quarta-feira, agosto 02, 2006

O falso veraneante


Qualquer bom português espera o momento das férias para atirar ao ar a pastinha do emprego e assobiar bem alto. O destino agora é outro. As manhãs agora serão dedicadas a acordar... às 6 da manhã. O destino é outro, portanto. Depois de um ano de trabalho, é agora oportunidade para se dedicarem ao seu grande prazer, ao prazer mais perene e metafísico de todos. O destino: as praias...
Parece haver uma comovente mobilização geral todos os anos neste canto da Europa no que toca aos topos assoalhados. Tal qual um Ícaro especialmente eufórico, o português normal voa em direcção ao Sol, onde quer que ele esteja. Caso eu gostasse de fazer o mesmo, diria: com toda a razão. Mas não gosto.

A praia é, de facto, um sítio imemoriavelmente maldito para «a minha pessoa». Queimaduras. Cansaço. Tempo perdido. Sol nos olhos, nas costas e na cabeça. Impossível a leitura. Não o recomendo a ninguém, é claro. Mas, tal como as pessoas que não suportam o fumo mas evitam fazer a cara de nojinho e agitar a mão à frente do nariz, também eu evito reprovar aquilo que a esmagadora maioria dos outros parece fazer sem problemas... e sem pensar nas possíveis consequências «menos positivas».

A minha relação com a praia não é melhor do que aquela que Roy Scheider tinha com a água em Jaws. Por isso, insiro-me naquele curto, mas valente, lote de pessoas que anseia pelas férias como pela reforma, pela possibilidade de se fecharem em casa com mais afinco e mais livros, até o dia chegar no qual se sentirão um pouco sozinhas. Aí, nesse dia, talvez - apenas talvez - as portas de casa se voltarão a abrir revelando uma nesga de areia, um bracinho de água e um sol necessariamente murchinho. Só com esse sol de outono poderei voltar a pensar numa visita às praias de Portugal, esquecendo qualquer efeito nefasto da estrela maior. Até porque, não esqueço, foi debaixo de um sol assassino de Verão que este rapaz perdeu os sentidos e cometeu a imprudência de ler Manuel Tiago.

[João Carlos Silva]

1 comentário:

jpt disse...

pobre gente