terça-feira, setembro 11, 2007
10 livros que não mudaram a minha vida
A convite do Luís Ene, também vou meter o bedelho na corrente dos «10 livros que mudaram a minha vida», que o manuel a. domingos trouxe à vida.
No que toca aos livros, confesso o meu pecado: sou um relativista. Se, por um lado, sou perigosamente e orgulhosamente reaccionário nas escolhas literárias - recusando tudo o que está na moda ler e perdendo, obviamente, de vez em quando, a oportunidade de ler um bom livro -, por outro, gosto também de consumir muito lastro literário. Atenção, disse «lastro», não «lixo». Ou seja, livros importantes que ajudam a equilibrar os meus grandes autores «eleitos», mas que no fundo não «chegam a mim», de facto.
Mas é verdade que a procura incessante de saciar a curiosidade em relação a vários autores por vezes redunda num conhecimento superficial da herança literária universal. E por universal digo aquilo que todos nós podemos ler, quando quisermos, se quisermos, apenas em troco de algumas notas (ou de algumas moedas, em casos fortuitos). Conhecer o cânone através de flashes descontraídos deste ou daquele escritor acaba por ser uma viagem interessante, mas uma viagem de turista. Ora aí está, sou um turista literário. Um «leitor-turista», que lê de tudo um pouco, e gosta sempre pelo menos um pouco de tudo o que lê. Guloso mas pouco académico. Para além disso sou escandalosamente relativista. Tudo tem o seu valor.
Ser relativista acaba por ser um pouco a atitude verdadeira de respeitar o livro. Respeitar o trabalho do autor e o próprio escritor. Muitas vezes os livros que não mudam a nossa vida, ou seja, os livros que começamos a ler entusiasmados e acabamos desiludidos são apenas um dos lados de um polígono literário com várias obras-primas. De outras vezes, é o próprio estilo do escritor que nos aborrece. Veja-se o Adeus às Armas de Hemingway, livro monótono de um escritor que inculcou o incontornável O Velho e o Mar no meu universo mental mas que me provou que a fama muitas vezes não é tudo. É preciso gostar de Hemingway para ler Hemingway, caso contrário é a desilusão. O encontro com a inércia da acção. O remédio (antídoto de prevenção) é começar pelo último que referi, um excelente livro.
Mais dois livros que não mudaram a minha vida foram, provavelmente, O Admirável Mundo Novo de Huxley ou o Trópico de Câncer de Henry Miller. Do primeiro nada a dizer senão «era isto?». Do segundo, ressalta uma palavra: deboche. Pouco mais. Em alturas de solidão, o deboche é alimento, mas não muda a vida de ninguém. Talvez se explique assim a passagem pelos 120 Dias de Sodoma, que me pôs quase doente por alguns dias e com vontade de me mandar a mim e ao Marquês de Sade para o psicanalista do Woody Allen. Pena que ele não seja deste tempo. O marquês, digo.
Entre os autores portugueses, uma má experiência, uma expedição irracional e uma aventura didáctica. Respectivamente: A Sibila, um livro de Agustina Bessa-Luís que me vacinou, talvez, para o resto da minha vida (para rematar, enquanto lia no parque tive a revelação crítica de um pombo que deixou cair, directo do seu traseiro, uma opinião numa página do livro); cerca de doze livros de Pedro Paixão (os da Cotovia), que me fizeram viciar não sei bem porquê e só com remédios pude acordar do transe e perceber que não era assim tão viciante; e os contos de Manuel Tiago, preparação para me aventurar no Até Amanhã, Camaradas, aventura esta que, felizmente, ainda não foi levada a cabo.
Entre livros mais políticos, lembro-me de dois, assim do nada, que realmente deixaram pouco. A Funda, do Artur Portela Filho (que continuo, no entanto, a ler) pede uma base de conhecimento detalhado da cultura e da política do início dos anos 70 que, realmente, não tenho. É crítica política efémera, no sentido em que se perde no tempo. Por isso não fica, tal como o porta-estandarte de Irving Kristol, em Neoconservadorismo: autobiografia de uma ideia. Em tempos universitários, a deriva cultural e intelectual levou-me, por vezes, à loucura. E à procura de identidade. Julgava que Kristol ia mudar a minha vida. Não mudou. Felizmente.
Por fim - um caso que já aconteceu, nem que seja uma vez a toda a gente -, um livro que li mas não ficou. Entrou por um olho e saiu por outro. Ou seja, um livro que eu queria que tivesse mudado a minha vida e não mudou, apesar de ter todo o conteúdo para tal. O Heart of Darkness, de Joseph Conrad, foi por mim lido numa altura em que o sono surgia pouco nas minhas noites. Tempos áridos de ideias, ávidos de leitura mas escassos de energia. Lembro-me de ter começado a lê-lo, acabá-lo e cair a dormir. No dia seguinte, não me lembrava de uma única frase. Nem uma linha sublinhada.
Felizmente, há livros que não mudam a nossa vida. Mas que ficam tão gravados na nossa memória quanto aqueles que realmente gostámos, às vezes até mais. Episódios de leitura caricatos, tentativas de «comer» centenas de páginas em poucas horas e livros tão maus que trazem o sono de volta até ao leitor mais insone. Todos eles ficam na nossa memória, nem que sejam pelas piores razões. Mas não se espere que sejam outros livros a mudar a nossa vida. Aliás, não se espere nada dos livros. Os livros são um mundo melhor do que aquele que pisamos, são um mundo mais perfeito e mais emotivo, mas numa coisa não variam do mundo verdadeiro: pouca coisa boa nos trazem. Mas o pouco que têm vale a pena. Por vezes, dou por mim a pensar: qual é o meu mundo?
*Interessante agora seria saber o que poderia ter uma lista elaborada pelo próprio Luís, pelo Bruno (que tentará repudiar o convite, o que o faz muito mais aliciante), pelo Tiago, ou pelos meus conterrâneos Luís Silva e Luís Marvão.
[João Carlos Silva]
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