terça-feira, fevereiro 27, 2007

Cidades amuralhadas

No fundo, o trabalho intelectual pouco difere do exercício comum da pessoa comum que pára para pensar. Um historiador, como um filósofo ou um sociólogo, apenas se ocupa com levar a curiosidade um pouco mais além. Transformar essa qualidade numa pretensão científica, num requisito que o junta a uma comunidade fechada ao exterior, é que, para além de retirar qualquer sentido à actividade intelectual, já roça o egotismo infantil.

[João Carlos Silva]

2 comentários:

Anónimo disse...

Discordo de ti, como deves saber à partida. Até porque esta questão não é propriamente inédita no nosso reportório de troca de ideias.
Não acho que áreas do saber como a filosofia, a história, a sociologia ou até mesmo a psicologia, que me é a mais próxima, possam ser diminuídas ao estatuto de áreas menores apenas pelo seu carácter mais subjectivo, mais abstracto e mais dependente da capacidade de raciocínio e racionalidade humana. A filosofia por exemplo, implica que se faça uso dessa capacidade de raciocínio de um modo mais estruturado e sistemático do que é feito, imaginemos, pelo Zé da Tasca quando se questiona acerca da existência ou não de Deus. A sociologia e psicologia por exemplo, fazem um uso constante da metodologia científica, na tentativa de verificação de pressupostos teóricos. Obviamente, que os caminhos que são percorridos para a obtenção do conhecimento podem ser muito variados consoante a área em questão. Não podemos esperar de que algum filósofo surja com uma fórmula para por exemplo definir o que é o conhecimento. Esta tentativa de obtenção de conhecimento na filosofia é feito através da confrontação de ideias e análise de argumentos. Ou seja, claro que a filosofia não é uma ciência propriamente dita, já que não utiliza o método científico, no entanto, apesar disso julgo que o conhecimento que nos transmite não se torna menos valorativo por isso. As tentativas de sistematização do conhecimento que se tenta realizar em filosofia, não acho que possam necessariamente ser consideradas como tentativas de atingir um pretensiosismo científico, mas apenas a tentativa de obter uma compreensão mais clara da realidade e experiência humanas. Como, em última instância, todas as áreas do saber humano.
E para além disso não deves confundir o prentensiosismo existente numa área (que no fundo existe onde quer que existam seres humanos)com a própria área em si, ou os pressupostos básicos e objectivos da mesma. E claro, onde existe pretensiosismo, existe necessariamente um determinado grau de fechamento. Agora, penso que nesse caso a questão que colocas se calhar não deve ser direcionada à filosofia, história ou sociologia e si, mas antes às pessoas que a fazem, mais especificamente em Portugal, onde, quanto a mim, esse pretensiosismo e fechamento são muito patentes.

Beijinhos.
=)

a causa das coisas disse...

O que eu sempre duvidei é da Filosofia enquanto disciplina ordenada. Tem «bases» (falsas bases) intelectuais a partir das quais trabalhar uma ideia sem ser necessário fundar por completo essa ideia, essas bases. A partir daí, deve ser uma disciplina livre, apenas respeitadora (mas não reverente) de todos os anteriores estudos, ensaios, linhas de pensamento, etc. Fora disso, e independentemente da escola filosófica, o universo da abstracção é demasiado vasto para que se possam estabelecer leis. No fundo, se formos ver, a abstracção do mundo das ideias é tão completa que não existe nada. Ou seja, um filósofo é, em grande parte, um criador. E nós (homens e mulheres vulgares) nada podemos contrapôr a uma nova teoria, já que o seu tronco não é visível, não é analisável (exceptuando casos de aplicações mais práticas da filosofia, como a ética, por exemplo). Se esta distância inevitável do pensamento filosófico, da sua abstracção, em relação às pessoas é positiva ou negativa, cabe a cada um responder. Essa é a beleza da filosofia: a liberdade de pensamento. Fora disso, é uma masturbação intelectual de muitas mentes. Ideias que se comem umas às outra em vão, como se houvessem ganhado vida.

Temos, por exemplo, o caso de Vergílio Ferreira em Portugal. Dos seus romances. Há mais filosofia nos romances da segunda metade da sua vida do que em qualquer tratado filosófico português do qual eu tenha memória. Como na ficção não se mencionam conceitos rígidos, conceitos operacionais, nem se arroga o homem como filósofo, a desconfiança nasce. Nem sempre as ideias precisam de ser pensadas com termos académicos, a não ser em casos específicos. Por vezes, para serem expressas, basta uma parábola, uma história, um poema.

Uma curiosidade: se a filosofia fosse realmente algo perto de uma ciência ou, pelo menos, de uma disciplina que consegue os chamados «avanços», porque razão Platão é ainda hoje um autor corrente? Ou os tratados de Aristóteles valiosas obras de filosofia (e não só)? Será, provavelmente, pelo facto de a filosofia ser apenas uma disciplina que compila, relembra e interpreta as investidas dos homens, de variados homens, em tentar uma explicação de algo que não pode ser respondido no nosso mundo. De resto, não deve ter outras pretensões que essas. Não deve prometer soluções. Nunca se vai desenvolver. O que seria de nós se os médicos actuais ainda se baseassem em Hipócrates?

Beijinhos,

joão