quarta-feira, maio 09, 2007

Pornografia

Muitas das gravações eram filmes eróticos que, observava António, pareciam eivados de terror metafísico. Rostos avermelhados escancaravam os olhos, grandes sexos pendiam entre coxas de velhos prestes a desfazer-se, e as mulheres jaziam, com falsas tatuagens a que o calor do estúdio derretia os contornos, e abriam as vulvas que ofereciam a cor de carne retalhada.

E António Eliseu, que sempre tinha achado ser a pornografia um recurso menor para pobres solitários, via-se a partilhar com os outros a atenção, o olhar gelado, severo, com que todos seguiam a tormenta dos corpos, a sua dança obscena e tão desesperada, essa aflita matéria uivante e só.


- Hélia Correia, Soma

[João Carlos Silva]

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