sexta-feira, maio 30, 2008

Ciclos

Anda a aumentar, e muito, esse imenso medo que a nossa sociedade «industrial» tem da morte, da doença, do fim. Aperta-se o cerco aos fumadores, aos gordos, ao colestrol, estimula-se o culto do exercício físico, do dentista, do activismo ambiental. Será que ainda não perceberam que não vale a pena, que a Terra continua sem nós? Se até os dinossauros, predadores insuperáveis e vegetarianos gigantes, foram congelaods vivos ou engolidos por uma bola de fogo, porque é que nós, fracas figuras, haveríamos de resistir aos ciclos da Terra?

O cativeiro



Alexander Soljenitsin, em Um Dia na Vida de Ivan Denisovich, relata um episódio em que os prisioneiros de um gulag só tinham direito a escrever duas cartas por ano. Duas cartas, apenas e só.
Para alguém que tivesse família cá fora, haverá maior tortura? É a «obrigação» de esquecer os outros, de esquecer o mundo conhecido, aquilo que os burocratas e os guardas soviéticos queriam inculcar. O sofrimento é humano, mas não haverá nada mais cruel, e que traga mais sofrimento, do que conseguir acabar com a própria humanidade de um homem, fazer dele um animal e tirar-lhe tudo aquilo pelo qual ele poderia sofrer.

sexta-feira, maio 23, 2008

Cradle Will Rock



Mais um exercício da opinião «liberal» (de esquerda americana) de Tim Robbins, Cradle Will Rock (ou América Anos 30 na tradução portuguesa) vem defender a tese do necessário «empenhamento político-social» da arte, sublinhando a responsabilidade/obrigação crucial desta em atacar o poder, por contraponto aos superficiais magnatas «gordos» e «egoístas» (como um certo castor de uma fábula referida a meio do filme) que desrespeitam a arte «consciente» de figuras revolucionárias como Diego Rivera (uma aparição simpática de Ruben Blades). Este filme de Tim Robbins vale, quase só, pelas interpretações de John Turturro e Bill Murray, e pela inegável qualidade técnica da filmagem.

terça-feira, maio 20, 2008

Se numa tarde de Primavera um taxista

Ao contrário do que pensava há uns míseros dois meses atrás, agora já me interrogo acerca da «alternativa» Democrata (e provável vencedor das eleições de Novembro) para a Presidência dos EUA. Achava que Obama era uma boa lufada de ar fresco para a esquerda americana, não tanto pela sua carga ideológica (perigosamente romântica), mas pela carga simbólica de uma América onde é possível chegar longe independentemente das raízes que se tem - mote, aliás, da própria campanha do «yes, we can» de Barack Obama. Há dias, quando um taxista me disse, em plena viagem, que «andamos todos a querer pedir desculpa aos pretos pondo um deles no lugar do Bush», penso que a razão pela qual Obama tem tanto apoio e reúne tanta simpatia (minha, inclusive) é mais próxima da ideia do taxista do que da ideia tão badalada e tão incipiente de mudança - daquela Mudança com M maiúsculo que se tem prometido. Obama pode não ser tão boa pessoa como nós pensamos, mas eu gosto dele. Obama pode não ser tão inteligente quanto Hillary, mas eu prefiro aquele. No entanto, Obama pode ser muito mais refrescante que McCain, mas continuo a querer um Republicano na Casa Branca.

3 anos sem dormir bem

O Insónia foi um dos dois primeiros blogues sobre literatura (a par do Da Literatura) que começei a ler diariamente na blogosfera. A admirável imprevisibilidade da vítima das pragas certeiras que o Henrique Fialho fluentemente roga (um dos melhores portugueses na arte da chapada de luva branca), o humor refinado da escrita da Maria João Lopes Fernandes (que bate Oscar Wilde aos pontos), a cultura literária e poética do Rui Costa e a melancólica poesia do Jorge Aguiar de Oliveira dão ao Insónia um espaço sempre especial na coluna de blogues aqui ao lado. Parabéns pelos três anos.

60 anos de identidade política

Normalmente, não me sinto muito bem da cabeça, nem do coração, quando acabo de ler algo da jornalista Fernanda Câncio. Nem sequer é doença crónica, penso que é apenas opinião ultra-divergente. Mas nem sempre isso acontece, fiquei hoje a perceber. Até parece blasfémia eu aplaudir esta senhora, mas este artigo/post sobre os 60 anos de Israel, de facto, merece a leitura. Ainda que tenha mais de uma semana de atraso.

segunda-feira, maio 19, 2008

Castigo no trabalho

Pensar que podia estar a ler os romances que tenho em casa.

Antídoto para o trabalho

Pensar nos romances que estão em casa por ler.

«Plano quinquenal» da ASAE

A ler o seguinte artigo de José Pacheco Pereira no Abrupto, que transcrevo aqui:

O Plano Quinquenal soviético era um monumento à planificação socialista. Definia quantas cadeiras deveria produzir uma carpintaria em Moscovo, quantas toneladas de carvão deveria extrair uma mina nos Urais, quantas lâmpadas deveria fazer uma fábrica na Estónia, quantas toneladas de trigo deveria produzir a Ucrânia e quantas toneladas de algodão no Cazaquistão. Os objectivos eram emoldurados em cartazes e traduzidos em estatísticas que adornavam a entrada dos Kolkozes e dos “combinados siderúrgicos”. Uma multidão de stakanovistas, trabalhadores de choque, à força de reuniões de partido e da “emulação socialista”, lá aparecia no quadro de honra dos “heróis do trabalho” por ter ultrapassado a sua quota.

Este era o mundo que Staline fez e era uma grande mentira: a relação dos grandiosos planos quinquenais com a realidade era escassa, as estatísticas eram falseadas e os operários e os kolkozianos trabalhavam à força da inspiração do NKVD e depois do KGB e da sombra siberiana do Gulag. O mundo de fantasia dos Planos Quinquenais escondia a brutalidade da vida soviética, a completa ineficácia da planificação e a Grande Mentira do socialismo real.

Mas o Plano Quinquenal soviético seduz os burocratas de todo o mundo. Em particular, seduz os burocratas autoritários que em Estados fracos gostam de pavonear a sua força com o beneplácito do governo. A ASAE é uma instituição fundamental para a nossa segurança, qualidade de vida e boas práticas nos negócios, no fisco, na competição. Mas, como é costume em Portugal, não se sabe passar do laxismo para uma actuação equilibrada, passa-se sempre do laxismo para a prepotência e a violação dos direitos dos cidadãos. O resultado, a prazo, é que se acaba por voltar de novo ao laxismo. Está a ser assim no fisco, é assim na ASAE.

O documento que apresenta como objectivos anuais para a ASAE 410 detenções, 1640 processos-crime, 12 contra-ordenações é um exemplo da distorção da instituição. Se os objectivos fossem inspeccionar 500 feiras e 20000 restaurantes, muito bem. Mas como é que se faz em Dezembro, quando só se prenderam 310 pessoas da quota de 410? Vai-se à pressa prender cem para cumprir o Plano Quinquenal? Este absurdo desvirtua o estado de direito e a lei, torna uma polícia especial como é a ASAE em perseguidora dos cidadãos e das empresas e não em defensora da legalidade.

Não admira, por isso, que o seu principal responsável tenha faltado à verdade sobre a existência e alcance deste documento que agora o Expresso publicou. Não admira que o governo Sócrates, que sempre lhe deu cobertura, esteja agora embaraçado. É que o Inspector-geral da ASAE deixou de ter condições para continuar no cargo e cada dia que passe no seu lugar a ASAE perde autoridade para o exercício das suas funções.

O estado das coisas



Eu à procura do sono e o sono à minha procura.

A minha leitura saudosista do Maio de 68



Que modelo satisfaria as aspirações dos revolucionários se o modelo soviético é superburocrático? Os verdadeiros revolucionários do período de Maio invocavam a democracia directa, num certo sentido mais anti-soviéticos do que antipaitalistas. Todavida, dizem-se inspirados no marxismo, o que é um paradoxo, pois não se vê bem como uma sociedade planificada poderia ser menos burocrática que uma sociedade de capitalismo semiliberal.

Raymond Aron, A Revolução Inexistente

domingo, maio 18, 2008

Dez



Saíu há já alguns dias o número dez da revista Minguante. Não a vai encontrar nas bancas, mas, melhor ainda, pode encontrá-la aqui mesmo, online. Entre vários textos da melhor qualidade possível e da maior experiência verificável, pode ler lá a minha humilde mas empenhada contribuição.

Hitchcock



Durante a maior parte da minha vida, ignorei Hitchcock, apesar do longínquo respeito. Só Os Pássaros passaram pelo meu vídeo, e mesmo esses passaram demasiado depressa, e por olhos demasiado desatentos, para deixarem marca profunda - da maneira que Scorsese e Coppola haviam deixado. Portanto, o homem pairava apenas num momento de fundo do cinema. Para mim, claro.
Finda a dolescência, fui aos poucos descobrindo a obra-prima de Alfred Hitchcock. The Man Who Knew Too Much (o de 1931 com Peter Lorre) deu-me outra ideia da capacidade técnica do realizador inglês, e North by Northwest tornou-se um clássico entre os clássicos na minha memória. Mais recentemente, no entanto, mais filmes caíram, e Psycho e Vertigo foram os eleitos. Devo dizer que Psycho, sobretudo, é um dos melhores filmes de suspense que alguma vez vi. Aliás, géneros à parte, é um grande filme, que merece a fama (aliás, infundada no sentido em que toda a gente conhece e gosta mas quase ninguém viu) que parece ter. Pela experiência que tenho tido, e embora Vertigo seja o que mais inconsistências tem a nível de argumento (não obstante o facto de ser excelente), acho deve ser impossível vir a ter uma má experiência com Hitchcock.

terça-feira, maio 06, 2008

As crises

Porque é que os socialistas dizem que, no seio do partido, há «um debate saudável e essencial para a democracia» quando José Sócrates pisa e humilha os opositores internos no PS, e dizem que há uma «grave crise no PSD e na direita» sempre que há mais que um candidato à liderança do PSD?

Lutas do derrière

Judite de Sousa, há umas semanas, perguntou a Rui Rio algo acerca do espaço de oposição ao PS à direita, tendo em conta que as «lutas intestinas» (e cito a própria Judite) no partido minam a força e credibilidade desta oposição ao governo. Francamente, quando falam de «lutas intestinas», soa-me sempre que alguém comeu algo estragado ao jantar. Não podiam utilizar outros termos e menor gravidade?

Zenith



Ver o Zenith de São Petersburgo jogar futebol é uma lição moderna de futebol «clássico». De um futebol que, hoje em dia, já não existe sem aqueles jogadores de Ferrari e namoradas supermodelos. Talvez esta seja a ideia de um apreciador ingénuo e antiquado do desporto: o jogador pobre e esforçado, entregue de corpo e alma ao futebol, não visto como uma profissão, mas como a prova última de pertença a uma comunidade.

«Futebol total» é um conceito que, muitas vezes, nos últimos tempos, tem sido utilizado gratuitamente para designar qualquer exibição, acima do sofrível, de qualquer equipa portuguesa. Mas há muito que não via este conceito aplicável. Para mim, voltou com o Zenith de São Petersburgo, uma equipa a lembrar não apenas o «futebol total» holandês, com um jogo ao primeiro toque com movimentações rapidíssimas e com uma versatilidade extraordinária da equipa, mas também a máquina soviética de futebol, em que cada jogador jogava tanto a defesa central como a «ponta esquerda» ou a avançado - também os jogadores do Zenith passam, correm, rematam, defendem, pressionam, cabeçeiam com igual qualidade entre si. Estivesse o Zenith na Liga dos Campeões e vê-los-íamos certamente nas meias-finais. Por agora, bastar-lhes-á a Taça UEFA, que bem merecem.