quarta-feira, junho 28, 2006

De um jovem promissor:

«Por amor de Deus, faça biografias do doutor Sá Carneiro.»

[Paulo Ferreira]

terça-feira, junho 27, 2006

Calças Brancas

A série Miami Vice marcou tanto a minha infância que, ainda hoje, me imagino na pele do homem que prendia criminosos sem sujar as suas calças brancas. Bum!, Bum!, tiro neste, tiro naquele e o Nené sempre de camisa limpinha.


Don Johnson

[Paulo Ferreira]

Gender Studies III

Ao ler Lust, da austríaca feminista Elfriede Jelinek, apercebi-me de que se usam palavras como «piça», em vez de «pénis», para dar mais ênfase ao «instrumento» da personagem do director. Presumo que, ao fazer a tradução para o português, a tradutora não se tenha excitado com o que ia lendo, caso contrário, a «piça» não viria da austríaca mas sim da vagina e eu estaria enganado na colocação da empáfia. De qualquer forma, se fosse eu a traduzir o texto original, usaria lexemas como maça, moca, clava, ou mesmo cachaporra para definir aquilo que nunca pode ser «piça». Piça, piça, mas qual piça qual quê! Piça faz lembrar pinça e a coisa tem de ser grande.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, junho 26, 2006

Earth


KELVIN : I work in the city now. After work I wander and lose myself. I am silent and attentive. I follow the current. I make a conscious effort to smile, nod, stand, and perform the millions of gestures that constitute life on Earth.



(George Clooney em Solaris, de Steven Soderbergh)

[Paulo Ferreira]

De uma mente paradoxal

«A doença passou-lhe mas o medo da morte não.»

[Paulo Ferreira]

Gender Studies II

E nunca se satisfazem os senhores, mesmo que nos fizéssemos de rainhas.

- Elfriede Jelinek, Lust

[Paulo Ferreira]

Gender Studies


Elfriede Jelinek

[Paulo Ferreira]

sábado, junho 24, 2006

Ouvir a cidade

-19 aninhos...
-Aquilo foi de estudar, de certeza.
-Estudava tanto, tanto, tanto. Uma vida pela frente...
-É, temos de andar a pau com eles. Veja lá que ainda no outro dia cheguei a encontrar a minha Sónia a estudar de noite!
-Credo!
-Verdade. Bem lhe digo: «filha, põe os olhos no outro, vê bem o que fazes». Mas ela não me ouve.
-É das idades.
-E não é que é mesmo? Ainda no outro dia eram dez da noite e ela para mim: «vou sair um bocadinho para tomar um café». Não tive rodeios, «tá bem tá, eu sei muito bem qual é o teu café... vais mas é estudar prá biblioteca que eu já sei qual é o teu café». Ela a querer dar-me a volta a dizer que era pró café. Esta mulher que vê aqui já cá está há muitos aninhos.
-Hoje em dia já não há aquele respeito de antigamente.
-Pois não. Mas eu disse-lhe logo: «filha, ficas hoje em casa a ver um bocadinho de televisão, que não tens idade para isso e a tua mãe bem conhece essas coisas».
-E ficou?
-Ficou.
-Temos de cuidar dos nossos.
-Temos pois. Se eu não pusesse mão na minha Sónia havia de ser o lindo.
-Olha o outro.
-Esse aí diz que nem almoçava para estudar...
-19 aninhos...
-É uma pena.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, junho 22, 2006

quarta-feira, junho 21, 2006

Verso para um aeroporto

Agora vai ser assim: nunca mais te verei.

- António Franco Alexandre, Uma Fábula

[Paulo Ferreira]

Novidade

O meu pretensiosmo vai passar para este blog. Por seu lado, o Causa das Coisas vai voltar ao seu estilo primitivo.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, junho 20, 2006

A comprar


Selecção Nacional, o livro de crónicas de Alberto Gonçalves.

[Paulo Ferreira]

Miopia:

Confundir o Rogério Matias com o Fernando Meira.

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas


Fresquinho.

[Paulo Ferreira]

Diferença

Não percebe de futebol quem passa um jogo a dizer que o Ronaldo Nazario de Sousa anda em baixo de forma, para depois afirmar, sem vergonha ou temor, que o senhor Pedro Miguel Carreiro Resendes («Pauleta») faz jogos heróicos.

[Paulo Ferreira]

De uma advogada estagiária

«Sempre gostei muito de poesias

[Paulo Ferreira]

De um homem de palito

«Não fosses tu serigaita, chamar-te-ia sardanisca.»

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, junho 19, 2006

O desconhecido

Pois claro que as tuas ideias podem não ser melhores do que as ideias dos outros. É normal que nem toda a gente seja dotada da mesma capacidade criativa. É, de igual modo, normal que as melhores ideias não te venham à cabeça quando mais precisas delas (não és um computador). O que não é normal é que ninguém apele à originalidade para pensar.
Erro: o pensamento não é conhecido pela sua originalidade. No outro dia, ao pensar em mortes, lembrei-me de um cantor norte-americano que espetou uma faca no peito e lembrei-me de concluir o seguinte: a ideia, não passando de uma representação imaginária, raramente se pode associar a algo que nunca tenha acontecido. A não ser assim, viveríamos na abstracção, no extra-cosmos.
Poucas coisas vivas têm carácter próprio.
Poucas coisas são feitas sem modelo.
Tudo o que pode ser construído com excêntricidade tem dificuldades em ser singular.
Não há nada na mente humana que já não tenha sido feito.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, junho 14, 2006

Milagre

Reza a lenda que uma das mais brutais formas de tortura milagrosa costumava estar associada a leves gotas de água. Expliquemo-nos: rapando o cabelo a um homem (preso) e deixando que ao longo de vários dias lhe caíssem várias gotas de água em cima do crânio desprotegido, assistir-se-ia à teoria do milagre: a água transformava-se em tijolo e as pancadas começavam a doer.
Porém,os milagres não são milagres quando se está a pensar em metáforas. A ausência, com o tempo, começa a ter efeito cortante. Quanto à água, essa apenas molha.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, junho 12, 2006

Morte em palco

O actor manchado de sangue (tinta vermelha) ri-se para o público, demonstrando, dessa forma, que também os que morrem têm direito a momentos de felicidade.
Mas que tipo de felicidade terão os moribundos, os verdadeiros moribundos, aqueles que sofrem a vida real?
Será preciso espetar um punhal no peito para se compreender a felicidade dos que partem?
Voltemos ao actor. Retiremos-lhe o palco e a tinta vermelha e incutamos-lhe um pouco de dor física (basta uma forte enxaqueca). Rir-se-á ele para os espectadores quando já não tiver palco que o ampare ou fingimento que lhe sirva para atenuar a dor? Se for bom actor, sim, rir-se-á. Actuar também é esconder a própria agonia, pelo menos se a personagem tiver que morrer com um sorriso nos lábios.
Mas nem toda a gente morre com dor. Nos filmes, morre-se com um friozinho na espinha e diz-se adeus aos amados com um «amo-te muito». O mesmo acontece na vida real. O velho desdentado que afaga os cabelos do neto antes de partir para outro mundo nunca pode ser esquecido.
Fingir a alegria, portanto, é o que todos nós fazemos quando já ninguém nos dá oportunidade para prolongarmos o ar e a respiração. Ou tudo o que fazes na vida tem que corresponder exactamente àquilo que és e sempre foste, cá dentro e lá fora?

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, junho 09, 2006

Dever dinheiro

Dever dinheiro tem o seu quê de trágico. Nem que sejam os trinta e sete cêntimos que não nos lembramos de pagar ao credor. A qualquer momento surge a interrogação desinteressada: «olha, estás-me a dever dinheiro, não é? Não é preciso dares-mo já, era só para saber...». Pela largueza de espírito, um prémio. O devedor crucificado em praça pública. O que não deixa de ter graça. Clap clap clap, a contradição entre o agiota e o pobre, por trinta e sete cêntimos dos quais nunca se percebe bem de onde vieram os sete. Esta tragédia retratou-a melhor Joseph Roth num seu livro: um bêbado que deve duzentos francos à Santa (exactamente, à «santinha») não deixa de ser uma forma genialmente literária do drama do devedor-não-pagador.

[João Carlos Silva]

É oficial

O Mundial também está no Bonfim.

[João Carlos Silva]

quinta-feira, junho 08, 2006

Apenas desistir

Era uma vez um homem que se apaixonava como quem tem enxaquecas. Mas, como era muito feio e ninguém o queria, o homem nunca se envolvia fisicamente com ninguém (alimentava os seus amores exclusivamente a partir de casa).
E tudo o que era verdade na vida deste ser era a preponderância da não desistência.
«Não desistir, nunca desistir», pensava abundantemente.
Mas ninguém mantém uma persistência inabalável quando muito se caminha e poucas vezes se consegue manter o equilíbrio. Mas ele queria tanto. Mas ele precisava tanto. E ninguém olhava para ele. O seu telefone, quando tocava, ou anunciava um curso de línguas fantástico ou simplesmente reafirmava o inexorável caminho de um desgraçado: «Enganei-me no número.» Os seus familiares, quando o visitavam, apenas davam conta das tragédias do mundo. O seu trabalho não existia (secção: desemprego).
No entanto, como nem tudo na existência desta aberração poderia correr mal, um dia deu-se o amor. E o resultado foi: três balas com partida do maxilar para o tecto.
Muito carinho recebeu o senhor daquela pistola. Sim senhor.

[Paulo Ferreira]

O cadáver

«Debruçou-se para o cadáver, apalpou a queixada e verificou que estava firme: arreganhou os lábios e meteu o cartão nos dentes e gengivas. Era o momento; o assistente observava com indefectível admiração o subtil adejar dos polegares com que ele levantou os cantos do cartão, a carícia das pontas dos dedos com que ele repôs no seu lugar os lábios descorados e secos. E - atentai! - onde houvera a linha áspera do sofrimento havia agora um sorriso.»

- Evelyn Waugh, O Ente Querido, trad. de Jorge de Sena

[João Carlos Silva]

quarta-feira, junho 07, 2006

O estado das coisas


Ernst Jünger

[Paulo Ferreira]

Ilhas

Cair no chão estatelado é tudo o que um homem pode fazer quando nada mais existe.
Deixa-se de viver quando uma válvula do coração deixa de funcionar.
Morre-se quando o amor se acaba e quando se quer muito mas muito uma pessoa que já não nos conhece.
A loucura aparece no momento em que, depois de versos como «I used to pray to recover you» (Sylvia Plath), se põe a cabeça dentro de um forno de fogo e se explode o cérebro, como se este fosse um gafanhoto prazenteiramente esmagado por uma sola de sapato.
Tropeçar numa pedra e partir um pouco de osso é algo que não costuma matar: como as costureiras, também os médicos são profissionais na arte de coser. Mas o amor.
A vida separa-nos a todos, seres apaixonados, em dois e dois seremos até morrermos. Não somos como o chumbo que se derrete e se pode unir. Não somos como a bala que rompe o pêlo, a pele e a carne até se unificar com um órgão que, mais tarde, se tornará podre e escuro como a noite em que três pescadores de tubarões choraram em alto mar a perseguir os seus sonhos.
Somos ilhas aos tropeções.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, junho 06, 2006

O esquerdo e o direito III

O olho esquerdo pisca, o olho direito permanece aberto: fazes testes de visão para tentares perceber com qual dos dois olhos vês pior, mas não chegas a conclusão alguma (apenas ficas mais confuso e assustado).
Um dia se passa.
Dois dias se passam.
Três dias se passam.
O teu amor atira-se de um quarto andar e tu não entendes.
Quatro dias se passam.
Piscas os olhos intermitentemente: um pouco de névoa aqui, uma letra tremida ali.
Dá-se uma praga de borboletas na cidade e tu não dás por isso: continuas preocupado com o esquerdo e com o direito.

[Paulo Ferreira]

domingo, junho 04, 2006

Festa gorda

Não percebo o porquê de se achar que anda aí uma euforia exagerada e imbecil com o Mundial de futebol. Que é o mesmo que dizer que eu também acho que anda aí uma euforia exagerada e imbecil com o Mundial de futebol. Mas realmente não percebo o porquê desta pequena repulsa, visto que a par do Mundial, que a esmagadora maioria vai ver em casa ou no café, também começou o tal Rock in Rio - se é verdade que muita gente que anda agora pelos cantos a chorar os jogos de Portugal ou a passagem do príncipe Cristiano Ronaldo pelo Alentejo nunca se interessou por futebol, não o é menos que há gente sem o menor interesse por música e sem conhecer uma única banda que gastou duas dezenas de contos só para meter o bedelho no centro comercial da música.

Nem o facto de, segundo o telejornal, no Rock in Rio, haver cinco meninas a esconder preservativos nas cuecas para qualquer voluntário as revistar parece fazer valer a pena todo aquele circo em volta do que se diz ser uma série de concertos. Assim como o facto de eu não querer que a selecção portuguesa perca (pelo menos) os primeiros quatro ou cinco jogos consegue fazer valer a pena horas e horas de notícias dedicadas ao pequeno-almoço do Pauleta em Évora. Mas deve ser coisa de gerações: antes nem todos conheciam o Axel Rose e o Tim, e nunca viram ninguém a chorar pela bela peruca do Fernando Couto, pois não?



[João Carlos Silva]

sábado, junho 03, 2006

O esquerdo e o direito II

Uma bruxa à tua frente e não a vês: és cego. Apesar de essas míticas feiticeiras se esconderem para praticarem o mal, nada impede que tu as vejas. Nem a escuridão. Nem o sol que te encandeia. Só não reparas nelas se fores cego.
Mas não te preocupes. Não morrerás de cegueira se não conseguires ver o mundo à tua volta. Há escritores que fazem livros de cabeça. Há políticos que aprendem a sua profissão no cabeleireiro. Portanto, relaxa. As bruxas não interessam a ninguém.
No entanto, se alguém te disser que os olhos só servem para coisas como a coscuvilhice ou o caciquismo, mente-te.
Os teus olhos são a visão.
Os teus olhos são a ciência que se reproduz nos animais que acasalam incessantemente.
Os teus olhos são a tua certeza, o teu método de análise, a tua margem de erro.
Os teus olhos são como pequenas pérolas preciosas que têm de ser preservadas: não os gastes.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, junho 01, 2006

O branco do papel

Uma folha de papel em branco não serve ao escritor porque representa o vazio.
A música e a leitura dão asas à literatura. O mesmo acontece com o cinema ou com a vida real. Tudo o que simbolize um pequeno gesto respiratório ajuda, portanto, o artista das palavras a movimentar-se dentro do pequeno rectângulo. Mas o mesmo acontece com os pequenos silêncios que marcam a ascendência nervosa. Ou com a morte e a ausência.
Não há escritor que parta do branco para a sua viagem horizontal.
Os fantasmas não vêm do nada.

[Paulo Ferreira]

O tronco de árvore

Concepção sacralizada do mundo: um par de seios.
Vejo uma mulher a bambolear-se com um leque e excito-me (só fica com o pénis erecto quem se excita; se quisesse emocionar-me, chorava).
Uma saia de verão e uns cabelos encaracolados. Nabokov.
«Quero-te esta tarde.»
Os nossos corações não batem como se fossem um, mas ela é bela e os seus seios são sagrados. Nunca lhes toquei.
Ser jovem é não ler e sorrir (o seu sorriso incendeia-me os ossos).
E o calor aparece e nós vivemos na lua.
E um dia virá o Outono.

[Paulo Ferreira]