sexta-feira, junho 22, 2007
Vagão «J»
Manuel Borralho, um homem pobre, sujo, porco e mau, por sentir inveja de um rapazola que dá pelo nome de Bogas, dá-lhe uma facada à traição. Vai para a prisão. Passa lá um mês. Manuel Borrralho só pensa em voltar a estoirar Bogas quando sair dali. Bogas abusa na prosápia. Logo, necessita de estoiros. É assim que se desenrola o espaço mental da personagem mais caricata de Vagão «J», de Vergílio Ferreira. Manuel, assim como todos os outros Borralhos, não vale nada. Assemelha-se a um animal. Joaquina, a mãe dos Borralhos, serve para parir e para cagar sentenças. Gorra vem do Brasil para fazer um «despacho» ao desgraçado do Chico Borralho, o pai de família que, por estar aleijado de uma perna e por não trabalhar, não merece a vida . Os Borralhos são todos da ralé, todos padecem desse grande mal que é a pobreza. Por conseguinte, enfrentam o mundo com as armas que têm. O crime, a violência e a batota são algumas dessas armas.
Vagão «J» é a única obra neo-realista que Vergílio Ferreira nos deixou. Parece que o autor, com o passar dos anos, não se sentiu particularmente chegado a estas dialécticas movidas por forças sociais. O operariado, a pobreza, a burguesia, o dinheiro, a falta do dinheiro, etc., poderiam encaixar-se nesse esquema de luta de classes que marcou o panorama neo-realista. Um Fernando Namora celebra a tragédia dos miseráveis de forma bastante comovedora. Os próprios livros de Namora são deveras comovedores. Dão vontade de chorar. Não por serem demasiadamente bons, mas por serem chatos ao ponto de um homem se deixar abandonar aos prantos. Namora tem, aliás, outras componentes dentro da sua obra, que permitem agora que se afirme que o seu neo-realismo era do «puro». O amor à U.R.S.S e o ódio aos E.U.Am, por exemplo. Ora, Vergílio Ferreira não segue o caminho de Namora. Pelo menos, neste Vagão «J». Como se disse, os Borralhos não se inserem na lógica dos coitadinhos que precisam de um valente marxismo para pôr a coisa no local certo. Não. São maus. São criminosos. E vivem na lama. Além disso, para um livro que se insere nessa bola cinzenta que é a da realidade vermelha, na qual a forma é desvalorizada para se dar primazia à ideologia, Vagão «J» é um livro muito bem escrito, tem muita piada. A linguagem de época é fantástica, as expressões dos «primatas» são saborosas. Enfim, uma excelente narrativa. Mesmo assim, o menos interessante dos livros que Vergílio Ferreira escreveu. Venha o existencialismo.
Só as vizinhas deram pêsames a Joaquina Borralho que sentiu uma comoção violenta e não chorou. Todavia Chico Borralho fora seu, dele tivera filhos e filhos, lutara com ela, Joaquina amava-o do coração. Mas não chorou, mulher dura, a vida cria calos na gente, não vale a pena chorar.
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4 comentários:
não é a única obra neo-realista que Vergílio Ferreira nos deixou. Para além de Vagão J (1946), deixou-nos O Caminho Fica Longe (1943), Onde tudo fou morrendo (1944). E existem alguns contos como Mãe Genoveva que são neo-realistas. Em 1949 é que dá o salto para o existencialismo, com Mudança (daí o título do livro).
abraço
julgo que não é incorrecto dizer que vagao «j» é o único livro que VF nos deixou, uma vez que os outros livros foram «renegados» pelo autor. É a ideia que sempre tive, até por esses livros já não estarem à venda.
Em relação a Mudança, o Manuel tem toda a razão. É, aliás, um livro extraordinário. ;)
Abraço
paulo
tens toda a razão paulo: os outros livros foram reneganos, e mesmo Vagão J VF dizia que o engolia com muita deficuldade. no entanto, eles ainda estão à venda: ainda no ano passado os vi na bertrand do chiado, no alto de uma estante...
um outro livro muito bom dele é Signo Sinal, que foi um pouco menosprezado pela crítica mas que é um dos três primeiro romance sobre o 25 de abril e as suas consequências (nomeadamente toda aquela sarrabulhada que foi o PREC)
abraço
obrigado pela dica. Vou passar pela bertrand.
abraço
paulo
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