numerous UN Security Council resolutions he had inspired - seventeenth in just four years - the only mystery is why Iraq was not invaded before 2003.

Niall Ferguson, Colossus

Work in progress

TV voto

Ontem, uma vez mais, perdi o meu preciosíssimo mas inutilíssimo tempo a ver uma edição do saudoso Raios & Coriscos na RTP Memória. Como muitos saberão, o programa apresentado por Manuela Moura Guedes foi um grande ícone da «televisão bizarra», juntamente com, vá lá, o Programa do Além, apresentado por Teresa Guilherme, onde um homem ressuscitou um canário com o pescoço partido.

Ressuscitações à parte, o que se passou no Raios & Coriscos de «ontem», que tinha o tema da «Prostituição» e apresentou como convidado principal o major Valentim Loureiro (convite não deliberadamente relacionado com o tema), foi um excelente caso de plebiscito popular e que dá razão a um recente pedido de Valentim (que queria ser julgado na televisão, pelo «povo»): o major, reputado político corrupto e bon vivant (ou, numa versão mais prosaica e menos Casanova, reputado mafioso e putanheiro), resolveu a meio do programa lançar um longo discurso improvisado acerca das condições sociais e económicas em que as pobres raparigas viviam e de que como ele garantia que ia fazer tudo para combater estas causas de desigualdade social. Elevando a voz, tornou-se o centro das atenções. Ao gritar, causou tumulto entre os outros convidados e recebeu uma chuva de palmas da plateia.

Como sempre na história política, ganha quem grita mais e melhor. O povo apoia quem se zanga. Parece séria e firme, a expressão de um homem como Valentim Loureiro, quando grita com alguém. Aplaudem as pessoas, em voto virtual que se perpetua no futuro. Os tubarões da política local, como Valentim, agradecem.

Buckley Jr., 1925-2008



Já conheci William Buckley Jr. em idade mais tenrinha. Não aos 17 ou 18 anos, como muitos começam a conhecer os seus modelos e os tornam em ídolos de forma imediata. Mais desobstinado, eu apenas começei a ler textos de William Buckley Jr. há poucos anos, quer seja na National Review (que pouco compro pela raridade da oferta), quer seja online. Buckley deixou-nos, sobretudo, um pensamento político muito importante, uma linha (flexível e «adaptável», no bom sentido) que não encarrilava pela «união» dos conservadores americanos mas sim pelo debate e combate internos. Ambicionava-se uma saudável separação das águas, embora não querendo ser uma publicação exclusiva de uma direita. A National Review, filho pródigo (embora consensualmente em crise de identidade) de William F. Buckley Jr., foi um dos seus maiores legados. Tal como a revista, a morte de Buckley passou despercebida aos portugueses. Mas ainda há, felizmente, quem reconheça a sua importância. Importância esta que, na segunda metade do século XX americano, é incontornável.

My Fair Lady

Enquanto lia a peça Pigmalião (aliás, genialmente cínica), de Bernard Shaw, estava convencido que encontrava humor na erudição. Lia Shaw, afinal de contas. Já outras vozes, ao espreitar o mesmo livro, diziam-me que eu lia uma versão do My Fair Lady. Infelizmente, parece ser verdade. E o filme de George Cukor talvez mereça a espreitadela nostálgica. Eu, que nunca vi o My Fair Lady ou nada sobre este, dou agora por mim a pensar: será que, afinal... gosto de musicais? Será que os musicais têm então substância? Reviralhos da vida.

Pigmalião

HIGGINS-... Se voltares eu continuarei a tratar-te exactamente da mesma maneira como te tratei até aqui. Não posso mudar o meu feitio; não tenciono mudar de maneiras. As minhas maneiras são exactamente iguais às do coronel Pickering.

LIZA- Isso não é verdade. Ele trata uma florista como se ela fosse uma duquesa.

HIGGINS- E eu trato uma duquesa como se ela fosse uma florista.


George Bernard Shaw, Pigmalião

terça-feira, março 11, 2008

To Die For

quinta-feira, março 06, 2008

Robin Hood em Setúbal

Já está disponível o meu último artigo no Setúbal na Rede, aqui.
Na origem do artigo, está o sentimento de insegurança reinante em Setúbal. Um excerto: «A senhora Meira tem em crer que o que falta aqui é “inclusão social”. Ou seja, que o crime e a insegurança em Setúbal vêm dos problemas de “exclusão social”. E resolveu vender esta teoria de Hollywood aos munícipes da cidade. Acredita a senhora – e os comunistas na Câmara, pois então – que a “Setúbal rica” está sob o fogo da “Setúbal pobre”. Ora, ou a senhora andou a ler Dickens à balda e acha que estamos no tempo das crianças que roubam maçãs do expositor da mercearia, ou então anda a tentar atirar-nos areia para os olhos com esta fábula de Robin Hood na qual o que se está a passar é uma espécie de justiça social que comete o único erro de ser feita à bruta».

Insónias

Depois de uma noite a pé para ver o resultado das eleições primárias no Texas e no Ohio, fiquei com os sonos trocados. Mas com a certeza redobrada de que, mesmo que a insuportável Hillary Clinton ganhe a nomeação, isso só vai melhorar a situação de John McCain na corrida à presidência. Fico só com pena de Obama não estar a responder como devia ao «cerco» da campanha de Hillary, o que só mostra a diferença de experiência e «tomates» entre os dois, muito embora isto não seja uma razão (sobretudo tendo em conta a natureza das últimas investidas contra o rival democrata) para ter a senhora do sorriso em boa conta.

Manhattan



O filme começa com uma passagem lenta do argumento, «paisagístico», num passeio turístico por Nova Iorque, mais precisamente por Manhattan. Woody Allen começa assim a sua filmagem do excelente Manhattan, um dos melhores filmes do mestre. Os diálogos são a pedra de toque neste filme, como em todos os outros. Mas, um pouco diferente de outros filmes de Allen, Manhattan traz ternura nas relações, sobretudo na relação de Isaac (Woody) com Tracy (Mariel Hemingway). Uma vez mais, não é uma lição sobre a Humanidade nem sobre o Amor. Quando muito, é uma advertência sobre como não se pode viver em Nova Iorque sem um bom psicanalista.

quarta-feira, março 05, 2008

Conquistador



Hugo Chávez podia perfeitamente, nesta imagem, estar a pedir às alminhas dos céus que protejam as suas aventuras na América do Sul, que protejam a sua sorte ao meter-se onde não é chamado e ao mostrar a sua gula a todo o continente. Numa visão mais política e menos subjectiva, está, seguramente, a pedir aos céus que não metam os Estados Unidos no que se vai passar na Colômbia. A guerra no Iraque (e a consequente ocupação dos recursos militares americanos) foi o melhor que aconteceu a Chávez.

terça-feira, março 04, 2008

Napoleão em 1808 e 2008

Os Napoleões chegam e partem, seja qual for o país. O pecado (grego) da hubris atinge qualquer homem ou mulher embriagado de poder, seja esse poder dado pelo cargo ou dado pelo triunfo. É claro que depois dependerá do sítio onde esse Bonaparte governa. Em pequenos países com pequenos costumes, os Napoleões triunfam de forma diferente, e com um horizonte peculiar. Isso não quer dizer que, em 2008, não existam personagens portuguesas com um «apetite» igual ao de Bonaparte de 1808.

Veja-se um excerto de The Age of Napoleon, pequeno livro sobre o também pequeno ditador da Córsega: «Ruling a France intoxicated with glory, after Tilsit the Emperor was no longer in a mood to listen to anybody. He closed down the Tribunate and, on Talleyrand's resignation, replaced him by the docile, sycophantic Minister of the Interior, Champagny. Among other changes, a more rigorous court etiquette kept everyone literally at arm´s length, unable to approach him without the approval of Duroc, Grand Marshall of the Palace. Thus Napoleon became surrounded by sycophants, a sure sign of the corruption of power».

sábado, março 01, 2008

Minguante


A Minguante nº 9 já está disponível. Dentro dela, entre excelentes textos e e-books, mais um texto muito modesto da minha autoria.

O sonho apodrece

Coitado do Rodrigues... Plantara a vida no sonho, o sonho apodrecera. Passava tudo por ele tão depressa... Queria que o sonho durasse. Segurar o instante perdido - as gerações novas chegavam, partiam, ele ficava ainda. Uma bala suicida sagrou-o enfim jovem para sempre.

Vergílio Ferreira, Apelo da Noite