Quer acreditemos ou não, quer nos interesse ou não, é um facto: ainda há philosophes. Pior ainda, há-os em Portugal. A inabalável crença numa Razão superior aos homens está aí para as curvas. Ai não, que os padres do Norte são retrógrados e cinzentões, embotados e ridiculamente castos, não percebem nada dos dramas das mulheres e dos homens, ai, ai, nada disto tem a ver com Deus. «Não metas a pata, ó Altíssimo, que a verdade queima!», diria o jornaleiro existencialista. Então, por substituição, consulte-se essa presença permanente por cima das nossas cabeças - como uma auréola - a que chamamos Razão.
Verdadeira enciclopédia do savoir faire superior, a Razão, para muito homem versado na leitura livre de obras filosóficas, guia os espíritos como a estrela de Belém. Encontraremos sempre o que queremos, no destino dessa estrela. Se não encontrarmos o que queremos, ao menos teremos algo que nos faz falta. Se não fizer falta, teremos algo que, «racionalmente», fará falta a outro alguém. Se não fizer falta a ninguém, então ao menos é algo giro, vá lá. E se não tiver piada nenhuma, então tivemos, ao menos, um notável exercício da Razão. Sem sentido? Não diga isso. Consulte a Razão que plana por cima da sua cabeça. Continua a não haver sentido? Então peço desculpa: é um palerma irracional que a Razão não dotou de uma sensibilidade superior para encontrar abstracções inúteis no Universo por nós criado.
Philosophes. De facto, criaturas extraordinárias. Por tudo isto, admiro uma nova velha máxima. Ou seja, como diz o jornaleiro existencialista: «prefiro ser um burro-filósofo do que um filósofo-burro». Que é o mesmo que dizer que, quando digo disparates, gosto que os atribuam a mim, e não à sô dona Razão.
[João Carlos Silva]
sábado, fevereiro 24, 2007
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