domingo, julho 23, 2006

Segundo tratado sobre tascos

Passar por um tasco recôndito, na minha cidade, apenas para fazer a digestão não deve ser um acto menosprezado. Na verdade, é uma das acções mais gratificantes que um homem pode fazer. Eu diria mesmo que é uma das «cinco coisas a fazer antes de morrer», isso e votar em Mário Soares, entre outras tantas.

Ao passar a porta da baiuca para dentro, rapidamente ganhamos uma outra dimensão no nosso pequeno meio social. Como o exemplo do senhor José, que a dona Maria (dona da tasca) nunca antes viu, ganhar o apelido de «Baixinho» - apenas para ser tratado mais directamente pela matrona de serviço. Esqueçam o «se faz favor» e o «obrigado» (duas frases das quais admito não conseguir abdicar), não, na tasca os modos e a educação seguem outras linhas de orientação, outros graus: quer seja conhecer toda a gente, gostar do Vitória ou ser um dos últimos a abandonar o local do crime ao fim do dia.

Por outro lado, o elemento gastronómico é igualmente importante. Não só as moelas adquirem um valor comestível (que não consigo encontrar em qualquer outro lado), talvez pelo aroma que as frigideiras excessivamente usadas transmitem à comida, como também a bebida tem uma personalidade própria. Só nas tascas se bebem pequenos copos a vinte cêntimos, onde nem o vinho nem a gasosa que aí se misturam têm marca. Basta ver escrito nas garrafas Vinho e Gasosa para saber o que se bebe: nas tascas não se faz o vinho, o vinho acontece.

[João Carlos Silva]

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