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Sarah Palin, quarenta e quatro anos, governadora do Alaska, republicana com cartão do NRA e pouca paciência para o assunto emergente do aborto. Sabia-se isto e pouco mais no primeiro dia em que o seu nome ecoou pela comunicação social portuguesa e europeia. Eu próprio não tinha praticamente ouvido falar da senhora antes do seu nome surgir indistinto entre dezenas de outras hipóteses para a vice-presidência (no início eu mesmo pensei que a surpresa pudesse vir a ser
Bobby Jindal), mas passei à descoberta de uma figura política completamente nova para mim, mas que já me surpreendeu após meia dúzia de leituras.
A governadora do Alaska, como já referi, é uma ardente defensora da Segunda Emenda à Constituição dos EUA, ou seja, defende o direito dos cidadãos possuirem armas de fogo, e isso é bem cimentado pela sua filiação ao NRA. Isto pode, para muitos, parecer um atributo apenas dirigido aos eleitores do Midwest que não passam um dia sem premir um gatilho, mas a verdade é que o NRA tem até apoiantes mais «apaixonados» nos estados em que o direito de possuir armas ainda não está bem delimitado. O que não será suficiente para justificar a escolha.
O facto de ser mulher, e de ser jovem, é obviamente um piscar de olhos ao eleitorado que valoriza o «aspecto», o «simbolismo» e o futuro, ou seja, a abertura da política tanto às mulheres como a uma nova geração, à qual Obama pertence de direito, sem dúvida, mas que também tem espaço para Palin. A nomeação é assim um convite tanto às eleitoras femininas - embora aqui seja, aparentemente, mais preferida pelas mães de família e mulheres maduras e independentes - como a independentes que viraram as costas a George W. Bush e querem gente que não tenha pertencido às últimas três administrações republicanas.
A sua compostura política e pessoal no que toca à sociedade e à moral tradicional é, para mim, a cartada mais arriscada de McCain. É que, ao estender a mão às «bases» conservadoras americanas, também se arrisca a perder o eleitorado indeciso que não confia no chamado «
lobby evangélico», que alinhará claramente com esta escolha. Sarah Palin tem posições fortes em relação a assuntos fracturantes. Algumas dessas posições até apelam a pessoas mais libertárias, como a sua oposição à educação sexual, a sua recusa em relação à histeria ambiental ou até a sua posição «pró-vida», recusando-se a legislar no sentido da legalização do aborto assistido. Mas é a sua convicção contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo que parece ser mais decisiva, deixando que a sua visão cristã se sobreponha à possibilidade de ser uma liberdade que muitos estarão inclinados para permitir (opõe-se, mas insiste em referendar as opiniões públicas e em salvaguardar os direitos das pessoas, independentemente de serem casal ou não).
O que realmente importa em Sarah Palin é, no entanto, posto de parte em quase todas as discussões em redor da candidata à vice-presidência. Palin é uma «
maverick», tal como McCain. Não hesita em afastar gente da sua cor política de cargos importantes e em acusar formalmente republicanos como Randy Ruedrich (líder do GOP do Alaska) de não exercerem as suas responsabilidades para com o eleitorado. Sarah Palin demitiu-se, aliás, de alguns cargos por recusar trabalhar com co-partidários que, diziam, tinham «falta de ética».
Esta qualidade, hoje muito rara, de defender o que se acredita e de realmente representar os interesses das pessoas, é o que realmente coloca Sarah Palin num patamar político acima de muitos outros, deitando por terra o argumento dos republicanos «estarem há muito tempo no poder», que de nada vale contra uma mulher que não tem medo de «sujar as mãos» para retirar as maçãs podres da árvore política. Ao mesmo tempo, a sua carreira recente é um desafio às
preocupações crescentes em relação à sua «inexperiência» e falta de preparação para ser Presidente (caso McCain sofra algum problema de saúde que o orbigue a sair de cena). Na minha opinião, são as próprias escolhas de Sarah Palin, que têm em qualidade o que não têm em quantidade, que permitem demolir esse argumento, juntamente com o facto de estar a concorrer contra uma dupla democrata em que é o próprio candidato principal que «sofre» desse mesmo «defeito», com a agravante de nunca ter desempenhado um cargo de responsabilidade tão elevada quanto o da governadora do Alaska.
Em termos fiscais, então, Palin torna-se realmente a grande aposta de John McCain e um sinal bem forte do que pode vir a ser a sua presidência. A governadora do Alaska tem sido uma reformadora exemplar neste Estado, invertendo ordens de construção com a execução já no seu início por desvios graves no controlo dos custos das obras (cancelando assim, por exemplo, o que seria a megalómana ponte para a Ilha de Gravina, a «
Bridge to Nowhere») e apertando inteligentemente o cinto das construções estatais no Alaska de forma a reduzir a despesa anual em algumas centenas de milhões de dólares, equilibrando assim a balança orçamental do seu executivo. A venda do jacto do seu gabinete do Governo do Alaska também foi um gesto simbólico, rentável ($2.1 milhões de dólares) e de compromisso com e eleitorado, a quem prometeu os tão necessários cortes nas despesas e luxos da classe política, antes de começar a meter «mãos à obra» na despesa pública.
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Independentemente de ser ou não uma «
hockey mom» com cinco filhos - um dos quais de partida para servir no Iraque pelo exército americano, outro deles um recém-nascido com síndroma de Down que Sarah escolheu ter (ganhando a admiração de muitos,
incluindo os evangélicos, segundo o que revelam vários fóruns de opinião) -, uma mulher de armas e coragem para enfrentar os «barões» do Partido Republicano, uma americana conservadora e defensora do direito a possuir uma arma,
uma mãe e uma trabalhadora incansável que voltou ao trabalho 3 dias após dar à luz, uma «
maverick», uma cara jovem de uma nova maneira de fazer política, uma conservadora fiscal (um presente dos deuses e de McCain, na minha opinião) independentemente de tudo isto, Sarah Palin é, sobretudo, o maior trunfo de John McCain até agora, que assim aproveitou a nomeação vice-presidencial não para dar à América uma figura diferente para os indecisos votarem, mas sim um sinal de que tem um plano para o país. Um sinal de que sabe o que quer, e isso ficou bem sublinhado no recompensar da actividade governativa de Palin, sobretudo no que toca às suas opções económicas e fiscais.
Finalmente, é o confirmar da promessa constante de John McCain de surpreender positivamente a América. E esta escolha, de Sarah Palin, é indubitavelmente uma grande surpresa, mas uma boa surpresa. Como
já disse mais abaixo, esté é mais um passo estrategicamente brilhante naquela que me parece ser a caminhada para a presidência mais bem organizada de sempre. Anunciada no dia em que ainda se fazia a digestão do discurso de Obama, Sarah Palin ofuscou completamente o senador do Illinois. Já ninguém se lembra do discurso. Qual discurso? Barack
who?