A propósito das possíveis discorrências que nascem do assassinato de Gisberta, haverá talvez muito a dizer, a reflectir. O ponto final dessa discussão é que, parece-me, é um que nunca terá lugar para aparecer. Tal como a primeira linha, a primeira voz, dessa discussão, que se perde no passado. A discussão: deverão as «crianças» ser julgadas como adultos? Sou um dos indecisos crónicos que não tem um sólido tutano moral para responder prontamente.
As crianças não são os «anjos sem asas» de que toda a gente fala. Para além da falta de asas, têm uma notável falta de halo sobre as suas pequenas mas capazes cabeças. A sua excepcionalidade vem da vulnerabilidade física que têm. Por outro lado, a sua faculdade mais assustadora vem daquilo a que nós, bárbaros urbanos ultracivilizados, já não estamos habituados: a inexperiência. A mente como tábua rasa. Este aspecto assusta-nos, pondo-nos perante as mais macabras e violentas situações. Mas, crianças ou não, não deixam de ser humanos - em crescimento.
A verdadeira questão não está na idade a partir da qual deverão ou não ser julgados, assim como na questão do aborto não se deve tomar cinicamente como importante a partir de quantos meses um feto é ou não um feto, ou, como se diz, a partir de quantos meses é vida. A verdadeira questão é uma que está oculta, uma questão ética que nunca poderá ser resolvida. Assim como nunca um adulto cumpridor da lei conseguirá compreender o porquê das crianças, tal como os adultos, se insultarem mutuamente, e em especial ao «menino gordo» e ao «menino maricas». Essa crueldade das crianças é uma crueldade que, por muito que se analise ou se queira compreender, não poderá ser eliminada.
Devem as crianças ser educadas no sentido contrário desses comportamentos? Sim, seria um idiota se negasse que tal didáctica poderá ter efeitos positivos. Deverão as crianças ser protegidas para não tomarem certos comportamentos violentos como normais? Sim, se me explicarem como tal coisa pode ser feita sem afastar as crianças do mundo em que vivem. Mas se me perguntarem se devem ser castigadas, responsabilizadas pelos seus actos (como o que está em causa no «caso» das Oficinas de S. José no Porto), a resposta terá de ser afirmativa. Não positiva, mas afirmativa: não fazer dos jovens «exemplos», mas castigá-los pelo que fizeram. À falta dos instrumentos mágicos que façam do ser humano um ser pacífico, sociável, a lei - igual para todos mas responsável e responsabilizadora (tendo em conta a condição mental ou a idade do arguido) - ainda é o melhor que temos, o mais próximo que temos de uma sociabilidade mais segura.
[João Carlos Silva]
quinta-feira, agosto 03, 2006
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1 comentário:
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